“PEGA A DOIDA VALDEMIRO”
Valdemiro Mendonça
Seu Valdemiro corre a dona Tonha ficou doida, este pedido de socorro era do garoto Waldemar, chegou esbaforido com a língua de fora da boca como se o mundo tivesse desabado todo sobre ele. Foi segurando minha mão e puxando como se eu fosse um dos heróis das historias em quadrinhos dos gibis que ele vivia lendo, com a cumplicidade dos vizinhos que lhe davam dinheiro por alguns serviços que ele prestava com o qual comprava as revistas em quadrinhos.
Ao chegarmos a casa, muitos vizinhos lá estavam acudindo aos gritos que dela vinham, me informaram que ela sempre tinha estes ataques e que era a tal de pomba gira que pegava esta morena gostosa e solteira que lá residia, digo isto, mas não era eu apenas a ver os dotes da morena cor de jambo, namoradeira e provocante. Todos os homens da redondeza babavam pela tigreza linda.
Eu vindo do interior de Minas Gerais para S. Paulo filho de protestantes era um leigo em assuntos de seitas espíritas nada sabendo sobre orixás e outras entidades de candomblé e nem de umbanda ou qualquer outra seita africana. Quis saber mais, mas o pessoal apenas me disse que nós teríamos que entrar pelo menos quatro dos mais fortes homens que lá estavam e agarra-la sem dar tempo a qualquer reação.
Estranhei ... Uma mulher por mais que ela fosse forte, eu nos meus vinte e três anos não admitia que ela pudesse vencer meus músculos bem treinados no trabalho pesado do dia a dia que eu desenvolvera recentemente no meu estado, eu era forte e me orgulhava disso.
Neste instante chegou um dos meus primos que já residia a mais tempo na grande cidade, safo metido a sabe tudo e já foi se inteirando do caso e chutando logo o pau da barraca dizendo: difícil acreditar, isso é motivo para rir, nós baixamos as cabeças, realmente estávamos sem ação.
O que este bando de homens frouxos está esperando para pegar a mulher? Deixe que eu resolva e partiu para dentro da casa como se fosse o Superman, ele abriu a porta entrou e nós ouvimos o som de uma breve luta e o vimos saindo de novo com a cara branca marcada com cinco dedos de um lado, marcas de unhas na outra face e a camisa toda rasgada, ele com cara de boi sonso dizia choroso: - isto não é mulher é uma onça das mais bravas, chamem os bombeiros é o diabo que está lá dentro.
Foi embora deixando os frouxos no mesmo impasse, mas já sabendo o que iríamos enfrentar. Discutimos e resolvido às estratégias, partimos para a ação. Uma vizinha emprestou-me um cobertor e ficou fácil mobilizar a maluca, mas quando entrei no quarto ele voou em cima de mim, se eu não estivesse atento vendo como ela machucara o primo, teria me arranhado também e eu ia ficar com a mesma cara de taxo.
Joguei o cobertor em cima dela e a seguir os quatro valentes guerreiros imobilizaram a fera, hum... Acho que não, ela estava bem mais para ovelha do que para fera. Mas no momento com toda sua aparência frágil, ela conseguia lutar e dar trabalho, rindo e zombando dos marmanjos.
Eu segurava um braço dela tentando mantê-lo apoiado na cama sem o machucar, uma tarefa difícil, pois ela conseguia ter a força de levantar o meu peso enquanto rindo nos xingava com palavrões daqueles bem cabeludos. Menos de dez minutos naquela luta, os braços e as pernas da mulher já estavam cheios de hematomas e em alguns lugares o sangue saia sujando a roupa dela e as nossas, dando a impressão que estávamos batendo nela, já começava a me sentir mal com a situação.
Neste momento entrou no quarto o namorado e uma garota de quinze anos que ele tinha ido buscar num terreiro de macumba num outro bairro perto dali, ele fora buscar a mãe, mas como ela não estava, veio à filha que já chegou mandando como um general autoritário e seguro, soltem à mulher, só que a voz esganiçada não convencia muito.
Eu olhei pra menina, meio incrédulo, mas ela nem me deu atenção, podem soltar repetiu. Soltamos e saímos bem rápido conforme ela orientou, os outros três saíram para outra dependência da casa cansados da luta, eu preocupado com a menina deixei a porta quase encostada, mas com uma fresta que deixava ver o interior do quarto.
Assim que a poderosa se sentiu livre, ela tentou se levantar e ergueu o corpo um palmo do colchão, só um palmo. Vi quando a garota franzina saltou e caiu sobre a mulher à cavaleira e enquanto a mão esquerda segurou o cabelo penteado com um rabo de cavalo à mão direita trabalhou com uma velocidade incrível desferindo meia dúzia de tapas na cara da morena enquanto dizia, - quieta sua piranha, você está lidando com quem sabe, se continuar a frescura apanha mais, ta com falta de homem e fogo na raquitamba, comigo ou pára a frescura ou lhe arrebento.
Olhem que eu já visto muitos nomes pra coisa... Mas raquitamba foi à primeira vez, a garota continuou, se não parar, eu vou por uma boa numa encruzilhada e você vai ver o que é fogo de pomba gira. Na mesma instante a morena ficou quieta, pareceu entender o recado.
Então a garota saiu de cima, ela se levantou com um fino sorriso como dizendo, tomaram papudos? Alisou as roupas se limpou e eu saí de perto da porta, pois a menina se dirigia para ela e só me afastei alguns passos quando ela abriu a porta e disse podem entrar.
Eu entrei e os outros precedidos pelo tal namorado, futuro candidato a corno entraram juntos, o namorado foi logo perguntando tudo bem amorzinho? Ela se fingindo de sem graça disse que sim e eu meio espantado olhava para ela sem atinar, como as marcas tinham sumido, como e por que arte? Só podia ser coisa do cão danado.
A boa menina logo esclareceu: era exu no duro, foi difícil tirar, queria ficar no encosto e olha que ele pode voltar, disse e olhou pra morena como se tivesse falado com ela: coopere e faça o cão voltar, isso me dá grana, a morena devolveu o olhar e eu saquei o lance.
Fiquei calado, mas já não tão leigo como antes, uma coisa eu sabia: pomba gira até pode descer, mas, na maioria das vezes são as saias que querem subir. Sempre que eu passava perto da morena, ela dizia baixinho: - ainda te pego machão.
Um dia, eu chegava do trabalho, ela estava na porta, tinha se despedido do jovem namorado que passara por mim depois da esquina. Ela então me pegou... Pegou e mostrou que ela era a própria, a danada, a poderosa... Pomba gira.
E foi um tipo exu! Encostou e foi difícil sair.
Trovador