Zé da égua
Um ex-vigilante, pessoa muito divertida, certo dia me relatou
um caso que eu vivo repetindo e rindo do acontecido. Imagino
todas as cenas com riqueza de detalhes e me pego rindo sozinho.
O artista principal deste caso tem uma cara de bobo danada,
mas nunca pegou no pesado e vive de algumas catiras que faz
pelando os seus conterrâneos. Acaba saindo dos outros o sustento
de sua vida quase tranquila. “Mais fino que assobio de macaco”,
como diz meu pai.
Até o dado momento, só viam as pingas que ele, Zé da Égua,
tomava e não davam conta dos tombos que ele caía. Antes de
ser admitido numa empresa, aconteceu um fato com ele que
ninguém tinha coragem de comentar em sua presença. Ele tinha
apanhado uma carroça em uma de suas catiras e não conseguia
se dispor dela de forma alguma. Um dia, estava em um boteco
e começou conversar com um pequeno fazendeiro tratado por
Mourão. Eles já estavam meio altos devido a uns goles de cachaça
que haviam bebido. Então, Zé aproveitou para lhe oferecer a tal
carroça. Tanto falou e colocou qualidade que ela estava quase
virando uma Ferrari. Mourão, depois de um pouco de pechincha,
acabou a comprando para ficar livre do assunto. Zé ficou de
entregar e receber a carroça lá na fazenda do Mourão.
No outro dia, Zé tentou amarrar a carroça atrás de uma
moto, o que não deu certo. Por isso, foi alugar um cavalo para
poder fazer a entrega, mas o tal aluguel ia comer todo o lucro da
catira. Resolveu, então, que ia levar a bicha no braço mesmo. Já
era tarde e ele se atrelou à carroça e saíram os dois pela estrada
afora, Zé e carroça. Todos que passavam por ele achavam a cena
muito estranha. Que parelha pachola!
No começo estava até leve e era apenas uma légua. Zé se sentia
um puro quarto de milha e determinado a cumprir sua tarefa.
Quando chegou na primeira descida forte, a carroça começou
a disparar, a traseira encostou-se ao chão, a dianteira levantou-se.
Zé ficou dependurado pelo varal da carroça e aquela coisa
disparou pela descida abaixo. Ora ele conseguia tocar os pés no
chão, ora ela o levantava lá nas alturas e ele não largava do varal
para não ser atropelado pela carroça. De repente a carroça pegou
uma velocidade tal que até parecia a Ferrari da sua informação,
de fato, ele não tinha mentido. Em um minuto de descuido, a
carroça passou por cima dele e só foi parar no fim da descida
numa barulheira medonha.
Ele, felizmente, tomou somente uns arranhões. A verdadeira
preocupação era a carroça não sofrer nenhum dano, pois poderia
pôr fim na catira já amarrada no boteco no dia anterior. Levantou,
sacudiu a poeira, deu a volta por cima e saiu correndo atrás
dela. Por sorte, estava tudo em ordem com a danada da carroça.
Ela tinha estragado ainda menos do que o Zé e, ainda bem que
não havia ninguém na estrada observando aquele fato inusitado.
Fez o nome do pai e recomeçou sua jornada que agora era
subida, e essa apertava mesmo bem no topo do morro. Como
estava determinado a ficar livre dela, apesar da raiva que sentia do
acontecido, foi levando a bichinha morro acima. Quando a subida
começou a ficar mais forte, ela deu de querer voltar. À medida que
Zé foi bambeando, o risco de ela puxá-lo para trás foi aumentando.
Quando menos esperava, tropeçou e a carroça começou a puxá-lo
de volta. Mais rápido que imediatamente, ele a jogou em direção
ao barranco para não perder o trajeto que já havia feito. Quando
ela bateu no barranco na beira da estrada, o varal levantou Zé e o
arremessou no meio do pasto. Até então, ele não sabia que podia
voar tão alto. Inacreditavelmente, ele passou por cima da cerca de
arame farpado, caiu no meio de um capim bem alto e, por alguns
instantes, ficou sumido no meio do capinzal.
Você acha que foi o fim do Zé? Está enganado! De repente,
ele levantou numa coceira e cheio de formiga para todo lado, teve
que tirar a roupa rápido para acudir as partes onde não bate sol.
Depois de xingar bastante, vestiu a roupa e passou a mão num
porrete disposto a acertar as contas. Em seguida, foi para o lado
da carroça mostrar com quantos paus se faz uma carroça. Mesmo
no calor do momento, ainda conseguiu acalmar-se e pensou em
dar uma munta naquele papo de teima ali naquele lugar mesmo.
Depois se lembrou do prejuízo que ia ter se desse umas pauladas
nela e, além de tudo, não faltava muito para chegar ao seu destino.
O duro seria se alguém tivesse visto aquela cena, que, de fato,
nem precisou ser vista, pois quando voltou da aventura, acabou
contando para o único sujeito que não deveria.
Pegou no varal e recomeçou a subir lentamente, mas com
cuidado. Depois que chegou ao topo do morro, com muito custo
avistou a fazenda lá embaixo, mas o sol já tinha se escondido há
muito tempo e faltava mais um 1 km até a fazenda. A descida
era mais suave e, para não ter outra surpresa desagradável, foi
lentamente, pois até ali a carroça ainda estava inteira.
De repente, começou a ficar escuro e a lua ainda não tinha
aparecido, uma chuvinha fina começou a cair e a estradinha molhada
ficou escorregadia como quiabo. E agora? O que fazer?
Descer segurando não dava. Passou para o lado de trás e foi
freando a carroça para não pegar embalo, se bobeasse, passava
por cima da casa do tal Mourão.
Parou um pouco para descansar e teve uma ideia: Pegou um
tronco de árvore todo retorcido na beira da estrada, amarrou na
traseira da carroça e saiu arando estradinha abaixo até a entrada
da fazenda. Como havia muito esterco de vaca molhado perto
da porteira, a carroça começou a escorregar e bateu com força
na porteira. Com o barulho, vieram vários cachorros para recepcioná-lo.
Teve que entrar na carroça desesperadamente e pegar
um pau para deter aquela cachorrada. Espanta um daqui, vem
outro dali, cada vez os bichos ficavam mais bravos. Gritou pelo
Mourão o mais alto que pôde. Quando já estava entregando os
pontos, o tal Mourão veio socorrê-lo.
De lá veio o Mourão gritando com o cachorro maior e mais
bravo: — Sai, Saddam, é amigo. — Custou a tocar a cachorrada.
Zé estava mais branco que peido de porco, a ponto de desmaiar.
Depois que recuperou o fôlego e passou o susto, Mourão perguntou
o que ele estava fazendo ali àquela hora. Zé então lhe contou que
estava trazendo a carroça que ele havia comprado. Seu Mourão
deu uma volta em torno da carroça que estava muito enlameada e
disse: — Você deve tá é ficando doido, eu não me lembro de ter
comprado nada seu, muito menos carroça. E não sei se vou ficar
com o que sobrou desse seu arado carrocil.
Zé foi ao céu e voltou, não acreditava no que estava acontecendo.
Ficou ali parado sem saber o que fazer, pois o fazendeiro
não era dos mais mansos e ainda tinha como aliado o tal Saddam.
Mourão falou para Zé apear e entrar para tomar um pouco de
água, dizendo que não se lembrava de ter comprado a carroça dele.
Então, Zé da Égua lhe refrescou a memória explicando onde foi
que conversaram e quem era a testemunha da catira. Seu Mourão,
para não desonrar a palavra, concordou em ficar com a carroça.
Mas disse que pela manhã ia olhar direitinho para ver se estava tudo
conforme a informação, pois a noite estava escura e não dava para
ver nada. Disse que no primeiro dia que fosse ao arraial de Pimenta
lhe procuraria para acertar a dívida, desde que a testemunha lhe
afirmasse que realmente havia comprado a carroça dele.
Só restou ao Zé da égua pegar o caminho de casa debaixo de
uma chuva fina. Pelo menos ficara livre da maldita carroça, ou
assim pensava.
Pode acreditar que é fato acontecido, há várias testemunhas
que sabem desse causo cômico ocorrido no arraial de Pimenta.
Só não sei se o compadre Mourão pagou a tal carroça para Zé.
Não é só burro que puxa carroça, dependendo da miséria alguns
passam por esse papelão.
Mesmo depois que entrou para a empresa, ainda fazia umas
catiras danadas de interessantes. Nunca levava prejuízo segundo
ele. Quando dois catireiros “velhacos” fazem um bom negócio,
o governo, o vizinho, ou quem está assistindo sai perdendo.
Kennedy Pimenta