A menina Janice e seu marido Marcio.

Janice era uma mulher bonita, por onde passava deixava os marmanjos a babarem com suas belas curvas, sempre andava muito bem vestida, roupas de grife, bolsas de mão de cinco mil réis, brincos de pedras preciosas, chapéus vindos especialmente de Paris, tinha vinte e sete anos e era casada com o Sr. Márcio, que a desposara quando ela ainda era uma adolescente e estudava em um colégio de Freiras próximo ao centro da cidade. Nesse colégio Janice aprendera a costurar, a cozinhar, estudara gramática e retórica, e teve algumas aulas de matemática, era um colégio para moças e lá se aprendia a ser boas donas de casa, boas esposas, apesar das disciplinas um tanto quanto liberais. Quando não estava no colégio Janice ficava em casa com os pais, saia muito pouco, pois sua família era de uma austera rigidez. Muito religiosos mantinham-se “puros” e longe do pecado, o Pai sempre estava a dar lições de moral baseadas na bíblia, dizia que o homem nasceu com inclinação para o mal, por isso devemos estar em constante oração para não cairmos em tentação, - A carne é Fraca – dizia ele – e se sucumbimos a nossos impulsos, seremos tragados pelo fogo do inferno e nossa alma perderá o brilho com o qual o Senhor poderia nos encontrar em meio às trevas que cobrem este mundo, e estaríamos perdidos por toda a eternidade.

Esses sermões eram dados à hora do jantar quando estavam todas as filhas reunidas, as meninas sabiam do que ele estava falando, a mais nova entre elas tinha quinze anos e se chamava Larissa, as outras duas eram Janice e Sara que tinham sucessivamente dezesseis e dezenove anos, sabiam que ele estava falando das tentações da carne, do sexo que a todo custo deveria ser reprimido, Janice escutava atônita o sermões do pai relacionados ao pecado da carne, mais não os levava muito a sério, não que ela tivesse a coragem de se entregar para algum rapaz somente por prazer, mas é que ela entendia que o sexo era uma coisa natural no homem e na mulher e por mais que seu pai dissesse que era um mau, um pecado, ela não acreditava; ela sabia que para a religião o sexo não era pecado se por acaso o homem e a mulher se casassem com a benção de Deus e começassem a fazer amor para procriar. Janice conhecia bem a bíblia, posto que passara muito tempo estudando-a no colégio, e para ela muito daquilo tudo era difícil de acreditar, pelo conhecimento de mundo que ela tinha, mas também sabia que muita coisa que estava escrito no livro sagrado era certo como só a verdade pode ser, eram exemplos de vida que de certa forma nos mostravam o caminho para uma realidade superior. Janice sabia como as coisas se passavam no mundo, sabia de todo o mal que ocorria em sua cidade, lia os jornais da época e entendia que de certa forma aquelas pessoas que cometiam aqueles crimes bárbaros não seguiam o mandamento do senhor que é amar ao próximo como a si mesmo e a Deus acima de todas as coisas, e entendia quando seu pai insistia nos sermões, pois era a única arma que tinha para livrar suas filhas dos perigos do mundo, de enveredar por caminhos que só trariam sofrimento e dor para eles.

Na hora de dormir, ficavam Janice e Larissa em um quarto e sara dormia só no quarto para visitas. De noite Janice entrava em contato com ela mesma e soltava tudo o que estava reprimido dentro dela, mas com cautela, pois sua irmã não podia escutar. Ela havia descoberto há algum tempo os caminhos que levam ao prazer em seu próprio corpo, e a noite, no escuro, ficava a imaginar as mais diversas fantasias, enquanto massageava seu clitóris com a mão, sabia que o que estava fazendo era errado segundo as leis de Deus, mas ela não agüentava passar sem aquilo, e fazia sempre que possível. Depois ficava a sentir-se impura, como se fosse a mais vil das pecadoras e mal conseguia olhar para seus pais no outro dia, e ficava esperando a hora de se confessar com o padre Anselmo para aliviar a carga de pecados de seus ombros, depois que se confessava e ouvia os conselhos do padre e tomava sua penitencia, saia do confessionário radiante, ia até o assento de frente ao altar e pagava sua penitencia que consistia em rezar alguns Padres Nossos e algumas Ave Marias, assim ela ia vivendo.

Vamos falar agora um pouco do Marido de Janice, o Sr. Márcio, que desde muito tempo, era um grande proprietário de terras, morava para as bandas da chapada do Araripe, era muito rico, tinha plantações de cana de açúcar e produzia de cachaça a álcool puro, sendo o maior exportador da região dessa cultura, também tinha prédios na capital alugados a instituições do governo, era bem relacionado com o alto escalão da política do Ceará. O governador quando ia ao Cariri, hospedava-se em sua casa, e lá os dois tomavam cachaça envelhecida e conversavam sobre vários assuntos, como política, mortes, comercio. Depois baixavam o nível e começavam a fofocar, a falar das mulheres dos outros, quem tinha levado chifre, quem tava falindo, que a filha de fulano de tal tava dando por ai e outras coisas. Foi em uma dessas conversas que o governador que se chamava Olegário perguntou meio que levado pelo vapor da cana, por que seu Márcio ainda não havia se casado, pois com seus quarenta anos e sem filhos a vida podia ficar muito solitária na velhice. Seu Marcio respondeu que não tinha tempo para mulher e filhos, que era muito atarefado com todas as suas responsabilidades e que nenhuma mulher iria agüentá-lo por muito tempo, pois era muito temperamental, tanto que nem os peões o suportavam. Seu Márcio sempre fora muito crítico de si mesmo, para ele seu nascimento tinha saído errado, pois muitas vezes se acreditava doido.

O governador Olegário decidiu fazer uma proposta, que ajudaria seu amigo a sair da condição de solteiro e constituir família entrando no hall dos homens casados, que era bem mais conceituado na sociedade, pois transmitia a idéia de integridade moral. Esse casamento também serviria para tirar a imagem de degenerado de Seu Marcio, pois um homem solteiro com moças virgens dentro de casa sempre atraia os olhares da sociedade, e dentro da casa de seu Márcio trabalhavam as filhas dos peões, três ou quatro bonitinhas que ele mesmo escolhia nas famílias que moravam em sua propriedade, eram meninas entre doze e catorze anos, todas novinhas. Seus pais, homens e mulheres que trabalhavam para o seu Márcio não objetavam em nada de verem suas filhas serem levadas tão novas para trabalhar na casa de um homem solteiro e que morava sozinho naquela enorme casa, não objetavam porque eram muito submissos, suas condições financeiras não permitiam que tivessem maiores esplendores de honra e dignidade, pois trabalhavam ali como que para fugir da mendicância, da miséria total. Seu Márcio tinha essa triste fama de abusar dessas moçinhas, mas na realidade nunca desvirginou nenhuma, ele usava de outros métodos com elas para que continuassem intactas para um posterior casamento, ele tinha essa preocupação de não arruinar a honra das meninas, esse era um tipo de acordo silencioso entre os pais das moças e ele, os pais cediam suas filhas, mas com a garantia que voltariam virgens.

Então o governador Olegário querendo ver o amigo casado e pensando na situação em que se encontrava a família de uma moça muito nobre e bela de fortaleza a qual ele tinha laços estreitíssimos, disse:

“Márcio, estamos aqui bebendo essa cachaça e fazemos isso há um bom tempo, mas me perdoe à indiscrição, acho que você está precisando de uma mulher para constituir família, já tem quarenta anos e não fica bem um homem rico, solteiro morando dentro dessa casa sem nenhuma companhia a não ser dessas meninas, que admito são muito bonitinhas e jeitosinhas e que devem lhe satisfazer as necessidades... (nessa hora o governador deu um pequeno sorriso)... más que de certa forma não faz muito bem para sua imagem nem aqui no cariri e nem em fortaleza, pois é de conhecimento publico essa sua predisposição por essas meninas que mal trocaram as fraldas.”

Márcio: “Por acaso passou por sua cabeça que eu me importo ou vou me importar algum dia com o que esse povo tem ou não tem para falar de mim? Você acha que daqui de onde estou eu escuto as fofocas que rolam contra mim aqui no Cariri ou até mesmo em fortaleza? Sei que tanto aqui como lá a maioria de vocês comem na minha mão, até mesmo você Olegário, não querendo jogar nada na sua cara, mas não posso deixar de dizer ante essa afronta que grande parte do seu eleitorado foi conquistado graças a mim, que patrocinei suas campanhas por esse Ceará todo.”.

Olegário: “Calma Márcio, não estou aqui lhe julgando ou fazendo afronta nenhuma, minha intenção não foi essa, me perdoe se me expressei mal. O que estava querendo dizer é que em fortaleza tem uma moça chamada Janice que está pronta para casar, e que seus pais estão procurando pretendente, não lhe estou impondo nada e nem poderia, mas é que essa moça é uma beldade.”

Olegário tirou uma foto do bolso que trazia já com a intenção de mostrar ao amigo latifundiário.

Olegário: “Está é Janice, julgue por si próprio se eu estou falando a verdade ou não.”

Márcio pegou a foto e a examinou demoradamente e pensou de si para si: “- Mas que menina linda, parece uma princesa, realmente Olegário tem razão, acho que preciso me casar o mais urgente possível, e essa beldade casada comigo me faria muito feliz, pelo menos eu acho que me faria bem.” Depois pensou consigo mesmo. “Sua casa deve estar cheia de pretendentes e todos muito jovens, filhos de autoridades locais, todos querendo desposá-la, ela não ia querer um velho interiorano como eu.”

Márcio: “Ela é muito bonita mesmo, você tinha razão.”

Márcio tomou mais uma dose de cachaça, mordeu um pedaço de caju do prato para tirar o gosto e ficou esperando o que Olegário ia falar.

Olegário: “Eu não disse que era uma beldade? Garanto-lhe que só não me ofereci como pretendente por que sou casado e muito bem casado, mas você Márcio ainda é solteiro e pode-se dizer que ainda é novo, um homem maduro. Tenho um segredo para lhe contar, Janice está sem dote, os negócios de sua família foram à bancarrota, estão duros e eles querem casá-la com um homem de posses, eu pensei logo em você. Mas não se engane, eles são gente honestíssima, todos em sua casa são de uma extrema nobreza de espírito, suas raízes familiares são todas européias, acredito que de Portugal e da Polônia. E ai? O que é que você acha de casar com uma polaca abrasileirada?”

Márcio começou a se animar com a idéia, e perguntou a Olegário como faria para entrar em contato com essa família e acertar as coisas. Olegário disse que não se preocupasse, pois ele tinha boas relações com essa família e providenciaria tudo.

Cap. 2

Janice se apaixonou no mesmo ano em que concluiu seus estudos no pensionato das irmãs carmelitas, não era mais uma criança, sabia que era bonita e que era muito cobiçada pelos homens, vez ou outra sentiu-se cobiçada até por algumas mulheres, isso a deixava um pouco envaidecida, sabia que logo arrumariam um marido para ela. Havia muitos pretendentes, e tinha um em particular o qual ela se afeiçoara muito, era um jovem de vinte e cinco anos, o nome dele era Marcos e que também era muito bonito e se formara em engenharia na marinha do Brasil, era o pretendente preferido de Janice, ele sempre estava visitando a casa dos pais dela para conversar com eles sobre os mais variados assuntos, ele era muito bom de bico, tentava conquistar o pais da garota para se aproximar dela, parece que realmente gostava de Janice, pois sabia das condições financeiras da família de sua amada, sabia que não haveria dote, mas mesmo assim ele a queria como se sua vida dependesse disso, e os dois mesmo sem nunca terem se tocado ou conversado já se amavam ao ponto de sofrerem a falta um do outro.

Janice não agüentando mais de amor, disse á seu pai com quem ela queria se casar, e que estava muito apaixonada, ela disse que queria Marcos.

O pai de Janice disse: “Minha filha nós já arranjamos um marido para você, ele se chama Márcio e nós, eu e sua mãe decidimos que o melhor para você é se casar com ele.”

Janice: “Mas paizinho, eu não quero casar com esse homem, eu já sei a quem amo e com quem quero passar o resto de minha vida, Marcos foi o único que cativou meu coração e não pode ser ninguém além dele a se casar comigo.”

O Pai: “Não há o que se discutir, você sabe muito bem que não tem dote, e que não podemos casá-la com qualquer pessoa, estamos endividados e ameaçam tomar nossa casa, você quer ver sua mãe e suas irmãs sem ter onde morar, você não imagina que tipo de vida nos espera se você não se casar com esse homem.”

O pai de Janice pode até ter parecido um tanto quanto egoísta, mas ele estava falando da iminente realidade que lhes esperavam se Janice não se casasse com o pretendente que eles haviam escolhido. Então o pai de Janice começou a chorar; mais foi um choro dorido de um homem que acaba de se ver impotente as circunstancias do destino, um choro de vergonha, de honra ferida, de ter que entregar sua filha a um homem que talvez nem a respeite como deve respeitar uma mulher, mas que entre ter que sacrificar uma de suas filhas queridas, a ver todas na miséria, ele prefere entregar essa que já está na idade de casar.

Janice vendo o pesar de seu pai sentiu-se responsável pelo destino de sua família, e que agora a questão de seu casamento não estaria mais atrelada a questões como amor, paixão ou afeição, mas sim estaria vinculada a questões financeiras e de necessidade, pois sua família dependia de seu casamento para não caírem todos na mais completa miséria.

Algumas semanas antes o Governador Olegário visitou a casa dos pais de Janice. Acho oportuno nesse momento dizer o nome dos pais de Janice para que a estória fique mais clara. O pai se chamava Henrique e a mãe se chamava Doralice, os dois se casaram há trinta anos. O Sr. Henrique era um jovem e promissor comerciante de tecidos, seu pai era dono de umas das maiores tecelagens de fortaleza, Henrique tinha vinte e dois anos quando seu pai disse que tinha arrumado uma esposa para ele, a família de Henrique tinha suas raízes em Portugal, e encontraram uma linda descendente de polacos com um bom dote e que estava pronta para desposar, e assim realizou-se o casamento, sem que as duas partes que iriam contrair matrimonio pudessem opinar se queriam ou não essa união. Casaram-se e foram para a lua de mel praticamente dois estranhos, foram para o Rio de Janeiro, e lá se conheceram melhor e acabaram gostando um do outro, assim quase que por acaso. E Hoje eles receberam a visita do governador em sua própria casa, ele chegou dizendo que arrumou o marido ideal para a filha deles.

Olegário: “Henrique estou aqui para intermediar o pedido de casamento do meu amigo Márcio, que é um homem de bem, e que posso dizer como governador do Ceará que ele tem muita influencia em toda essa região nordeste do Brasil, é um homem rico, proprietário de terras a se perder de vista, com empresas firmadas tanto em Fortaleza como em Recife, é um ótimo pretendente para sua filha, e para ser mais exato e sincero com vocês, é de meu conhecimento que vocês andam com dividas exorbitantes com o banco por causa de um negócio mal feito, e que ameaçam tomar tudo o que vocês têm se vocês não fizerem alguma coisa a respeito.”

Henrique: “O que é Olegário, queres que vendamos nossa filha para escapar da penúria? Pensas que estás falando com que tipo de gente? Ainda temos honra e vergonha em nossa cara. Acho que você não devia ter vindo aqui fazer tal proposta e nos ofender como se você não conhecesse a nossa família há tanto tempo.”

Olegário: “De forma alguma eu quis ofendê-los meus queridos amigos, tenho vocês como quase da minha família pelo tempo que nos conhecemos e fiz essa proposta porque não é vergonha nenhuma casar a filha com um homem rico, isso pelo menos vai garantir uma vida mais confortável para Janice e seus filhos, e vocês estarão sempre juntos, ela não vai se casar com nenhum estrangeiro, e ao mesmo tempo em que você casa Janice com um homem bom e de posses, vocês ainda garantem o pagamento da divida, dando possibilidade de você se reerguer e voltar aos negócios. E lembre-se, você ainda têm mais duas filhas para casar, e para arrumar bons casamentos você terá que ter um bom dote para cada uma delas, o meu amigo Sr. Márcio não exige dote, pois sabe que é uma moça de boa família e ele acha essas questões de dote irrelevantes, o que ele quer é uma boa mulher para dar inicio á uma família.”

Henrique: “Vou pensar no caso, preciso conhecer esse homem pessoalmente, só posso dar resposta depois de conversar com ele.”

Olegário: “Então vou providenciar o encontro, vai ser um prazer para o Sr. Marcio conhecer você e dona Doralice para tratar desse assunto do casamento.”

Três dias depois chega pelo trem que fazia a linha Fortaleza – Crato o Sr. Márcio em um vagão particular que ele tinha mandado construir só para ele. Na estação foi recebido Pelo governador Olegário e sua comitiva, entraram nos automóveis e foram para o Plaza Hotel aonde o Sr. Márcio ia se instalar naqueles dias. Estava marcado para o outro dia o encontro com e Sr. Henrique para tratar do assunto da sua filha. Depois de um belo banho Márcio colocou uma roupa de verão e foi para o saguão do hotel onde se encontrava Olegário. Os dois discutiam como deveriam abordar o assunto do casamento com o Sr. Henrique e a Sra. Doralice, Márcio queria que o casamento se realizasse logo de imediato, não queria esperar muito tempo, ele já tinha vindo preparado para pedir a mão da moça e no outro dia casar-se com ela na igreja local, uma cerimônia simples com poucos convidados, só a família da noiva os padrinhos e madrinhas de casamento, o governador e sua família.

Ás nove horas da manhã do dia seguinte Márcio chegou à casa de Janice, junto com um criado que ele havia contratado ali mesmo no hotel, esse criado trazia varias sacolas. Márcio chegou muito animado na casa do Sr. Henrique, bateu na porta e foi recebido por uma criada, uma velha senhora que estava com a família há muito tempo, a senhora pediu que esperassem na sala que ela ia anunciá-los aos donos da casa, depois de algum tempo surgiram na sala o Sr. Henrique e a Sra. Doralice, Janice estava em seu quarto esperando as ordens de seus país.

Márcio: “Bom dia Sr. Henrique, bom dia Dona Doralice, estou aqui como vocês já devem estar sabendo para pedir a mão de vossa filha em casamento, não sou um homem dado a romantismos, minha idade já não permite tais arroubos sentimentais, mas vos asseguro que gosto muito de sua filha mesmo sem tê-la conhecido pessoalmente, pois sei que é uma moça do mais fino trato, posto que é filha de vocês que são uma família de muito respeito e de alto nível. Não sei se vocês vão aceitar o meu pedido, mas acredito que juntando sua família a minha ficaríamos muito mais fortes, eu com uma esposa para gerar filhos e constituir família e vocês com um amigo para apoiá-los no que for preciso para o resto da vida. Ah, ia me esquecendo, trouxe esses pequenos regalos como símbolos de minha consideração para com vocês dois.”

O nosso pretendente a marido chamou o criado que estava com ele e pediu a sacola dos presentes, dela tirou dois embrulhos do tamanho de caixas de charuto, o presente de Dona Doralice vinha coberto por um papel vermelho enquanto o de Seu Henrique vinha em um papel azul, os dois receberam os regalos com muito agrado achando aquilo muito simpático da parte de Seu Márcio, Dona Doralice foi a primeira a desembrulhar o presente descobrindo sob o papel um estojo todo coberto em veludo com a marca de uma rica joalheria, ela ficou pasma muito antes de abrir a caixa, quando de repente abriu viu dentro da caixa sobre um fundo preto de veludo um colar de brilhantes todo em ouro branco e com um designe muito bonito, trabalho de artista mesmo. Dona Doralice corou ante o presente e olhou para o marido para ver qual era sua reação, o Sr. Henrique tinha uma expressão de medo no rosto, nunca em sua vida tinha dado um presente tão valioso para sua mulher e achou aquilo a primeira vista uma indecência, no entanto se conteve e falou apenas:

Sr. Henrique: “Mas que lindo colar querida, pelo que vejo teremos que ser eternamente gratos ao Sr. Marcio, pois tal presente não é usualmente dado em reuniões de confraternização e de arranjo de casamento, fica-se um pouco intimidado pelo valor da peça que é notoriamente caríssima.”

Neste momento o Sr. Marcio ficou um pouco constrangido, não tinha se dado conta que estava presenteando os pais de sua pretendente com artigos muito caros e não deu-se conta que isso poderia causar algum mal estar nos presenteados devido ao seu orgulho, não pensou nisso, pensou apenas em agradar.

Sr. Henrique: “Vamos ver o que foi que ganhei, vamos abrir esta caixinha.”

Ao abrir a caixa o Sr. Henrique deu de cara com um relógio de bolso em ouro maciço importado diretamente da suíça, relógio esse que talvez tivesse mais valor do que a jóia que sua esposa ganhou, mas que ele não podia mensurar.

Sr. Henrique: “Não podemos aceitar os seus presentes, não estamos querendo ser desagradáveis, mas não podemos aceitar presentes tão valiosos de um pretendente a mão de nossa filha, isso não cairia bem com nossos valores, estamos aqui a tratar do destino de minha filha e esses presentes distorcem as relações usuais que se travam em um pedido de casamento, se aceitássemos esses presentes causaria a impressão de que estamos vendendo a nossa filha para o senhor, e isso é tudo o que não queremos fazer. Estamos aqui reunidos para melhor conhecer o senhor, sabemos que é muito rico, mas queremos saber a quem vamos entregar nossa filha e isso só é possível conversando e não com regalos faraônicos.”

O Sr. Henrique disse isso entregando os presentes de volta ao Sr. Marcio que ficou em uma aflição só, não sabia onde por a cara, não imaginava que os presentes poderiam causar uma impressão tão ruim, para ele era comum presentear as pessoas com coisas caras, mas ele só veio se dar conta da gafe quando o Sr. Henrique chamou-lhe a atenção.

Sr. Marcio: “Mil perdões Sr. Henrique, mil perdões Sra. Doralice, juro pela alma de minha falecida mãe que não tive a intenção de comprar a mão de sua filha, é que não sou muito conhecedor das normas de etiqueta da sociedade, sou um homem do interior e juro que quando comprei os regalos foi com a única intenção de demonstrar minha consideração a vocês, para mim qualquer outro presente não estaria à altura de vossas senhorias, mas desculpem-me novamente, vou ser mais prudente com os presentes que dou de hoje em diante.”

Depois da explicação de Marcio tudo se abrandou, os pais de Janice entenderam que ele não tinha dado aqueles presentes com segundas intenções, mas mesmo assim não ficaram com os presentes. A impressão que ficou era que Márcio era um homem muito rico, mas que não teve uma educação muito formal por isso não se deu conta do absurdo que eram aqueles presentes, era como se ele fosse pedir a mão da filha deles em casamento e desse para cada um dos pais uma casa de presente no dia do pedido. Ficou patente para o Sr. Henrique que o homem era um bruto e não sabia lidar muito bem com as pessoas, mas também estava claro que para sua família sair da ruína ele teria que sacrificar Janice. Então mandou chamá-la do quarto para ser apresentada a Marcio que esperava sentado na sala já com um pouco de ansiedade. Quando Janice apareceu Marcio gelou de nervosismo ante a beldade que se apresentava a sua frente com uma saia preta que ia até embaixo dos joelhos e uma camisa branca com colarinho de renda, seus cabelos estavam amarrados em um coque atrás da cabeça salientando o delineamento de seu fino rosto branco de olhos grandes e saudáveis, podia se ver naquele rosto a pureza da menina casta, mas já deixando transparecer feições de mulher, era um lindo rosto que só de olhá-lo já dava angustia, como se ao mirá-lo Marcio estivesse contemplando algo sagrado. Quando viu a menina ao vivo, não acreditou mais que seus pais pudessem lhe dar tal preciosidade, e da mesma forma que os pais de Janice se sentiram intimidados e até ofendidos pelo valor dos presentes oferecidos por Marcio, o nosso pretendente a noivo ficou intimidado e se sentindo indigno ante a preciosidade que estava a sua frente.

Janice: “Boa tarde Sr Marcio, soube que o senhor veio pedir minha mão em casamento, fiquei curiosa e vim lhe perguntar o que o senhor tem a me oferecer.” – Por um instante todos ficaram em silencio então Janice falou de novo: “Deixe-me explicar melhor, quero saber que motivos eu teria para casar com o senhor além da fortuna que o senhor tem?”

Janice mostrara-se naquele momento bastante independente e desenvolta, mas via-se em seus olhos um certo rancor de está sendo negociada como se fosse uma mercadoria pelo seu próprio pai. Não que seu pai fosse um desses brutos que saem vendendo a filha para qualquer um, mas é que a situação se configurava de tal forma que a única saída da família seria aquele casamento, seus credores já batiam em sua porta com notas promissórias e o banco certamente iria tomar-lhe a casa.

- Cale-se Janice. – Disse o Sr. Henrique ouvindo as palavras da filha. – Sente-se na cadeira e ouça com atenção o que o Sr. Marcio tem a dizer, ele é seu principal pretendente, os outros não pareceram interessantes ao ver de sua mãe e de mim, o Sr. Marcio é amigo intimo do governador Olegário, e por conseguinte muito amigo de nossa família, não queremos forçar-lhe a nada, mas eu e sua mãe estamos de acordo com esse casamento.

Continua...

CAP. 3

Na sala reinava um clima de discórdia, tudo estava se tornando muito estafante para Márcio que não estava acostumado a ser tratado com tanta petulância tanto da parte dos pais como da própria moça que ele queria desposar. No seu interior começava a surgir um resquício de raiva que ele a todo custo tentava conter, queria que tudo se resolvesse logo, e quando a menina perguntou o que ele tinha a lhe oferecer além da fortuna, ele quase que perde as estribeiras, mas conteve-se e disse com a maior paciência que tinha amor para lhe oferecer, e que se o amor dele não fosse o suficiente ou se por algum motivo ela não o quisesse, que falasse logo, pois ele não tinha muito tempo a perder com dengos e firulas de gente petulante. Disse isso e já foi se levantando mandando todos para o inferno, que vão morar de baixo da ponte, seus miseráveis, concluiu.

Nesse momento o Sr. Henrique levanta-se de forma brusca e todo vermelho de ira, como se tivesse levado um murro no nariz, caminha até Janice que permanece sentada e impassível, e lhe dá um tapa com a mão aberta, com tanta força que o cabelo da menina que estava preso em um coque, solta-se desgrenhando-se. Com a metade da cara vermelha ela olha para o pai paralisada e começa a chorar como uma criança no mesmo lugar onde estava sentada. O Sr. Marcio olha a cena e não consegue resistir a um sentimento involuntário de prazer, nunca vira uma dama como aquela levar um tapa tão forte, a impressão foi tão forte que Marcio sem querer teve uma ereção.

Sr. Henrique: - Vá sua maldita, beije a mão de seu futuro marido, e de joelhos peça perdão, diga que nunca mais vai afrontá-lo novamente.

O Pai de Janice parecia ter perdido todo o orgulho quando viu que a salvação de sua família ia sair pela porta para nunca mais voltar, não conseguiu mais manter a pose, dali a duas semanas não teriam mais nem o que comer.

Janice foi de joelhos e com a cara em chamas beijar a mão de Marcio, que por sua vez só fez estendê-la para ser beijada, a mãe de Janice estava vermelha e com um sorriso amarelo na cara, enquanto Janice humilhada, dava repetidos beijos na mão de Marcio pedindo-lhe perdão, ela fazia isso olhando para o pai com um temor indescritível. Marcio estava tendo uma das melhores experiências de sua vida. O Sr. Henrique, já sem fôlego, começou a falar: “A menina é sua, mas preciso de pelo menos vinte milhões de réis hoje à noite, amanhã você pode se casar com ela, fica acertado assim? Ah, quanto aos presentes que o senhor nos trouxe, nós os queremos também”. Falou o pai de Janice perdendo tudo o que lhe tinha sobrado de dignidade, a sua pose caiu diante da iminente falência, sabia que nem o governador Olegário iria ajudá-lo e que seria expulso da alta sociedade de Fortaleza, seria o fim da família, obrigados a viver na pobreza.

Marcio: - Para mim está ótimo, mando meu secretário trazer o dinheiro e amanha os presentes estão ai na sacola, façam bom proveito, e não esqueçam, preparem a moça para o casório que logo em seguida nós vamos viajar no trem das cinco da tarde.

Continua...

o alfarrabista
Enviado por o alfarrabista em 24/04/2012
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