ZÉ ROLINHA O GAGO E O MISTÉRIO DO POVOADO.
A LUA ALTA BANHAVA A NOITE DE PRATA E A QUIETUDE REINAVA NO POVOADO. ERA MÊS DE ABRIL E O VENTO JÁ SOPRAVA FRIOZINHO SUSSURRANDO PARA SE AGASALHAR, MAS A TEMPERATURA ESTAVA GOSTOSA O QUE NÃO IMPEDIA O SR. ONOFRE E DONA ROSA DE FICAREM SENTADOS NO BANQUINHO DE MADEIRA QUE HAVIA NA PORTA DA SALA, LADEADO POR DUAS ROSEIRAS, AQUELAS DE FLORES MIUDINHAS. O CHÃO ERA DE TERRA E DONA ROSA ANTES DE VARRER SALPICAVA ÁGUA PARA APAGAR A POEIRA, VARRIA ATÉ FICAR LISO. ELES TINHAM O COSTUME DE SE ASSENTAR NESSE BANQUINHO E TODA NOITE OS VIZINHOS ENTRE OUTROS CONHECIDOS SE ACHEGAVAM PARA COMEÇAR O PROSÓRIO.ERA UM CAUSO ATRÁS DO OUTRO.AS VEZES SE OUVIA AS GARGALHADAS E EM OUTRAS O SILÊNCIO REINAVA, ATENTOS PARA NÃO PERDEREM NENHUM DETALHE DO CAUSO. TINHA DIA QUE OS CAUSOS ERAM DE FANTASMA OU COMO DIZIAM “COISAS DO OUTRO MUNDO” OU “COISAS DO ALÉM”. EUNICE FILHA DE DONA ROSA E SEU ONOFRE ERA UMA MENINA DE SEIS ANOS, BRANQUINHA DE CABELOS CACHEADOS. ERA A CAÇULA E NÃO DESGRUDAVA DA MÃE. SENTADA EM SEU COLO FICAVA ATENTA OUVINDO OS MAIS VELHOS PROSEAREM. MAS QUANDO A MENINA NOTAVA QUE OS CAUSOS ERAM DE ASSOMBRAÇÃO FICAVA COM OS OLHOS ARREGALADOS JÁ SENTINDO AQUELE ARREPIO QUE COMEÇA NA ESPINHA E VAI ATÉ A RAIZ DO CABELO,FALAVA:
_Ô MÃE VAMO DURMI, VÊM COMIGO ATÉ O QUARTO ME DEITÁ! É QUE TENHO MEDO DA MINHA SOMBRA NA PAREDE FEITA PELA LUZ DA LAMPARINA!
DONA ROSA A ACALMAVA: _SUSSEGA! DEXA DE BOBAGE ISSO É CAUSO! E AGORINHA MEMO JÁ VAMO NOS RECOLHER.
O ASSUNTO NÃO TERMINAVA. CADA UM QUERIA CONTAR UMA PROEZA DIFERENTE, OU UM MEDO QUE HAVIA PASSADO...
ZÉ ROLINHA ERA UM SOLTEIRÃO MEIO BOBÃO, GAGO E BABAVA. A VERDADE É QUE ALÉM DA GAGUEIRA ERA RETARDADO TINHA UNS QUARENTA ANOS, COM IDADE MENTAL DE DOZE. ESSE APELIDO ERA JUSTAMENTE PORQUE ELE FICAVA FAZENDO ARAPUCA PARA PEGAR PASSARINHOS, AS ROLINHAS ERAM AS SUAS PREFERIDAS. ELE CONTOU ALGO ASSIM:
_SA... SA... SABE EU PO... PO... POSSO CO... CO... CONTÁ? UM CAUSO? MA... MAIS... É VE... VERDAADE! EU JÁ... JÁ... VI SOM... SOM... SOMBRAÇÃO! E NUM QUE...QUE...QUERO VER NU...NU...NUNCA MAIS!
O SR. ONOFRE ENTÃO FALOU:_ PODE CONTAR ZÉ ROLINHA, MAS TENTA NÃO GAGUEJAR DEMAIS, SENÃO NÓIS NUM VAMO INTENDER NADICA DE NADA!
E O ZÉ ROLINHA CONTINUOU:
_PÓ...PÓ...PODEXÁ! VÔ... VÔ... CO...CONTÁ RRA... RAPIDINHO!
¬_TÔ...TODO MUNDO NO PO...POVOADO JÁ OUVIU DIZÊ QUE AQUI A... APARECE UM... UMA...MULA SEM... SEM...CAABEÇA? INTÃO! EU JÁ...JÁ VI ELA E SEI QUE... QUEM ELA É!
HÁ VÁRIOS ANOS SE OUVIA CONTAR QUE APARECIA UMA MULA SEM CABEÇA, NO POVOADO. UNS ACREDITAVAM QUE ESTA APARECIA NA QUARESMA. OUTROS DIZIAM QUE ERA NA SEXTA FEIRA TREZE E DE LUA CHEIA! O CERTO É QUE ASSIM QUE ANOITECIA NINGUÉM OUSAVA SAIR DE CASA. NO POVOADO NÃO HAVIA ENERGIA ELÉTRICA, A VENDA DO SÊU LINDOLFO FICAVA MOVIMENTADA, POIS, QUANDO JÁ ESTAVA LUSCO-FUSCO TODOS PREVENIAM O QUEROSENE PARA POR NAS LAMPARINAS. TODOS CORRIAM PARA A CASA ANTES DO ANOITECER, AS RUAS FICAVAM MUITO ESCURAS E DESERTAS. ATÉ OS MAIS BOÊMIOS TRATAVAM DE PEGAR O CAMINHO DE CASA. NINGUÉM GOSTARIA DE TOPAR COM A “MULA SEM CABEÇA”.
O ZÉ ROLINHA ESTAVA ANGUSTIADO DOIDO PARA CONTAR SUA DESCOBERTA! AÍ QUE ELE BABAVA MAIS! GESTICULANDO PROSSEGUIU:
_Ó... CEIS CUM... CUM... CUNHECE A DONA CAR... CAR...CARLOOTA? UM...A MU...MUIÉ DO SÔ... SÔ...JUAQUIM? E... E... ENTÃO, TEVE UMA NOITE Q... QUE EU A... A...ACORDEI CUM DOR DE BAR... BAR...BARRRIGA, AQUESA QUE TROCE INTÉ O IMBIGU DÁ... DÁ GENTE. É AQUESA QUE O FIÓFO FICA PI... PI... PISCANU! AI RESORVI I... I NU MÁ...MATINHU QUE TEM LÁ NA PO...PORTA DA CUZINHA DE CASA. E... É PREGADU NO TE...TERRERO DA DONA CA... CARLOTA.
_ INTÃO SAI CORRENU E TRA... TRATEI DE ARRIAR AS CARÇAS SENÃO CA... CAGAVA NA RÔ... ROPA! AI SORTEI O BA... BARRO! FOI QUANDO EU VI A DO...DONA CA...CARLOTA SAINU NA POR...PORTA DA CU... CUZINHA DELA!
ZÉ ROLINHA CONTINUOU POIS TODOS ESTAVAM ESPANTADOS COM SUA PROSA!
_É...ELA ESTAVA DOIDONA, BANAVA OS BRA...BRAÇUS E CU...CUMEÇÔ A DAR CO... COICES! E...FOI TRANS...TRANFOMANU NA UM... MULA SEM CABEÇA, DE...DEU UM RELINCHADO E A... ARRANCÔ A CA... CABEÇA E...POIS DENTU DO PI...PI...PILÃO DE SOCÁ A...ARROIS QUE TEM NA...NA... PORTA DA CU...CU...CUZINHA DELA!
_E...EU QUE JÁ...JÁ...TAVA CUM CA...CAGANEIRA, AI BAM...BAMBIE AS PERNAS! CA...CAÍ SENTADO NA MÉ...MÉRDA! E O BU...BUTÃO QUE TAVA A...ARDÊNU INTÉ RE...REFRESCÔ! NEM SÁ...SAÍ DU LUGAR. ENTÃO SE LEM..LEMBREI QUE ERA SEXTA- FEIRA TRE... TREZEEE! OH MÓ DEUSU! ME... ME... ACODEEEEE!
_JÁ...JÁ... A DONA CA...CARLOTA, JÁ AVISTEI...VIRADA MULA SEM CABEÇA E SAIU DIS...DISPARADA PASTO AFORA.
_AI...IEU CRIEI ARMA NOVA, LE...LEVANTEI E PANHEI UM PU...PUNHADO DE FOIA E LI...LI...LIMPEI A BU...BUNDA! A DISPOIS CURRI PÁ DENTODACASA! MODE SE ES...ES...ESCONDÊ DA MUIÉ MULA SEM...SEM... CABEÇAA.
E O ZÉ ROLINHA AINDA NÃO TERMINOU, POIS, AINDA TINHA UMA EXPLICAÇÃO PARA CONVENCER QUE SEU CAUSO ERA VERÍDICO E, QUE ELE REALMENTE DESCOBRIU O MISTÉRIO DO POVOADO.
_NU...NU... OTU DIA IEU PENSEI, VÔ LÁ NA... NA...CA...CASA DE DONA CAR...CARLOTA, POR CAUSDIQUÊ QUE...QUERO SA...SA...SABÊ O QUE SERÁ O QUE FOI FEITO DE...DE...DELAA?
_CHE...CHEGUEI DE VA...VA...VAGAZIM E FI...FI...FIQUEI ISCUTANU A CUM...CUM...CUNVERSA DELA MAIS DU SÔ...SÔ JUAQUIM, AI RESORVI DA_Ô DE CA...CASA! E O SÔ JUAQUIM, VEI ABRI A PO...PO...PORTA E FALÔÔ:
_ENTRE SEU ZÉ ROLINHA, SENTA AI NO TAMBORETE, EU TÔ FAZENU UM MINGAUZINHO DE FUBÁ PRA DONA CARLOTA, POIS, ELA AMANHECEU PERRENGUE, TÁ FRACA E ACAMADA! E COM O ESTAMU RUIM, PARECE QUE COMEU ARGUMA COISA ESTRAGADA! TADINHA TÁ OBRANO E GUMITANU TODA HORINHA!
ZÉ ROLINHA ASSUSTADO E SEM GRAÇA, AINDA SE LEMBRANDO DA HORRÍVEL SENA QUE HAVIA PRESENCIADO DURANTE A MADRUGADA, AINDA OLHOU PARA O PILÃO DE SOCAR ARROZ, NUMA TENTATIVA DE CONFERIR O QUE ESTAVA LÁ DENTRO, E NADA VIU. NOTOU QUE A CASA ESTAVA SUJA E CHEIA DE PEGADAS DE BARRO. SEUS PENSAMENTOS O ATORDOAVAM, APENAS DEU UMA OLHADELA NA DONA CARLOTA NA CAMA E TRATOU DE SE DESPEDIR.
_Ô SÔ... JUAQUIM PÓ...PÓ...PODE FAZÊ O MI...MI...MINGAU SU...SU...SUSSEGADU, QUE IEU JÁ VÔ SIMBORA, TA...TAMÉM TÔ CUM DO...DOR DE BA...BARRIGA, E TENHU QUE IR A... AGORA! FI...FICA CUM D...DEUS!
_IEU TRA...TRATEI DE SA...SAI DE LÁ CORRENU, INTÉ HOJE SÓ DE COM...CONTÁ PROCEIS FI...FI...FICO A...ARREPIADO! OCÊIS CRREDITA NI MIM? NU... NU...CRIDITÁ?
_SEU ONOFRE ENTÃO FALOU:
_Ô ZÉ OCÊ VIU ISSU TUDO OU SONHÔ? ACHU QUE NUM CONVEM OCÊ FICÁ CONTANU ISSO PRA TODO MUNDO NÃO! JÁ PENSOU SE CHÊGA NOS OUVIDOS DO SÔ JOAQUIM E DA DONA CARLOTA, ELES SÃO UNS VIZINHO AJEITADO! NUM AMOLA A GENTE CUM NADA!
_E O ZÉ ROLINHA RETRUCOU:_MA...MAIS SÕ ONOFRE SE IEU TI...TI...TIVESSE SONHADO, TINHA ACORDADO CA...CA...CAGADO!
_IEU A...ACORDEI LIMPIM! TABÃO! NU...NUM VÔ...CO...CONTÁ ISSO TRAVEIS NÃO SINHÔ, MA...MAIS QUE IEU VI... EU VI!
_TÉ...TÉ...TELOGO PROCÊIS TOMBÉM!
SEU ONOFRE SE DESPEDE:
_BOM MINHA GENTE ACHO QUE NÓIS INTRETÊMO COM O CAUSO DO ZÉ ROLINHA E JÁ PASSA DA MEIA NOITE! VAMOS RECOLHER QUE AMANHÃ TEMOS QUE LEVANTÁ CEDINDO QUE A LABUTA É FEIA! E A NOITE NOIS PROSEIA MAIS, ATÉ AMANHÃ PRA TODO MUNDO!