As voltas da vida
“As voltas da vida”
Valdemiro Mendonça
(Um fato verídico)
Este é meu herói! Esta é a segunda vez que a Márcia... Quem é? “Bem, Márcia a garota que acostumamos a chamar pelo diminutivo: “Marcinha”, É hoje uma bela mulher com: digamos mais de trinta, tem um sorriso lindo de desmanchar cara feia e é minha visinha em Belo Horizonte se quiserem saber mais procurem no Google”.
Voltando ao começo, foi à segunda vez que ela proclamou esta frase em alto e bom som referindo-se a mim. Até parece que eu sou herói, “estou mais para Sancho Pança do que para Dom Quixote”. Da primeira vez foi no bar do Jorge, nosso amigo de muitos anos, gritou bem alto e contou o motivo, desta vez foi no bar de uma nossa amiga comum, a Rita, esta tem muitas histórias para contar já que trabalhou por quinze anos de taxista na grande capital mineira. Agora se cansou e junto à família resolveu montar um bar, mas quem sabe conte mais esta?
Não estou mais frequentando os bares como antigamente, mas neste dia estava com saudades de uma cerveja e resolvi conhecer o novo lugar. Ela me reconheceu e depois de conversarmos um pouco falando das coisas que de certa forma une as pessoas que residem por muito tempo próximo um do outro, fomos interrompidos pelas palavras da linda moreninha que entrou no local: “este é o senhor Valdemiro, meu herói”! Contou novamente à história e desta vez ficamos relembrando o acontecido.
Quando terminei a bebida, nos despedimos e eu voltei para casa ainda pensando nas palavras da Márcia. Resolvi contar aqui para que não fiquem pensando que realmente fui herói de alguma coisa importante, o acontecido é importante, mas não teve heroísmo. Tinha chegado de viagem do estado de São Paulo onde estava trabalhando e depois do banho e jantar, estava com a família assistindo televisão quando soou a campanhinha da casa, meu filho atendeu e me chamou.
Um garoto filho de um herói de verdade, pois, seu pai era sargento dos bombeiros e amigo de todos no bairro e bombeiros para mim, “são todos heróis”. – Que houve Wanderley, algum problema? A pergunta foi de forma simples e direta, pois, dificilmente nos falávamos e ele me procurar à noite, deveria ter um bom motivo, o normal seria estar namorando àquela hora. Ele respondeu um pouco sem graça e sem o sorriso brincalhão que lhe era peculiar, aliás, estava bem sério para sua idade que deveria estar entre dezessete ou dezoito anos, ele respondeu um pouco vacilante,_ seu Valdemiro, não queria incomodar, mas minha irmãzinha fez uma besteira e vim para pedir ao senhor se poderia levá-la ao hospital?
Nunca parei para pensar ou perguntar o que aconteceu. Sendo preciso ir ao hospital, é caso de urgência, mandei que ele esperasse enquanto funcionava meu Chevette de luxo um dos poucos carros na nossa rua naquela época, puxa até me deu saudades agora, “era um Chevette azul com um ano de uso e muito bonito para os padrões de carros da época e meu xodó, chamava a atenção por onde passava sendo visível à admiração que ele causava às pessoas do bairro naquela época sem os poderes aquisitivos de hoje”.
Ele entrou no carro e parei perto da sua casa menos de meio quarteirão adiante, a Marcinha nesta época com menos de quatorze anos estava encostada no muro da casa e tentou caminhar na direção do carro, mas estava vacilante e Wanderley teve que ir ao seu encontro e ampará-la até que entrasse no veículo. Dirigi o mais rápido que pude até o hospital militar no qual o pai como soldado do fogo era conveniado.
No trajeto lembro de que comecei a me desesperar depois de saber do ocorrido, ela tinha discutido com um irmão e resolveu se matar, a maneira mais fácil e rápida que ela encontrou foi engolir um vidro inteiro de comprimido provavelmente analgésico que era usado sem critério médico e mantido em casa para aliviar qualquer tipo de dor.
Para piorar as coisas ela tomou junto com quase meio litro de água sanitária. A danadinha queria empacotar mesmo, eu falava o tempo inteiro com ela sem olhar para trás, dava-lhe conselhos, como se ela fosse me ouvir, eu falava alto e sabia que ela nem deveria estar entendendo, falava para mantê-la acordada e ao mesmo tempo pedia para o Wanderley sacudi-la e não a deixar dormir, meu medo era que ela dormisse e não acordasse mais, acho que nunca antes tinha sentido um desespero tão grande e sentisse tanta responsabilidade pela vida de uma criança, no momento o que me parecia é que eu era um dos culpados por não lutar para que o governo concedesse ao povo o direito a uma educação mais esmerada fazendo os jovens sentirem a importância da vida, acho que ao mesmo tempo, “eu acredito” tinha medo por meus próprios filhos, o meu, “mais velho” tinha a mesma idade que ela.
Quanto mais eu acelerava pelas ruas àquela hora com pouco movimento, mais parecia que o hospital se distanciava, quando enfim parei na porta do P S, me lembro de que estava com a camisa molhada de suor e praticamente ajudei o garoto a carregá-la para a sala de espera do pronto socorro. Apesar de ser final de semana e ter havido um jogo entre Atlético e Cruzeiro e neste caso, “depois do jogo os hospitais lotam para atender os feridos das duas torcidas” quando o rapaz contou a história para o atendente, no mesmo instante eles a levaram para o setor médico onde ela permaneceu por três dias em estado grave. Eu tinha ido para casa, pois viajaria de volta ao trabalho no outro dia à noite.
Quando voltei novamente a Belo Horizonte ela me procurou e me agradeceu, e como sempre por motivo de trabalho eu ficava muito pouco em casa, só nos vimos ou pelo menos “só nos falamos” quando ela já era uma mulher e me chamou de herói pela primeira vez. Herói? Não, apenas prestei um favor no momento que uma criança precisava de ajuda, mas me sinto bem por que ela se lembra, e por vê-la hoje, uma linda mulher, segura do que faz e certamente com bagagem suficiente para orientar as crianças desta idade para não passarem pelo mesmo susto. É isto aí Marcinha, que bom que você continua viva e queira viver, vê-la hoje saudável e esbanjando este sorriso de deixar velhinho bobo, me dá uma imensa alegria. Por isto mesmo eu lhe fiz esta rimas bucólicas que espero: você goste.
“Sem choro”
Era uma carinha de sono sem controle
De quem não pensa ou está sentindo,
Uma sombra de tristeza naquele olhar.
O som de angustia da minha voz saindo
Era de medo de não vê-la mais acordar,
Se naquele minuto eu a visse dormindo.
Foi como passar por uma tempestade,
Quando desaba cheia de raios e trovão,
Mais tarde aos poucos vê-la serenando
Acalmando todo o medo de um coração
Aí vai brincar nas poças de água formada,
Na chuva de consolo para uma desilusão.
Mas ao ver o estrago da forte enxurrada
Tira proveito, planta em cima da bonança,
Usando o que aprendeu com a tormenta,
E deixa já sem saudades a vida de criança,
E se torna mulher segura e da vida sedenta
Pois ali nasceu forte, uma nova esperança.
Fim
Trovador