ZECA LAMBÃO E O CONFESSIONÁRIO
- FicÔ sabeno cumpade?
- Do quê cumpade?
- Do Zeca Lambão?
- Craro cumpade, quilo trimia quiném vara verde na mira do coroner...
- Tô falano é dispois lá da morte do padre...
- Tô sabeno não.
- Diz que a muié dele, tamém devota lá da Santa Gertrurdes, jurô que se o coroner num puxasse o gatilho nunca mais ia dexá o Zeca contá uma mintira.
- E aí cumpade?
- Diz que o Zeca passô uns tempo acabrunhado, quando falava quia dá umas vorta, a muié falava quia junto...
- Né possiver...
- Mais aí o Zeca num ia. Foi inté chegá o famoso dia de Santa Gertrurdes. Festa do lugá cum direito a missa, leilão e inté um forrozinho dispois pra isquentá o frio.
- ...
- Padre novinho in foia, sem cunhecê as mania do lugá. O Zeca, já isquicido do coroner, não se agüentava. A muié marcano junto, onde ele punha os pé ela também punha. Inté pra fazê as necessidade lá na bananeira, a muié foi junto. Passava um cumpade e priguntava: Caçando muito Zeca? Mata bicho mais não! Ataiava a muié. Inda pega os dorado de deis quilo? Só lambari. Respondia a devota. E quilo virô motivo de chacota proque o Zeca perdeu inté a voiz. Mais té quinfim cumeçô a missa pro Zeca. O padre, novo na praça, cumeçô:
“Apesar de novo no lugar, quero abrir o confessionário para os pecadores confessarem seus pecados antes da missa e antes da hóstia. Não gosto de confissão comunitária. Cada pecador tem uma penitência a pagar.”
Logo se fez uma fila de supostos pecadores em direção ao confessionário. Nossa devota não arredou o pé até ver seu mentiroso marido também entrar na fila. Não se fez de rogada, deu a volta e foi falar ao padre. Fez um resumo da situação e pediu para ficar junto dele na hora que seu marido fosse confessar. O padre, de bons princípios, vendo a sinceridade da mulher, consentiu.
- Falano custoso cumpade!
- Custoso fazê quatro prosa num conto só sô!
- Vai, caba quisso...
- Na hora que o Zeca intrô, a muié foi pra junto do padre, já de cumbinação que quarquer mintira que seu marido falasse, ela levantaria o dedo.
- ...
- E o novo padre cumeçô:
“- Quantos pecados nosso fiel quer confessar?
- Um tanto.
- Pode começar.
- Fiquei cuma quenga na cidade...
- Vinte Ave Marias.
- Já desejei as fia dos cumpade meu.
- Cinqüenta Pai Nossos. O senhor não é casado?
- Sô, mais o sinhô sabe, né Sô Pade...
- Sei não...
- As muié da gente num fica ca gente, antão a gente tem que aliviá...
- Mais cem Ave Marias.
- Já contei umas déis mir mintira...
- Deis mil Pai Nossos...
- Pricisa contá as mintira não? Dizia o Zeca, loco pra contá uma.
- Num tenho esse tempo, conta só uma.
- Matei um padre, cridita?
- Mentira ou verdade? Dizia o padre olhando para a esposa do Zeca; muda, chorosa e calada, sem dar nenhum sinal de mentira.
- É lógico que foi verdade, porisso o Sinhô taqui, tá me intendeno? Dispois disso minha muié feiz promessa pra mim num contá mais mintira, tá me intendeno? Num cunsigo falá umazinha só! Tá me dando gastura esse trem de ficá matano padre...”
- Cabô?
- Cumpade, diz que o padre perduô o Zeca de todos os seus pecado, cabô a missa mais ou meno; vortô pra cidade sem os cobre do leilão e de lá sumiu no mundo. Tamo sem padre de novo.
- Mais esse padre pavorô, num acha?
- Diz que na hora da missa ele iscutô arguém falá pro Zeca: “Quero vê ocê matá é esse aí!”. O coitado do padre resorveu vazá.
- Só pro causo duma mintirinha cumpade?
- Antão. Quele padre véio morreu de morte murrida e o Zeca num sobe ixplicá que foi uma baita duma coincidência.
- Mintira num presta memo, né cumpade?
- Fala não...
JOSÉ EDUARDO ANTUNES