Os Hóspedes e o Quarto com Televisão
“...Empatar com mineiro pode ser comemorado como grande vitória...”
O presente tem como objetivo prestar uma homenagem ao povo mineiro e toda sua capacidade de conquistar a simpatia das pessoas com sua simplicidade, sem deixar de lado o seu perfil interesseiro de bom negociante. É de poucas palavras quando está procurando as que melhor se apropriam ao assunto. Quando fica calado não é porque não sabe o que dizer, mas sim porque agindo dessa forma está fazendo um bom negócio. Costumam dizer que: “empatar com mineiro pode ser comemorado como grande vitória”.
Pois bem, no início do ano 2 000, mais precisamente, Janeiro, tivemos de empreender uma viagem de Ilha Solteira até Viçosa. Meu compadre Donato precisava levar o filho, Luis Artur, que havia passado no vestibular para Engenharia de Alimentos, na Universidade Federal de Viçosa. Ia efetuar a devida matrícula. A alegria do planejamento da viagem só não foi maior que a epopéia da tarefa. Eu ia de co-piloto, armado de uma filmadora (que nunca funcionou direito), de um bom mapa, um pequeno gravador e muita, mas muita mesmo, conversa. Tinha momento que não se sabia nem o que se falava e nem o que se ouvia. Todos falavam ao mesmo tempo. A distância a ser percorrida era de 1204 km. Pra não ter pressa sairíamos dois dias antes do início da matrícula que também duravam dois dias. Segundo os planos teríamos que pernoitar no percurso. Isso não decidimos pra não tirar a emoção da aventura. A noite não se viaja. A jornada costuma ser mais importante que o destino . Afinal de contas não estávamos indo buscar parteira e muito menos participar de velório. Viajar a noite é certo que se perde o melhor. A paisagem. E também aumenta o risco de se perder o mais importante. A vida. Na hora que der vontade a gente pára e dorme. A rota: Ilha Solteira, Rio Preto, S. Carlos, Pirassununga, Poços de Caldas, Paraguaçu, Varginha, Três Corações, S. João Del Rey, Barbacena, Ubá e Viçosa.
Tudo bem... Chegou o grande dia. 28 de Janeiro. Domingo. Quase não dormimos à noite. Seis da manhã. E lá vamos nós. A bem da verdade nem me lembro onde almoçamos. Acho que a Comadre Darci tinha feito um guisado. E o abastecimento gastronômico deve ter sido feito em vôo. Não me lembro. Depois de muita conversa. Muita risada. Muita observação. O dia foi passando. Varamos uma boa parte do Sul de Minas. De Poços de Caldas a Varginha. Caímos na Fernão Dias. Fomos até o acesso a Lavras. Saídos da Fernão Dias experimentamos melhor o sistema viário federal. Tinha mais buraco na pista que no acostamento. Velocidade média 35 km por hora. Cinco horas da tarde. Sol ainda alto. Horário de verão. Chegamos a Lavras. Os ânimos estavam bem calmos. De certo já era cansaço. Já tínhamos caminhado 888 km. É aqui que vamos dormir. Procuramos um hotel e encontramos. A descrição dos acontecimentos da porta prá dentro do hotel vai ficar pro final da estória prá poder justificar o título da obra. Manhã seguinte, não muito cedo uma vez que nossa vocação pra galo estava meio em baixa. Resolvemos passar por dentro de S. João Del Rey (eu ainda não conhecia nenhuma cidade histórica). Eu, particularmente fiquei deslumbrado. Andamos rápido pra aqui prá acolá. A Caravanzona teve que fazer umas manobras em marcha ré devido à falta de familiarização com becos. Pé na estrada. Entra-se na Br-040. Caminha-se até Barbacena. Sai da Br-040 (Santa Bárbara do Tugúrio?). Foi ai que alguém teve a feliz idéia de almoçarmos. Construção até que ajeitadinha à beira da estrada. Tem almoço? Sim senhor... Respondeu-me. Como é que é? “Arrois, fejão e macarrão. Di mistura um bife. Si quisé mais paga a diferença”. Então tá disse-lhe. ” Mais tem uma coisa: tem que esperá por que não tem mesa vazia”. E demora? “Ah!... num sei...” Então vamos embora, disse pros companheiros. ”Pera um pouco”, disse ele. E ajeitou uma mesinha meio fora do coberto. Tá bom a gente fica!... Comemos até bem. Com a fome que tínhamos descia até estanho derretido... Quando já tínhamos terminado, chegou um casal com duas crianças e duas marmitas e disse-lhe: Numa o senhor põe arroz e feijão e na outra, meio a meio costelinha de porco frita e lombinho. Aí eu interferi: mas o senhor não disse que tinha tudo isso!!! E ele calmamente respondeu: ” O senhor num preguntô!”. Tudo bem... “Barriga cheia,” vamo que vamo... E manda-se pras bandas de Viçosa. Mais ou menos duas horas da tarde. Tínhamos rompido mais 326 km. E eis que se chega à capital mineira do Agrônomo e do Veterinário. A UFV é referência nacional nesses assuntos. Depois de “chocar-se” várias vezes com costumes dos mineiros achamos a república do povo de Ilha Solteira, que lá tinha chegado alguns anos antes da gente. Matrícula feita resolvemos VOLTAR pelo caminho que um MINEIRO de ISA tinha sugerido pra gente IR. Por Belo Horizonte. Pra encurtar a conversa o menor erro que tivemos foi perder o rumo em uma espécie de marginal, em Belo Horizonte, e se misturar a milhares de caminhões de minério, cargas em geral, e seguramente o dobro de carretas cegonhas com um monte de FIATs no lombo. O MINEIRO tinha dito que era só seguir as placas. Seguimos. Deu no que deu. Só se as placas ajudavam pra IR. E atrapalhavam pra VOLTAR!!! Vale dizer que quase tudo estava registrado em imagem e som, que ao que me parece, nunca vimos. As partes impublicáveis estão numa fita Kassete que uma hora dessas ainda acho. Todas as placas indicavam, S.Paulo. Más nós queríamos pegar pros lados do Triângulo Mineiro!!!. Perdidos que nem cachorro que caiu de mudança. O trânsito uma loucura! Quando assisti: “O Caminho das Índias”, tive saudades... Eis que de repente uma verdadeira formosura de placa anunciava. TRIÂNGULO MINEIRO. Mais à frente mais duas preciosidades: Prá direita: UBERABA e prá esquerda DIVINÓPOLIS. ”Tamos” em casa! Quer dizer, no caminho de casa! Uma vez agora já podendo respirar, almoçamos numa cidadezinha chamada Itauna...Tempos depois o Donato me contou que, ao questionar o MINEIRO sobre a “ajuda” das placas, ele teria vindo com esta verdadeira jóia de informação: “Oceis tinha que te pegado a saída prá Vitória!” “Mais nóis num ia pra Vitória!”, disse atônito, o Donato. “Sim! Mais lá na frente tinha uma praca pra S. Paulo!”. O Donato achou melhor deixar o dito pelo não dito... Pois bem depois de esconder de uma tempestade nos carreadores de um canavial nas proximidades de Franca, passamos por Barretos ao anoitecer. Jantamos à beira da estrada, já em Rio Preto, e dormimos na república utilizada pela Fernanda e pelo Luis Artur. No outro dia bem cedo saímos em direção à Ilha solteira. Tudo correu bem fora uma tempestade de verão que escureceu o mundo e a interrupção da estrada por mais um dos infinitos movimentos de “Sem Terras”.
Bem agora vamos voltar no tempo, para narrar o episódio que justifica o título do nosso “Causo”. Entramos no Hotel (não me lembro o nome) encaminhamos pro balcãozinho da portaria. Deixei por conta do Donato, que afinal era o chefe da comitiva. O Donato foi direto ao assunto: Tem quarto pra três? Sim!... Uma cama de casal e uma de solteiro. E quanto custa? Perguntou o pai do debutante para assuntos Universitários... Com televisão, 17 reais e sem televisão 13, respondeu o estalajadeiro. Sem televisão!, Respondemos os três ao mesmo tempo. Pegamos as malas e subimos atrás daquele senhor que portava um barulhento molho de chaves. Ao abrir a porta nos deparamos com um quarto, até que amplo, más, num local de honra estava uma TV 29 polegadas. Então, o Luis Artur disse: Esse não é o nosso Quarto!!!. Esse tem televisão!!! Pra nossa surpresa ele respondeu: Não! A televisão “nóis tira”. Chamou dois zeladores que limpavam o banheiro, que entraram, pegaram “ a máquina de fazer doido” e sumiram com ela por estreito corredor. Durante o jantar, (por ser domingo estava requentado, com odor e sabor suspeito) não conseguíamos falar noutra coisa.
Pela manhã, acordamos com um infernal barulho de galos, que dominavam um quintal abaixo de nossa janela. E o Donato percebendo que eu estava acordado, lascou esta jóia matinal: SERÁ QUE UM QUARTO SEM BARULHO DE GALOS NÀO SERIA MAIS BARATO? (OLDACK/29/01/010)