A GOLPISTA
Num ‘shopping centre’ duas colegas de uma loja de lingerie conversam:
- 'Joana, hoje você vai almoçar comigo, e vamos passar a tarde juntas. Pode ser?!'
- 'Desculpe dona Vânia, mas não vou poder. Meu marido está-me esperando para almoçarmos.'
- 'Por favor Joana - preciso conversar com você. Querida, é muito importante!'
- 'Está bem dona Vânia. Vou ligar para o meu marido, e depois vamos.'
Joana estranha a maneira como fala a sua colega de trabalho. Mas enfim conversou com o seu marido, e ficaram de ir se falando.
Foram de ônibus conversando amenidades. Joana estranha a simpatia, pois elas nunca se deram tão bem assim, para ser a confidente de Vânia.
- 'Olha Joana, sei que você deve estar estranhando esta minha mudança repentina. Preciso de alguém para conversar. Senão vou acabar explodindo.'
- 'Tudo bem dona Vânia. A senhora pode confiar em mim.'
- 'Precisamente o que gosto de você. Por isso pensei que só poderia falar contigo.'
Chegaram finalmente ao bairro onde morava Vânia. Desceram. Caminharam em silêncio. Ao chegarem perto do prédio onde morava Vânia muda de direção. Para em frente de uma bela mansão.
- 'Dona Vânia, a senhora não mora naquele prédio ao lado?'
- 'Aquele prédio serve de disfarce Joana. Vamos entrando que lhe explico tudo.'
Vânia levanta uma tampa na parede da entrada. Digita alguns números num painel. O último número, o nove, digita com mais força.
Joana estranha tudo isso. Enfim, já que está ali vamos em frente. Pensa ela.
Entraram, e o que Joana vê a deixa aturdida. Era uma sala enorme com poucos móveis, mas de grande requinte. Uma estante pegava toda a parede. Alguns livros espalhados e no meio, uma televisão de última geração. Mais parecia uma tela de cinema.
Do lado da sala havia um corredor pequeno que levava à cozinha. Muito espaçosa e com bastante luminosidade. Um grande balcão no meio e um fogão de inox. Realmente, essa mulher tem bom gosto.
Pensou Joana.
- 'Então Joana o que acha de minha casa? Pergunta Vânia.'
- 'É dona Vânia. A senhora tem bom gosto! A casa é sua mesmo? Sempre pensei que morava do outro lado da rua.’
- 'Lá também é a minha casa. Serve de refúgio quando as coisas não vão bem.’
- 'Mas do quê a senhora está falando? Eu não quero confusão. Melhor eu ir andando. Meu marido deve estar preocupado.'
- 'Ora Joana deixe disso. Acalme-se. Vou trocar de roupa. Vamos até meu quarto.'
Quando Vânia abre a porta, Joana nem acredita no que vê. Um quarto todo decorado com quadros antigos, e com certeza muito valiosos. Numa parede estava a princesa Isabel, logo mais adiante um Picasso. E para seu espanto havia um D. Pedro II.
No canto, uma poltrona – mais parecia um trono. A cama tinha um arco, certamente seria ouro. Tudo muito luxuoso. Deixa Joana ainda mais curiosa. Fica pensando como é que essa mulher tinha tantos objetos de arte. No chão um lindo tapete. Deveria ser persa.
- 'Joana minha querida, não se assuste. É o que me resta para minha aposentadoria. Muita coisa já foi vendida para grandes colecionadores e antiquários. Nada disso importa agora. O importante é ter alguns bens para uma velhice condigna à minha altura!’
- 'E que «altura» é essa dona Vânia? Pois, a senhora sempre me pareceu esconder algo. Isto vai além do que podia imaginar.'
- 'Eu vou-te contar Joana. Sei que você guardará segredo de tudo que viu aqui, e ainda vai ouvir. Mas primeiro vamos comer alguma coisa que estou faminta.'
As duas vão até a cozinha e Vânia faz um delicioso lanche para as duas. Depois de comerem sentam-se na sala para finalmente conversarem.
- 'Estou ouvindo dona Vânia.'
- 'Pode-me chamar só de Vânia. Por favor Joana. Você vai saber de meus segredos, portanto nada de dona, nem senhora.'
- 'Está bem, Vânia! Vamos lá então conte-me o que se passa. Por que tanto mistério?'
- 'Tudo começou quando eu era jovem ainda. Fui uma moça bonita, muitos homens a meus pés. Enfim tive uma grande escola na vida. O meu falecido marido foi meu professor na arte de enganar as pessoas, e dar golpes.'
Joana fica pálida na hora. Até se engasgou com o chá que ainda tomava. Nem acreditava no que ouvia.
- 'Fique calma Joana. Ainda tenho muito para contar. Não vá desmaiar.'
E Vânia ria. Achando graça do jeito que a amiga ficou.
Quando ia começar a falar toca seu celular.
- 'Sim, sou eu Vânia. Mas o que houve com meu filho? Ele está bem? Está muito machucado?'
- 'Vou imediatamente.' E Vânia desliga o telefone.
- 'O que aconteceu com seu filho, Vânia?'
- 'Ele sofreu um acidente. Está sendo levado para o hospital Santa Maria. Meu Deus, isso só pode ser castigo. Estou pagando pelos meus atos.'
- 'Não diga isso Vânia. Vai ver não foi nada de grave. Vamos que vou com você até o hospital.'
- 'Por favor Joana fique aqui até que eu volte. Ainda preciso-te contar o resto da história. Pode ser? Se quiser liga para seu marido. Ali no corredor há um telefone pode usar.'
- 'Está bem Vânia, eu fico. Vou-lhe telefonar. Assim ele fica mais descansado.'
Vânia pega na sua bolsa e sai deixando Joana sozinha. Ela então resolve ligar para o Jorge e contar o que se passou. Mas o marido não atende. Deve estar ocupado… Pensa Joana.
Ela caminha até à porta para trancá-la. Resolve dar uma olhada lá fora no jardim da casa. Quando se volta para entrar vê aproximando-se um casal, ambos, muito pálidos. Na hora pensa que são «fantasmas». Fica com as pernas bambas de susto.
- 'Quem são vocês? O que fazem aqui?’
Eles não respondem. Joana assustada com a palidez do casal vai caminhando para a porta.
- 'Se fosse a senhora não entrava mais nessa casa.’ Diz uma voz vinda de trás. Quando se volta Joana vê uma moça ainda jovem. Mais ou menos da mesma idade.'
- 'Quem é você? O que faz aqui?’ Pergunta Joana.
- 'Meu nome é Paula! Vim aqui pegar o que é meu.'
- 'Pegar o que é seu? Não entendo, o que está acontecendo aqui?'
- 'Aquele casal (apontando) foi roubado por essa mulher, uma bandida, não vale nada. Se faz de santa, de humanitária e não passa de uma golpista. Entra na casa das pessoas, faz-se de prestativa, até de enfermeira. Depois rouba o que pode.'
- 'Mas agora chega, ela não vai enganar mais ninguém! Hoje vamos desmascarar essa sem-vergonha!'
Joana fica passada com o que escuta. Ainda não se deu conta que há mais pessoas em volta da casa de Vânia. O casal entra na casa. De seguida entra Paula. Em pouco tempo a casa é invadida por várias pessoas.
Joana fica apavorada, nem sabe o que fazer. Pensa em chamar a polícia. Paula diz-lhe que entraram para pegarem somente o que lhes pertence.
Será que a Vânia era realmente uma ladra, golpista? Porquê? A vida não é fácil, mas daí a dar golpes, roubar? Isso tudo estava deixando Joana muito mal. Resolve então ligar ao marido:
- 'Meu bem, você nem imagina o que se passou aqui. Diz Joana ao marido.'
Rapidamente conta o sucedido. Do outro lado diz o marido à esposa para esta sair dali o mais rápido possível. Pois, a polícia certamente iria aparecer logo que Vânia regressasse à casa.
Depois de desligar Joana vai falar com a Paula:
- 'Por favor o que essas pessoas estão fazendo? Não podem simplesmente entrar aqui e saquear a casa. Isso vai-me dar problemas.'
- 'Não se preocupe Joana, ela nem se atreverá a chamar a polícia! Pois tudo aqui é produto de furto e dos golpes que essa mulher fez. Nós só estamos pegando o que é nosso por direito.'
- 'Mas… vocês poderiam ir dar queixa à polícia.'
- 'Já fizemos isso!’ Ri Paula. ‘Todos nós aqui. Apresentamos queixa. Sabe o que aconteceu? Nada! Tem gente lá dentro que encobre tudo o que ela faz.'
- ‘Assim não pode ser. A justiça não é impune.’ Diz Joana.
- 'Neste caso é!’ Diz um senhor que se aproxima ao ouvir a conversa. Ele se apresenta.
- 'Desculpe interromper… Meu nome é Frederico, muito prazer.'
- 'Frederico precisa ir logo com isso antes que a megera volte.
Diz Paula e dirigindo-se à Joana:
- ‘Mas…afinal o que aconteceu que ela saiu correndo? Nem trancou a casa, e deixou você aqui plantada?’
- 'O filho sofreu um acidente. Pelo menos é o que disse. Saiu daqui bem nervosa. Ainda nem telefonou. Não sei o que dizer quando ela ligar.'
- 'Não diga nada Joana. Ela vai perceber quando chegar em casa. E garanto a você que nem vai dar queixa à polícia. Ela nem é doida de fazer isso!'
- 'Isso não justifica esta invasão!' - Diz Joana.
- 'Paula venha até aqui ver uma coisa. Vou-lhe mostrar algo que vai fazer você mudar de ideia.'
Elas caminham até à porta.
Aí então, Paula aperta o número oito no botão do painel, do lado exterior da porta. Ao entrar na sala, esta e as outras divisões da casa transformam-se numa enorme caixa vazia. Automaticamente vão surgindo uma parede falsa dentro da sala. Outra na cozinha – fechando tudo como se não houvesse mais nada na casa. Tudo tão perfeito que deixa Joana de boca aberta de espanto. Paula entra com ela e vai dizendo:
- 'Está vendo Joana?! Vânia disfarça bem a casa. Eu já desconfiava disso. Quando ela chegava e apertava o número oito. Percebi num dia quando cheguei bem perto para falarmos…
…Consegui ver o número. Gravei na memória. Entramos e vi isso que você está vendo. Uma sala vazia somente com este sofá velho. Acolá uma mesa ao canto com duas cadeiras...
…Está vendo esse assoalho antigo… nessa cozinha maltratada até pensei que ela passava fome. Essa geladeira antiga é do tempo dos pais dela. Enfim, um belo disfarce quando alguém viesse cobrar-lhe o que tinha desviado…
…E ainda tem mais, as pessoas ficam com pena. Um dia esteve aqui um senhor das finanças, ela conseguiu engendrá-lo de tal maneira que o homem ainda lhe deu algum dinheiro. Saiu daqui em lágrimas com o que ouviu.'
Joana vai ficando estupefata com tudo o que ouvia. Caminhou até à porta, saindo sem olhar para trás.
Seu estado de choque era tanto, que em sua cabeça tudo se passava como um filme. Recordava-se da lamúria da Vânia que ia ouvindo todo dia …não tinha dinheiro para isto ou para aquilo, nem para pagar o ônibus. Ou então que seu filho… o coitado estava desempregado…
Pobrezinho pensava Joana. Aquele filho, se é que era filho, também deveria ser como ela. Afinal estudou na mesma escola. O pai havia falecido alguns anos. Portanto era ela que organizava tudo. Joana estava já na esquina quando cruzou com Vânia. As duas quase se esbarraram.
- 'Ué… então Joana, deixou minha casa sem nem mesmo se despedir? Não esperou? Aconteceu alguma coisa? Está pálida!'
Joana nem conseguia responder. Olhou em direção à casa. Vânia acompanha seu olhar. Quando percebe o que se passa disse:
- 'Não devia ter deixado ninguém entrar em minha casa. Mas eu também nem lhe expliquei nada. Uma falha minha!'
- 'Olha Joana, esqueça o que viu e ouviu. Aquelas pessoas vão-me pagar caro pelo que estão fazendo. Vou chamar a polícia.'
Joana alerta:
- ‘Se fosse você não faria isso. Eles estão dispostos a tudo. Você os enganou, roubou, mentiu, e agora quer chamar a polícia?...
…Sinceramente Vânia, como pôde fazer isso a essas pessoas que lhe acolheram em seus lares. Pessoas simples, sem grandes posses. Era mais fácil, não é? Enfim…
...Eles passam dificuldades, mas muitos nem sabem o valor do que tem em casa. Você foi mais esperta, astuta, entrou em suas casas e você Vânia levou o que lhes era de mais-valia.'
- 'São uns ingratos. Depois de tudo que fiz por eles. Cuidei, dei-lhes banho, comida na boca, troquei fralda dos mais velhos… E você vem dar-me lição de moral?...
…Não sou hipócrita, apenas peguei o que era meu por «direito». Muitos nem sabem o valor do que levei.’
Contra-argumenta Vânia.
- 'O desconhecimento deles não é razão para sua extorsão. Gente como você tem que estar na cadeia, Vânia!'
Joana vira-lhe as costas e afasta-se. Sua consciência estava tranquila. Ao fundo ouve a sirene de uma viatura da polícia. Já na esquina Joana olha para trás. Vê muita gente na porta da casa. Alguns policiais entram na casa. Pelo jeito não há mais ninguém lá dentro. Joana respira aliviada. Paula e os outros devem ter ouvido a sirene e saído a tempo da chegada de todos.
Vânia está na porta conversando com eles. Alguns minutos depois Joana vê Vânia sendo algemada. Colocam-na dentro da viatura. Com a sirene da polícia ligada passam por Joana que vê Vânia de olhar assustado.
- 'Olá menina bonita. Está perdida.'
Diz uma voz atrás de Joana.
- 'Olá meu bem. Nem imagina a tarde que tive hoje, meu amor.'
- 'Vamos embora que estou faminto.' Diz Jorge.
- 'Vamos sim meu bem. Em casa conto-lhe tudo o que aconteceu.'
- 'Depois meu bem. Agora dê-me um beijo que estou com saudades suas.'
Joana deixa-se beijar pelo marido. E juntos caminham de mãos dadas alheio a tudo o mais que os rodeia.
FIM
Autoria de Silvya Regyn@ Gallanni.
Domingo, 22/04/2012