Uma era... a outra não!
A noite havia sido de Lua-Cheia. Talvez, por isso, a peonada esticou a tarde, entretida na conversa sem compromisso, apreciando o Luão que despontou sobre as árvores, bem ali, no encontro dos morros, e foi subindo muito lentamente, inundando o vale com sua luz suave que empurrava a brisa fresca. A vespertina aragem era verdadeira dádiva a amenizar os efeitos sufocantes de um dia de trabalho sob o Sol escaldante de verão. Muitos acabaram bebendo mais que a rotina. Houve peão que saiu literalmente “mamado”. Manezinho foi um deles. Nada de mais. Afinal, estou habituado a vê-lo sair em condições até piores. Estranha foi a ausência do peão, nos dias que se sucederam. Já, no dia seguinte, procurei informação com os vizinhos, todavia ninguém sabia de Seu Mané. Notícia ruim tem asas, portanto coisa grave não havia de ser... Sosseguei.
Nas tardes seguintes, a rotina continuou com a pasmaceira de sempre. Seu Tinoco, volta e meia de arenga com o Nenzinho, coisas de galistas, sempre um provocando o outro, em tentativas vãs de convencer o rival de que seu galo é o melhor. Sobre essa questão, o certo é que, depois da humilhante derrota sofrida pelo galo preto de Nenzinho, Seu Tinoco não perdia chance de azucrinar o peão, vangloriando-se e enaltecendo as qualidades de seu capitãozinho vermelho. Contudo, quando as acirradas discussões davam trégua, alguém comentava a ausência de Manezinho. Coisa, no mínimo, curiosa, dada a insignificância do peão. Nessas ocasiões, invariavelmente o primeiro comentário sempre denotava preocupação, mas logo o tom de deboche dominava o assunto.
– Seu Mané num apareceu mais... Deve de tá cum argum pobrema!
– Que nada! É a rédia que anda curta!
– É mermo. Deve de sê a Dona Marieta, que arresorveu curá as pinga dele cum cabo de guatambu!
De fato, passados alguns dias, não é que Seu Mané apareceu todo remendado! Ao vê-lo naquele estado, fui logo indagando o sucedido.
– Que é isso, Seu Mané?! Foi atropelado por um trem?
– Uai, Sô! Inhantes tivesse!
– O que aconteceu, home?
– Uai, Seu Zé! Foi na noite de lua, Sô! Acho que aquela úrtima num me fêiz bem. Saí daqui, meio cambeta, mais lá ia bem, inté chegá naquele pastão do Afonso. Bem no meio do pasto, eu vi duas vaca. Uma que era e uma que num era... Perto de mim, tinha duas arve. Uma que era e uma que num era. As vaca arresorveu invisti! Aí, eu garrei e subi na arve que num era, e a vaca que era me pegô e fêiz esse estrago, Sô!