Nó na garganta

Nó na garganta

E na varanda da fazenda, estávamos eu e meu amigo, nossas famílias, descansando da correria do dia anterior. Formávamos um grupo de 15 ou 16 pessoas incluindo as crianças, ainda muito pequenas.

Na verdade era uma correria daquele tipo, não fazer nada, espantando vacas, brincando com as seriemas e montando cavalos e vistoriando as beiras de rios entre pastos e saltando cercas de arame e socorrendo uma ou outra criança que ora arranhava o joelho, ora era estranhada pelo fiel cão de guarda.

A família brincando por ali, as crianças na gritaria. Aproximava-se da hora do almoço e alguns frangos caipiras abatidos para que enfeitassem o arroz com guariroba.

Eu já havia alertado: Sem pequi aquele troço fedorento e sem pimenta do reino aquele veneno que no dia que se come arde em cima e no outro dia arde embaixo sem dó nem piedade.

Deitei um olhar profundo no horizonte e mil reflexões subiam à minha cabeça, como se o mundo estivesse todo errado nos colocando em cidades enormes, movimentadas, pessoas correndo, estressadas, uma capa de asfalto e uma enorme quantidade de cimento armado em concreto me faria cair em depressão, somente ao lembrar-me que mais dois dias eu teria que retornar à rotina do inferno da sobrevivência.

Mas eu haveria de esquecer todos esses maus pensamentos, aliás eu estava ali pra isso, pra relaxar, pra fingir que com três dias no meio do mato, me tornariam um cidadão com um menor grau de repugnância ao mundo cão que criamos em função de um sistema econômico cruel.

Fomos da beira do rio, pescamos o jantar e no final da tarde fomos jogar uma caixeta na brincadeira. De repente aponta a caminhonete do compadre do meu amigo, o Dr. Valteno, fazendeiro também naquela região e vinha ele acompanhado de um truqueiro famoso e chegou prometendo uma coça em nós dois.

Muito bate papo, a tarde ficou mais animada e afinal nos sentamos e o jogo de truco começou. O combinado é que cada queda que eu e o meu amigo ganhasse penduraríamos uma pedra com um barbante forte que seria amarrada no teto da varanda e somente seria retirada se eles ganhassem quedas equivalentes.

Assim combinado, uma cerveja aqui, outra ali, uma pinguinha as mulheres prepararam um tira-gosto no capricho e no final da noite encerramos a brincadeira com um placar de 5x2 a nosso favor. Resultado: 3 pedras penduradas que somente poderiam sair dali no próximo encontro, ou poderiam quem sabe se multiplicar para humilhação dos adversários que ficaram desmoralizados na região, pois todos ali pelas bandas de Faina ficaram sabendo desse combinado.

O tempo foi passando, o Dr. Valteno de vez em quando me via em Goiânia e me dizia ameaçador: Você precisa voltar lá, está “fugindo do pau” – rssss, preciso retirar aquelas pedras de lá.

O tempo passou mais um pouco e nos deparamos juntos, de repente, num dos velórios mais tristes da minha vida. O meu amigo, grande companheiro de canastra, de truco, foi se embora de repente num final de semana e não resistiu três dias no hospital.

Fazem quase dez anos, os herdeiros ainda brigam na justiça, a fazenda está abandonada, as pedras segundo me disseram ainda não foram retiradas de lá, porque todos conhecem a história. Possivelmente terão que vender a propriedade a um estranho para ratear o dinheiro.

Não sei se conseguirei herdar as pedras. Nunca mais joguei truco na minha vida.

E lá está debaixo de sete palmos, sob uma chapa de cimento armado, o meu amigo truqueiro, um homem que poderia ter conhecido a Europa inteira, se quisesse e nunca passou de Caldas Novas.

Luiz Bento (Mostradanus)
Enviado por Luiz Bento (Mostradanus) em 04/05/2012
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