Quem não tem cachorro caça com onça
O personagem deste causo, Mariano bananeira, dizem as más
línguas que queimava um campinho danado, ou seja, aumentava
um feixe de ponto em cada conto. Matuto, de pouco estudo e
bom de prosa, nunca enjeitava um desafio, e sempre tinha na ponta
da língua um causo novo para contar.
Mas acredite quem quiser! Ele contou as seguintes histórias
que haviam acontecido, e disse ser verdade das verdadeiras com
testemunhas e tudo. E assim narrou ele:
— Isturdia eu fui convidado pra domá um cavalo brabo, em
uma fazenda nas treis barra nos arredó da cidade de Pimenta,
animar arisco, tinhoso, que ninguém parava em riba do lombo.
O dono dele, tratado de Coroné Quinca, gabava da brabeza
do animar, e deu o nome de Curisco.
Quando cheguei na fazenda, o animar já tava preso no currar
e selado, pronto pra muntaria. Num queria que eu visse o trabaio
que deu pra pegá o marvado e colocá a cela. Cumprimentei toda
a pionada presente e, sem muita pressa, peguei meu canivetinho,
piquei um naco de fumo caprichado, alisei e lambi bem a paia e
inrrolei tudo bem apertadinho. De tão grande e grosso ficô o pito,
dava até de parecê uma pamonha. Cindi, dei umas baforada bem
graúda, que a fumaça cobriu o sor por um tempinho. Dispois de
matada minha vontade, apaguei o pito e coloquei atrais da oreia.
Então, perguntei o “sô Quinca” se era aquele cavalinho preto
o tar Curisco, que ninguém parava em riba. Ele me respondeu
que sim, e que já tava quais disistino de dar lida pru bicho, e se
eu tivesse cu medo pudia dexá. Dei uma oiada em vorta, divia
tê umas mir pessoa perto do currar esperano que eu muntasse o
curisco. Mais meu zoio teimoso cumo sempre, só queria memo
era fica de bituca na fia do fazendero, uma potranca lisinha de cair
o quexo. Então, disse ao fazendero que pudia deixa cumigo, que
nem ia cobra o sirviço. O sô Quinca certo que eu ia cai igualinho
um piqui maduro, prometeu que se eu parasse em riba, o cavalo
era meu. Se o homem não fosse tratado de coroné, e mais brabo
que urutú, eu tinha proposto era um casório ca fia dele, que é
mais bonita que uma árve de ipê cheinha de frôr. Mais ela é moça
letrada, não ia querê nada cum sabaquá que nem eu.
Passei a mão na espora que eu memo tinha amolado que
tava cortano iguar navaia, dei uma cunferida na traia do cavalo,
e tava tudo dentro dos conforme, cabedali de primera. Trepei
em riba da cacunda do bicho e mandei sortá o animar, que saiu
pulano em disparada feito um doido e colocô todo mundo que
tava em riba da cerca pra baxo. O bruto era tão brabo, que pulô
puriba das taba do currar, caiu dentro de um canaviar cumigo, e
a espora cumeno na anca do infeliz. Dei tanta esporada, e cavalo
pula daqui, cavalo pula dali, que vira que torna, era só cana que
vuava, mais grudei iguar carrapato no lombo do Curisco. Dispois
que o bicho pulô umas duas hora cumigo, deu de frochá um
cadin, e foi cansano até que eu dominei o animar. Quando oiei
patrais, tinha cortado e aparado na espora todo canaviar. Divia
dar uns 20 carro de boi se juntasse a cana.
Dei meia vorta e rumei pro currar, o cavalinho já frocho foi
chegando num passinho arrastado. Quando dici do animar é
que pircibi que ele tinha mudado de cor, tava todo vermeio, eu
tinha cortado tanto a sua anca, que o sangue mudou ele de cor.
Cê credita que minha ropa branca não deu ninhum rispiguin,
e quando levei a mão atrais da oreia, o pito tava lá garradinho.
Passei a mão nele, cindi e fui cunversa cá pionada, cada quali
cum zoio mais arregalado que o oto, até parecia que eu tinha
feito argum milagre, “nunca vi falá em São Mariano”.
Puxei prosa cum sô Quinca, e falei que pudia manda fazê
pinga da cana, pois dava bem uns 20 carro de boi. O capatais
achô que tava munto a quantidade de cana, então eu dei uma
oiada pra trais, e recarculei as conta e disse que uns 15 carro
por arto tinha. Um danado dum pião que ainda achô munto, e
duvidô da quantidade. Eu dei mais uma ispiadinha e pra num
perder o cumpanheiro fiz um abatimento, e disse uns 13 carro
bem carculado ai isso tinha. O pião pió do que São Tomé que
nem veno creditava, começô a duvidá da quantidade de novo,
aí eu saí do sério, e lhe disse que num tirava mais ninhuma cana
pra fio da d’égua ninhum. Ô ta povinho pra duvidá da gente!
Fico imaginano se eu contasse uma veis que saí pra caça tatu
num cerrado, lugá ainda virge bem fechado. A turma que tava
cumigo foi na frente e eu fiquei no barraco jeitano um catrezinho,
onde eu ia durmi e um arazeli de coisa que tava jogada na cuzinha.
Dispois de umas treis hora, vortô todo mundo munto can-
sado e assustado, pois uma onça tinha currido atrais da turma, e
o cachôrro maiado, um tar de Bilosca, virou um sorvete, só parô
quando chegô no barraco. Eu cunvidei aquela culundria toda pra
vortá cumigo, mais ninguém teve corage de vortá, até o Bilosca
quiabô, cê credita? Num tinha nem uma lamparina pra eu leva,
tava um breu danado, cá cara e a corage que Deus me deu, enfiei
cerrado afora, sem tatu eu não vorto.
Procura daqui e dali, e nada de tatu, de repente iscuitei um
trupelozinho munto divagá, firmei o zoio e vi o vurto de uma
onça, dessas bitela, quase do tamanho de um cavalo, “pequeno”
inhantes que arguém duvide. Armei o purrete pra riba dela, mais
ela nem tchum pra mim, sabia o mato que tava lenhando. Dei
um tempo e a bicha cumeçô a andá em zigue-zague, divagarinho,
achei aquilo estranho, e eu fui acompanhando, a onça cheirava
daqui, cheirava dali, procurano arguma coisa. Eu atinei, fiquei
na cola e de oreia em pé, ela subiu um morrinho e iscafedeu na
escuridão e eu fiquei mais embaixo.
Medo eu não tinha, mais pra que abusá da sorte? Aguardei um
cadim pra ver o que ia acontecê, iscuitei quando a mardita veio uivando
feito um truvão morro abaxo, arregalei os zoio pra ver o que
tava aconteceno. Apontou de lá pra cá uma manada de tatu, e ela
atrais, divia tê uns doze, e acuando os bichim e tocano pra riba d’eu.
Amoitei atrais de uma árve e esperei, quando foi passano o primeiro
tatu, preguei o pé na fuça do coitadim com tanta força, que ele vortô
rolano na mema tuada que vinha, e bateu num punhado de tatu no
caminho, e foi só barulho de casco de tatu rachano.
O meu pé, nem te conto, ficô dueno uns treis dia, pegô bem
em riba da unha encravada, onde eu tinha feito um buraquim na
butina pra num pegá na unha. Firmei a vista pra ver se era memo
verdade, e fui juntano os tatu, meu embornali ficô cheim até na
boca e oia que era um bitelo. Pensei em jogá um pra onça cumê,
afinar, foi ela que achô os tatu, mais acho que assustei a danada, ou
argum tatu deve tê pegado nela e ela sumiu de susto cá baruiada.
Quando cheguei no barraco mancando mais que o Zé Concho,
todo mundo ficô ispantado cus tatu. Eu pra não fazê munto
arvoroço, mais sô homi discreto e num gosto de contá vantagi,
num quis contá o acontecido. Fizemo uma festança porreta, como
eu tava com um sede danada, devo tê bibido pro baxo uns treis
litro de pinga. No fim da noite, era cabuquim caído de tonto,
tive que coloca todo mundo na cama. Nunca vi uma moçada
tão frocha na cachaça daquele tanto, pra caça tatu então, nem se
fala, da próxima veis levo leite prês.
Mais vortano ao Curisco, até hoje ele rifuga quando passa
perto de um canaviar, e eu arrepio quando vejo a danada da fia
do Sô Quinca.
Kennedy Pimenta