O causo do Tio Antero
Esse causo aconteceu na Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer que é um Universo único, dada a quantidade de causos sem explicação e misteriosos que acontecem por essas bandas.
Aconteceu num domingo, quando o tio Antero e os compadres voltaram do acampamento de pescaria que fizeram lá pelas bandas de Abelardo. Voltaram galopando muito descontentes e sem nenhum peixe no bornal. Logo apearam, chamaram os vizinhos e contaram a história muito verídica que tinha acontecido com eles naquele final de semana.
O tio Antero começou a contar a história assim que sentamos em volta dele e dizia assim, sem tirar nem por uma palavra sequer, tão atentos que estávamos:
“Quando nós chegamos nos matos do Abelardo, já era de tardezinha, quase escurecendo, eu ia por último na fila e Juvencio por primeiro, porque nós estava armados. Eu ia por último na fila quando senti uma mão que me segurava pelo queixo me desequilibrando do cavalo, quase me fazendo cair. Não chamei os outros pois achei que não fosse nada e porque não tinha caído do cavalo.
Escureceu bem depressa e mais adiante aquela mão me pegou no queixo de novo, e se não sou rápido caía do cavalo. Mas fui forte e segui de perto o Ataíde que tava na minha frente. Controlei o cavalo que tinha se assustado e seguimos adiante até chegarmos ao acampamento. Os lampião estavam acesos e só precisava descarregar as sacolas para a gente ir pescar. Quando desceu a noite e tudo ficou preto, sem nenhuma estrela no céu, fomos para o rio com os lampião, as garrucha e os bornal. Minhoca e gafanhoto tinha bastante na beirada do barranco. Já tava lá o Nilson, com as varas e os anzóis.
Preparei tudo, e entrei no rio com a vara e o lampião. Joguei o anzol muitas vezes e todas as vezes voltou vazio. Nunca tinha acontecido um troço desses porque é de noite que os peixes vem comer no anzol e lá tinha muito peixe.
Joguei de novo e o anzol pegou um peixão grande, preto e muito pesado. Mas não arrebentou a linha. Consegui puxar aquele bitelão um pouco para fora e como era preto taquei o lampião perto para alumiá e sabem o que era?”
“Não” dizíamos nós apavorados com o que ele poderia ter pescado.
“Pesquei um padre Jesuíta e quase perdi o lampião no susto.”
“Ohhhhh! Um padre Jesuíta?”
“Sim, um padre Jesuíta, que me disse que o nome dele era Bernardo de Armenta e que tinha participado numa expedição de um tal de Alonso Cabrera há muitos, mas muitos anos atrás. E nós, então, nos reunimos ao redor do padre Jesuíta, sem ter coragem de tirar o homem da água e escutamos o que ele dizia, que era para nós desenterrar um tesouro que estava enterrado debaixo de uma bracatinga próxima de nosso acampamento e ao redor tinha muito pé de marcela, acharíamos como certo pois não tinha mais pés de marcela por lá a não ser aqueles.
Perguntamos ao padre Jesuíta porque não tinha desenterrado ele mesmo o tesouro, ao que me respondeu que já estava morto há muito, e perguntamos porque escolheu a gente ao que respondeu que não aparecia gentes por lá e que nós tinha que desenterrar o tesouro e usar ele como bem aprouvesse, e perguntamos também porque não tinha falado antes, ao que respondeu que tinha me puxado no cavalo várias vezes naquela tarde e eu não tinha entendido.
Eu já tava cansado de segurar o homem no anzol e quando fomos fazer mais perguntas ele tirou o anzol do capuz e entrou na água de novo sumindo de nossas vistas.
Ficamos um bom tempo olhando um para a cara do outro. E sem dizer uma palavra recolhemos as varas de pescar, os lampião, os bornal e fomos a cata da dita bracatinga com marcela.
Encontramos.
Tivemos que buscar pá e pedaço de pau e tudo de pontudo que pudesse ajudar na escavação. Fomos tudo junto para que nenhum sozinho desenterrasse o tesouro.
Voltamos, começamos a cavar e encontramos o tesouro.”
“Ohhhhhhh” dizíamos nós, sem acreditar.
“Era uma baita duma panela, cheia de moeda de ouro que chegava a reluzir na luz do lampião. Só que toda a vez que a gente tirava a panela do buraco, uma força muito grande, descomunal até, trazia a panela de volta para o buraco.
Tentamos de tudo, corda, rampa, cavalo e nada da panela sair de lá.
Resolvemos fechar o buraco e voltar para casa, pois nós já estava três dias luitando com a panela, sem comer nem beber um gole de água.”
“Vamos voltar lá e buscar, então.” Dizíamos nós. “Com mais gente é certo que a panela sai do buraco.”
“Não.” Disse o tio Antero.“Com as força do desconhecido nós não conseguimos luitar.”
Ficamos todos sem dormir naquela noite, só pensando no ouro enterrado e no fantasma do jesuíta. Inclusive o padre veio dar uma benção nos pescadores com medo que eles pudessem ter trazido alguma coisa ruim com eles. Mas acho que não tinham trazido coisa ruim não, porque por um golpe de sorte meu tio Antero herdou de um parente muito distante e desconhecido uma baita fazenda no Mato Grosso, e que precisava de um mês inteirinho para conhecer toda a terra da fazenda e cheio de boi e vaca em cima, ele ficou rico de uma hora para outra e nós muito felizes.
E o ouro tá lá enterrado ainda, junto com as marcelas e a bracatinga.