O Navio Fantasma da Iha de Algodoal
Conta uma antiga lenda que, quem avistar o Navio Fantasma na Ilha de Algodoal (Maiandeua) nunca mais sairá da ilha. Os mais antigos pescadores afirmam que é verdade e dizem que a pessoa fica encantada.
Lúcio era moço da cidade e não acreditava em conversa de pescador. Era um rapaz um tanto atrevido e metido a sedutor. Sempre passava pela ilha nos meses de férias. Era louco por Mariana, uma jovem donzela muito bonita e prendada, filha do pescador Pedro, o mais conhecido e respeitado da ilha.
Antigamente, não existia energia elétrica em Algodoal. Também era raríssimo ver alguma bicicleta. O comum mesmo eram as carroças puxadas por cavalos ou jumentos. Era nessa época que Lúcio costumava passear por lá.
Mariana saía cedo com o pai para ajudá-lo: enquanto ele pescava, ela catava siris. Por volta das 10 da manhã, eles iam para a barraca continuar o trabalho. Dona Ana, Felipe e André (a esposa e os outros dois filhos de Pedro) abriam a barraca bem cedinho. Os rapazes apanhavam cocos enquanto Ana organizava os sucos e os salgados para vender na "Aloha", o "point" dos surfistas.
Quando Pedro e Mariana chegavam, Ana e André tratavam dos peixes enquanto Felipe atendia aos clientes. Pedro ajudava a filha a preparar os siris. A Aloha, no horário do almoço, ficava lotada! O tempero de Ana e Mariana agradava muito ao paladar além do atendimento ser excelente. Mas tinha outra coisa: a beleza de Mariana atraía muitos jovens, principalmente surfistas, que aborreciam Pedro quando diziam "Fala, sogrão!". A tribo do surf deu a Mariana o epíteto de sereia de Algodoal.
Certo dia, quando Lúcio foi almoçar na "Aloha" com o intuito de ver a moça, Pedro conversava com Simão (outro pescador) a respeito do que acontecera ao Zé do Camarão. Parece que Zé tinha avistado o fantasmagórico navio. O caso estava virando um "enxame", ou seja, ganhando repercussão. Todo mundo da ilha comentava.
"Isso é crendice idiota de povo sem televisão mas com muita imaginação. É "potoca"(mentira), é conversa de pescador... " comentou Lúcio ao sentar-se numa das mesas da barraca. Ele esperava que alguém aprovasse seu comentário, mas um senhor, muito velhinho, o repreendeu: "Faça isso não, moço. Não fale do que não sabe. Essa ilha é toda encantada, começando pelo nome. Maiandeua é a mãe da terra. Aqui a gente tem uma princesa que mora no fundo de um lago; um casal de namorados que toda noite se procura, mas não se encontra; a duna peregrina, que anda pra todo lado e esconde até casa; um tesouro enterrado; uma visagem que aparece na lua cheia e o tal navio. Eu fui o primeiro a ver o bicho. É um parrudo de um navio! Ele é muito bonito e brilha de longe... A impressão que dá é que acontece uma festa lá dentro, tem até uma música que dá pra escutar. A gente fica horas olhando aquilo, até o momento que o bichão se vira pra gente, vindo pra nossa direção. Mas quando se aproxima, se desfaz em fumaça. É assustador. Nunca me esqueci disso: por sete dias eu sonhei com aquilo e sempre que ia pescar perto de onde tive a visão, ainda escutava a tal música. Eu quis ir embora daqui, mas foi inútil a tentativa. Meu barco quase virou, o mar parecia me empurrar de volta. Por isso é que, se alguém vê esse navio, não sai de Algodoal.
" 'Paidégua' (legal) sua história, vovô. Mas não sei, não", respondeu Lúcio. O rapaz nem desconfiava do que estava na iminência de acontecer...
Quando Felipe foi entregar o pedido de Lúcio, o rapaz atrevido ouviu um comentário a respeito de um luau que ia acontecer à noitinha. Lúcio queria maiores detalhes e Felipe confirmou a informação, dizendo que todos estariam lá. "Essa é a oportunidade de eu seduzir a Mariana", pensou Lúcio.
O luau começaria por volta das 18 h. A Aloha estava preparada para receber os convidados. O responsável pela festa era o "brô Doidão", Allan, o caçador de tsunamis, que ganhara o título de campeão mundial de Surf, numa competição realizada no Havaí. Ele escolheu Algodoal como local de treino e também como seu refúgio espiritual.
Allan escreveu na areia a palavra "mahalo", que significa obrigado. Preparou um arranjo com lindas flores, lançou nas águas e gritou: " Mahalo, Maiandeua. Mahalo, Grande Espírito". E, ao som do reggae, o luau começou.
Perto dali, Lúcio tramava surpreender Mariana. Ela estava a caminho da barraca, quando ele a agarrou a força e a arrastou ao lado oposto da praia. Ela o mordia, o arranhava, o chutava... Mas não conseguia gritar, pois ele a impedia. Era noite de lua cheia e o barulho da festa abafava o desespero da jovem.
Quando Lúcio a empurrou para a beira da praia, numa tentativa de tirar a roupa da moça, eis que uma outra música surgiu, ainda mais alta, só que muito sinistra...
Mariana logo entendeu... Era o navio. Lúcio ficou perplexo! Foi a oportunidade que a donzela teve para fugir, tampando os ouvidos e sem olhar para trás. Lúcio enloqueceu e nunca mais saiu de Algodoal.