UM URSO PARDO EM TERRAS CEARENSES
O dia tinha sido nublado. A noite estava sem lua e assim ficara mais escura. Até porque as nuvens continuavam a nublar o céu. Nem as estrelas a gente via. Em suma, como se diz por essas bandas a noite estava um breu. Mas seu João Quebra Queixo além dos olhos de lince tinha verdadeiro olhos de gato. Enxergava no escuro. Foi quando viu passar acerca de 80 metros um animal peludo, de grande porte, em pé como homem. Fazia dias que seu João via este vulto passar em direção a um monte, o qual ele chamava serrote, que ficava próximo à sua casa. Ele, de início pensou em ser um lobisomem e ficou temeroso. Temeroso só um pouquinho, porque seu João dizia não ter medo de bicho que outro come. Neste dia, porém, seu João já de orelhas em pé, disse:
- Vou resolver este problema hoje. Não fico mais na dúvida. Ou lobisomem ou seja lá o que diabo for, hoje entra na faca, se preciso for.
Entrou em casa, pegou seu chapéu de palha, pois podia vir algum sereno. Sereno no Ceará é a garoa do paulista. Mas bom, estamos mesmo é no Ceará, então vamos continuar a estória. Pegou o chapéu, pôs na cabeça, porque não podia ser em outro lugar, amolou um punhal e uma faca de ponta (ainda não havia peixeira, segundo seu João). Foi na camarinha e pegou uma corda de laçar boi bravo, feita de couro cru entrelaçado, ensebou-a e partindo para aventura, disse:
- Hoje eu desvendo este mistério. Pode ser o capeta (cruz credo), a mula sem cabeça, o lobisomem, seja lá o que for, mas a coisa se esclarece.
Calçou seus chinelos de couro cru e partiu em direção ao serrote, por sinal chamado o Serrote das Cobras, porque tinha muitas cobras. Mas isto é outra estória. Caminhou cerca de 15 minutos e ao chegar perto de um pé de Jurema preta viu três bichinhos bem gordos, a brincarem. Mas cadê o peludão? Olhou prum lado, olhou pro outro e nada. Cadê? Estava assim matutando quando ouviu um esturro medonho. Ficou todo arrepiado pensando que era a besta fera. Virou e viu a uns 3 metros dele aquele bicho cabeludo e valente que nem onça parida. O animal partiu em sua direção com a boca aberta querendo mordê-lo, em pé, com cerca de 2 metros de altura e as garras enormes à mostra. Seu João puxou o punhal, mas ao dar um pulo para trás desequilibrou-se e a arma caiu-lhe da mão. Aí sim. O bicho já estava quase em cima dele. Deu tempo, puxou a faca de ponta e deu a primeira estocada. Touché, parecia um espadachim francês. Que nada, o bicho pulou de banda e escapou da furada e em revide jogou-lhe uma tapa com as garras afiadas, mas seu João já havia dado dois pulos mortais para trás e livrou-se das unhas que iam arrancar-lhe a cabeça do pescoço. Começou a briga. Faca vai, tapa vem. Faca vai, tapa vem. Seu João já estava cansado quando se lembrou da corda. Deu mais três pulos para trás puxou a corda da cintura, rodou-a por cima da cabeça e ZÁS. Laçou o peludão por sobre os ombros. O bicho remexeu-se e jogou o seu João bem ao pé de um pau branco. Mais do que depressa, seu João passou a corda ao redor da árvore, puxou o peludão e o amarrou. O bicho ficou rosnando mas não pode fazer mais nada.
Amanheceu. Seu João viu que era um animal que ele desconhecia. Foi quando apareceu um desses letrados, que já tinha visto o animal em figura e disse ser um urso. Junto do urso estavam os três bichos gordinhos que seu João tinha visto à noite. Eram os filhotes da mamãe ursa.
Quando seu João terminou de contar a estória, tinha como sempre tem na roda de ouvintes um gaiato que disse:
- Mas aqui no Ceará não tem urso, pois é muito quente. Já vi num filme do Buck Jones, numas serras geladas que urso só vive onde tem frio e aqui torra ovo no asfalto. Como é que é isso?
- Seu João esbugalhou os olhos, abriu a mão para dar uma tapona no brincalhão zombeteiro, mas a turma do “deixa disso“ que estava no mercado evitou a confusão.
- Cabra filho de uma égua tu “tem” sorte. Tá pensando que eu estou mentindo? A ursa caiu de um caminhão de circo e ficou lá no serrote. Mas da próxima vez tu não me escapa Zé Capote, quebro teu cangote com um murro.
Seu João diz que o fato passou-se em 1940, em plena 2ª Guerra Mundial.