"dois amigos e um destino"

Esse causo aconteceu n´um garimpo localizado na cidadezinha de Lagoinhas, Minas Gerais; onde o garimpo corria frouxo; multidão de gente chegando e saindo a todo instante... Confusões, as mais variadas possíveis... a prostituição era evidente naquele lugar com mulheres se vendendo por pouco; uma verdadeira miséria! Conseguiam juntar um pouquinho de dinheiro, uma verdadeira merreca; devido ao grande número de atendimentos que faziam por dia/noite. Mulheres sendo tratadas como caixas de esgoto! A bebida alcoólica, conjuntamente, era muito utilizada; de péssima qualidade; um preço caríssimo. Drogas, roubos, assassinatos e tudo mais, compunham o quadro triste daquele lugar... a pior condição de vida que um ser humano possa ter; reunida em um só local... Uma escore... Vida realmente sacrificada; difícil e que em busca do metal mais caro e precioso do mundo, se fazia qualquer coisa...

A todo instante, barracas de lonas eram erguidas; pessoas chegando com o sonho de ficarem ricos da noite para o dia... Enquanto outras, arriavam... mais um que veio a falecer por morte natural – a malária – ou assassinado por uma ficha de sinuca. A doença mais freqüente lá, além das doenças veneras, era a malária; doença terrível que mata rapidamente o freguês, causando-lhe um amarelão e febre de “pelar macaco”; ali, parecia um formigueiro... gente para todo o lado...

O dia transcorria “normal” e após tão sacrificado trabalho, só existia uma forma de divertimento: bebida e sexo... Lá punha-se um boteco com sinuca, bebida e cigarro, para o consumo dos garimpeiros.

Pois bem...

Os dias se passavam e a cada dia “amizades” iam se consolidando – uma vez que um dependia do outro para sua sobrevivência - e outras se desfazendo entre brigas, invejas e outros bichos domésticos...

Dentre aquela quantidade de gente, com histórias peculiares a cada um, formou-se uma amizade até bonita de se ver. Dois rapazes, trabalhadores, contavam com uns vinte e poucos anos, não enjeitavam serviço algum. Um atendia por nome João Paulo – não se sabe se realmente era esse o seu nome; o outro, por Pauinho. O que mandasse fazer, estavam lá prontos para a conclusão da empreitada... Dessa forma, o patrão – dono do garimpo – notando suas qualidades, observava mais de perto os dois; que sempre juntos, estavam sempre disponíveis para desenvolverem as piores tarefas que lhes forem atribuídas.

Meses se passaram... e a amizade a cada dia consolida ainda mais... Faziam até planos... quando saísse dali, montariam um negócio para os dois e um seria padrinho do filho do outro... era uma coisa bonita de se ver!

O patrão, Seu Vandão; os colocou para trabalharem no guindaste; espécie de elevador que descia o homem até lá em baixo, ele depositava o material numa espécie de tambor e o outro que estava na parte de cima, utilizando um sistema elétrico, acionava o dispositivo que puxava o material para cima. Um cabo de aço bem grosso era utilizado para não haver nenhuma falha no processo.

Os dias... os meses, se passavam e eles rigorosamente cumpriam com suas tarefas diárias sem qualquer tipo de empecilho ou dificuldade para o patrão. Toneladas e mais toneladas de materiais, eram retirados todos os dias para processar e apurar se aparecia a pepita dourada... Sempre alegres e comunicativos, os dois amigos após o término do trabalho, ficavam por ali, n´um botequinho – sempre visitas rápidas – jogavam conversa fora e depois iam os dois para o acampamento descansar para o recomeço no dia seguinte.

Um deles, o João Paulo, mais conversador e atirado, engatou um “namoro” com uma moça que o amigo dava-lhe sempre conselhos que não iria terminar nada bem; pois se tratava de moça de vida fácil. O rapaz, na flor do entusiasmo, com a força toda e querendo ter compahia nas noites escuras; dizia sempre ao amigo que aquilo era passageiro e que só estava curtindo.

A amizade, de certo modo, ficou um pouco estremecida, pois o Paulinho não podia mais contar com o amigo em todos os momentos; principalmente a noite quando estava a retornar para o acampamento. O amigo sempre ficava até mais tarde com sua donzela; de serviços gratuitos e uma verdadeira bomba chiando ao seu lado.

O tempo passava...

Um dia, após uma jornada de trabalho bem arretado – palavra utilizada para dizer forte, sofrido – foram os dois para o botequinho de costume tomar umas duas biritas, jogar um pouco de conversa fora, ouvir as conversas dos outros trabalhadores ocorridos no dia; às vezes uma partidinha de sinuca e depois rumarem para o acampamento. Só que nesse dia; os ânimos estavam exaltados... não se sabe se é por causa da moça ou desgaste mesmo da convivência; sabe-se que desentenderam dentro do boteco e como os dois eram muito amigos, o pessoal que ali estava, achou que se tratasse de uma brincadeira... ouve uma discussão e João Paulo – já com umas duas na cuca – disse palavras ofensivas ao amigo Paulinho.

Em garimpo, sabe-se que vem gente de todo lado; não se conhece a identidade e nem o caráter de ninguém; é pura sorte encontrar alguém paciente ou tolerante...

Após o pessoal notar que realmente se tratava de um desentendimento, a turma do “deixa-disso” entrou em cena e convenceram-os a deixarem para lá aquela discussão.

O dono do boteco Seu Agripino, homem muito rude, ignorante e de confiança do patrão do garimpo; deu logo voz de ordem dizendo que se brigassem lá, estariam cortados de freqüentar o estabelecimento.

Acalmaram-se e ficaram por ali... olhando de soslaio um para o outro...

O João Paulo, tratou de ir procurar sua “moça” enquanto o Paulinho saiu em direção ao acampamento.

Dia seguinte, estavam lá no horário certo; um descia e o outro puxava... trabalharam o dia inteiro nessa batida, só parando para almoçar...

O Paulinho com a cara não muito boa; falava com o amigo somente o necessário e assim mesmo assunto do serviço.

Passados dias; o patrão Seu Vandão; necessitava de explodir mais uma galeria lá em baixo; e como o João Paulo, aquela altura já se tornara homem de sua confiança; fazendo o serviço todo certinho; aprendendo com o Tião Bomba a arte de plantar explosivos nas rochas; para abertura de mais fendas e retirar mais material para lavagem; foi incumbido pelo chefe de realizar o trabalho.

No dia seguinte; pela manhã; João Paulo descia dentro do tambor, levando a carga de explosivos, metros de cordões/pavios, para detonação. Ao chegar lá, ele desceria do elevador e plantaria os explosivos nas rochas, esticando os cordões/pavios até uma distância segura para depois acender a ponta. Próximo passo entraria no tambor que com um sinal, o companheiro de cima puxaria, dando tempo perfeitamente de chegar e ainda tapar a boca do túnel; daí poucos minutos se ouvia a explosão.

Tudo feito com perfeição pelo João Paulo: pôs a carga de explosivos na rocha, puxou o cordão até uma distância segura – a quantidade do pavio era suficiente para sua chegada até lá em cima com folga - riscou fogo na ponta, entrou dentro de elevador e deu sinal ao amigo lá em cima para puxar.

Tudo indo bem...

Paulinho no comando do elevador, lá em cima, deu a partida – tinha uma carretilha onde o cabo de aço percorria – e o operador podia a qualquer momento parar o elevador... e lá vem o então amigo João Paulo, com o sentimento de mais um dever cumprido... como o fazia já algumas vezes; assoviando, tranqüilo... quando sente o elevador parar... achando que seria uma parada rápida – mesmo porque não seria de costume acontecer – ainda assim, no primeiro momento não ficaste startado. Estava na metade do percurso; passados dez segundos e o elevador não dava a partida e sabendo que o cordão não parara e estava queimando; gritou para o amigo: Paulinho! Qui tá acontecendo? Puxa isso logo aí moço; ta ficando doido? Cinco segundo depois Paulinho, com a tranqüilidade e paciência, que lhe era peculiar, responde: Ô João Valentão... ô cê num é muito valente! Então sobe pelo cabo de aço... Lá embaixo, João Paulo desesperado porque sabia que não haveria nenhuma possibilidade de subir – não daria tempo – e que o cordão estava queimando... grita para o amigo: Num faz isso comigo não ôme! Puxa isso logo aí! Pára de brincadeira! Paulinho, sarcástico, põem a boca no poço novamente e dando o adeus de misericórdia diz: Ô valentão! To ino embora... dá notícia ao capeta... e tapando a boca do túnel com a tampa de cimento, sai dali rapidamente...

Instantes depois, ouvi-se a explosão! O Paulinho já com matula pronta para partir, já que havia premeditado vingar do amigo; olhava de longe o estrago...

Um barulho... a tampa de cimento, com a força da explosão, sumiu no ar... o elevador, não se encontrou nem um pedaço e do João Paulo, nem a roupa fora encontrada... naturalmente, fora triturado em pedacinhos...

Do Paulinho, ninguém ficou sabendo para onde foi... não se teve notícias nunca mais...

O João Paulo, não se pôde nem fazer um funeral descente... não havia como!

O capeta... ficou morrendo de raiva de Paulinho, pois nem a alma do João Paulo não deve ter aparecido...