Pinda

Pinda

Um dia desses, eu e meu tio Ditinho fomos visitar o sitio lá em Pinda, a casa velha está como cem anos atrás nada que faça alguém perceber detalhes do presente. Foi então que perguntei a ele... O banheiro têm simplesmente um buraco no chão, o filtro de água é uma pedra côncava e o fogão é quase uma churrasqueira.

“Puxa tio não tinha nada pra faze aqui? Só esperar o tempo passar?”.

A resposta já estava na ponta da língua...

“Muita gente pensa isso, mas é o contrario, musica, por exemplo, era ao vivo. O cantador faz a gente chorar, sorrir, brincar, ele pega a viola e manda vê. Aquele era tempo bom, ninguém ensinava a tocar, era Deus que dava dom a ele, quem não nasceu com ele nem adianta tenta, nunca será... A não ser que faça Pacto com o Tinhoso, simpatia com cobra coral ou com cemitério”.

“Simpatia com cobra? Com cemitério?”.

“É... A da cobra, o sujeito tem de sair de noite à procura de um filhote de cobra coral venenosa e logo que encontrar deve com o polegar e o indicador da mão direita, agarrá-la pela cabeça, deixando que ela se enrosque. Depois, deve desembaraçá-la com a mão esquerda, sem usar o polegar, fazendo com que ele se enrole nos outros dedos. E depois, para terminar, tem que soltá-la na mesma posição e no mesmo lugar onde a encontrou... Essa simpatia é conhecida pelos violeiros”.

“E se a cobra picá ele”.

“Ai meu amigo se não aleja... É a morte certa”.

“E a do cemitério tio?”.

“A do cemitério, o danado tem que descobrir o local onde foi enterrado um grande violeiro. E à meia-noite do Sábado Aleluia, o cabra tem que pular o muro do cemitério e sem luz para auxiliar a visão, achar o tumulo de um violeiro dos bons e se ajoelhar, levando os braços para frente com os dedos abertos e em movimento. Fecha os olhos e reza três Ave-Marias e pede para a alma daquele violeiro lhe passar os segredos do instrumento. Com pouco tempo, se a pessoa estiver bem concentrada ela vai sentir um calafrio espinha e logo depois sentira os seus dedos sendo puxados e estralados. Depois de todos os dedos estralados o sujeito sentira uma tontura momentânea”.

“Ô loco tio, mas isso é macabro!”.

“Macabro é quando surge o vendaval, esse vento significa que o desejo foi aceito, a pessoa tem que rezar mais três Ave-Marias, pois já é um grande violeiro”.

“E tem doido que faz isso”.

“Ora como não, fala-se entre os violeiros, que um dos casos mais curiosos de pacto com o capeta aconteceu aqui na região do Vale do Paraíba, onde a tempos atrás, vivia um caboclo muito importante que adorava moda de viola e não conseguia aprender a tocá-la e decidiu fazer o pacto. Homem corajoso, derrubava boi a tapa, puxava jegue na ladeira. Ele não tinha concorrente. Só tinha uma coisa que fazia medo nele, eram as cobras, mas ele não se preocupava muito porque rezava todas as manhãs para São Bento”.

“Pô, enfrenta onça e tem medo de cobra!”.

“É, e numa noite de lua cheia, pegou sua viola, uma garrafa de pinga e foi para uma encruzilhada perto do velho Paraíba. Lá se sentou e começou a beber, não passou muito tempo até começar a gritar chamando o satanás para ensiná-lo a tocar viola”.

“O que ele gritava?”.

“Gritava: Ô Capeta, vem cá!... Ô Mal amado me ensina a tocá viola... E nada. Ô maligno, tá surdo! rapá... Nada de Demô. Ô mardito fedorento, tá cum medo sô. Chifrudo cagão! e nada. Depois de muitos gritos e já cansado de esperar e caindo de bêbado, começou a ouvir uns ruídos, olhou para o outro lado da margem e viu vindo em sua direção uma vaca branca, dando de mamar para sete cabritinhos. Logo atrás, uma cabra preta, amamentando sete porquinhos. Em seguida, um porca branca com sete galinhas querendo mamar. Depois, uma galinha preta com sete sapinhos pulando, também tentando mamar e, de repente, cobras surgiram, perseguindo os sapos”.

“Que doideira, o cara não tinha medo?”.

“Só não tinha como logo depois que avistou as cobras, ele gritou: São Bento! No mesmo instante, ele ouviu uma voz raivosa lhe respondendo de dentro do mato... Vai viver molambento!, e tudo desapareceu. Conta-se que o homem ficou meio abobado e passou a viver nas portas das igrejas, tentando tocar uma viola desafinada, o sujeito parecia um mendigo”.

“Puxa coitado dele”.

“É, e isso muita gente não acredita, mas pode crê que é serio, preste atenção nos bons violeiros, esses não aparecem muito, só permanecem na suas regiões de origem e se consideram o melhor do pedaço e não suportam a idéia de ser comparado com outros, talvez tão bons quanto ele. Geralmente esses tocadores trazem em suas violas, um chocalho de cascavel, porque, segundo eles, o guizo dá uma forte proteção tanto para o instrumento quanto para o violeiro. Outra coisa que se conta é que antigamente nas disputas de violeiros, alguns possuíam a magia de quebrar as cordas e, até mesmo, o instrumento do seu adversário. Esses deuses da viola já estão em extinção, e com eles toda maravilha de um dom que nos faz sonhar”.

Marcos Pestana
Enviado por Marcos Pestana em 15/05/2012
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