A VISITA DE MARIA
A VISITA DE MARIA
Aquela manhã parecia particularmente diferente de todas as outras que Jandira tinha vivenciado. Levantara tarde demais, fora de seu costume. Já eram sete e meia e não tinha nem tomado o café. Começou a correr, com os afazeres da casa. Corria como uma louca pela cozinha, subia e descia as escadas para o terraço como se estivesse fugindo de um perseguidor invisível.
Desde que colocara os pés para fora da cama, sentia pressa, e vontade de correr, de estar em um lugar diferente, distante dali, longe de sua casa. O peito estava oprimido, verdadeira angústia se apossara da pobre senhora, e ao mesmo tempo um sentimento, como se fosse uma premonição, lhe indicava, algo diferente que iria acontecer.
Ela olhou no relógio dez horas, voltou do terraço, onde andara estendendo umas roupas na corda, chegou à cozinha, encheu um copo com água mineral e tomou o comprimido para hipertensão. Apagou o fogo da panela de pressão e colocou o cabo de uma colher virado ao contrário, abaixo da válvula de pressão para que o ar saísse mais rápido e a panela se abrisse.
No quarto ao lado o telefone berrava. Após a quinta chamada, a senhora foi atender. Voltou resmungando para a cozinha e falando sozinha: - Eu não conheço nenhuma Maria, onde já se viu ligar para cá, para avisar que a Maria minha cunhada acaba de falecer, só pode ser coisa de gente que não tem o que fazer. A mulher ao telefone, disse meu nome, sabe onde moro etc. Jamais tive cunhada de nome Maria, pera aí, as minhas cunhadas, irmãs do falecido, eram: a Olga, a Benedita, a Sebastiana, a Alessandra, a Raimunda, pera aí, me deixa lembrar tinha a Clotilde que foi mulher do Pedro meu irmão, e a Joana, mulher do Paulo meu outro irmão. Não tenho mesmo cunhada de nome Maria. “Tem alguém querendo me sacanear”.
Voltou para a sua cozinha. No mesmo instante, a panela de pressão deu uma violenta explosão, que jogou caldo de carne, e pedaços de carne, por todos os lados da cozinha. Do teto, as paredes azulejadas, e ao chão. A pobre senhora olhou para tudo assustada, lembrando-se da trabalheira que teria para limpar tudo. Sentiu uma súbita tonteira e caiu, batendo com a cabeça direta no chão. Não sabia se dormia ou se estava desmaiada. Teve uma visão. Uma senhora, de aparência asiática, rosto redondo, pele amarelada, cabelos curtos, lisos e negros entrava pela porta dos fundos da casa e ia até a cozinha onde a senhora estava desmaiada. Olhava para ela sorria e dizia: - Eu sou Maria, vim lhe visitar, lembra de mim? . A senhora, sorriu em retribuição, e nada respondeu, a outra, em um simples gesto, levou-a por uma espiral de luz que girava, girava, e girava, e as duas percorriam em segundos, uma jornada de muitas vidas. A senhora visitou cidades desconhecidas, com pessoas vestidas em outros tempos, até que chegou a uma aldeia muito pobre, cheia de casinhas pequenas e apertada no meio de uma planície, parecia ser uma antiga civilização chinesa. Lá ela encontrou alguns rostos conhecidos em outros corpos. Como se fossem pessoas conhecidas representando papéis em roupagens diferentes. Ela reconheceu seu marido Ignácio e sua cunhada Olga. O que eles faziam voltavam da plantação com enormes cestos nos ombros. O que eles eram seus. Olhou para si mesma, no retrato da existência que a visita de Maria lhe proporcionara e viu-se: Uma velha senhora asiática, aguardando na porta do casebre, a volta dos seus dois filhos da plantação.
Saiu da espécie de transe que tinha entrado. Levantou-se rapidamente, e ainda meio tonta, foi atender ao telefone. Era sua sobrinha Edith, filha da Olga. “- Tia, a senhora está bem? Demorou a atender ao telefone. Sem dar tempo para a senhora responder, continuou falando rapidamente. A senhora ainda não tinha sido avisada, eu pensei que a Dorinha já tinha telefonado...” Dorinha, era a filha de Jandira. A senhora respondeu: - “Realmente, hoje eu não estou bem, acabei de cair na cozinha e bati com a cabeça, não sei quanto tempo fiquei ali esticada”..., mas conta o que é que aconteceu. Do outro lado, Edith, deu uma fungada no nariz e soltou, desabando em lágrimas: - A mamãe morreu... Ela foi atropelada hoje de manhã, quando vinha da feira... Jandira perguntou: - Agora? De manhã? A sobrinha respondeu: - Não tia, a senhora está confusa, foi hoje de manhã agora são quatro da tarde. Jandira ficou assustada, pois seu desmaio parecia ter sido apenas coisa de alguns minutos. Conversaram ainda mais alguns minutos, e desligaram.
Jandira ficou divagando em seus pensamentos, enquanto mecanicamente, limpava a cozinha, que estava toda engordurada e cheia de pedacinhos de carne ensopada por todos os lados. Olhou para o relógio e viu que ele estava parado, marcando dez horas e dez minutos.
Não estava impressionada, nem chocada, não sentia mais a angústia, nem a opressão que sentira no peito naquela manhã. Estava serena, sabia o fim que teria sua cunhada Olga, ela certamente estaria bem assistida, junto dos que vieram busca-la em sua passagem. Tinha uma certeza infinita dentro de si mesma, de que tudo a partir deste dia em diante, sempre daria certo, e que no fim tudo se encaminhava para o bem.
Só achou um fato estranho para o qual ela não encontrou resposta, o telefonema avisando sobre a morte de sua cunhada Maria. Imaginou que alguém tinha se enganado no nome e dissera Maria em vez de Olga. Achou ainda mais estranho, quando alguns dias depois conversando com sua sobrinha, ela deu certeza que a primeira pessoa, a saber, da morte da Olga tinha sido Jandira. Jandira olhou no visor do telefone onde registrava as ligações recebidas e ficou chocada. O telefonema que ela recebera fora exatamente às dez horas e dez minutos, no mesmo horário do óbito de sua cunhada.