O Cachorro e a Enchente
“... É o espírito que conduz o mundo e não a Inteligência...” Saint Exupéry.
O Cancioneiro Caipira está cheio de estórias e “Causos”. Muitos com narração de catástrofes, ufanismo ou mesmo de auto promoção. As catástrofes quando não tem final feliz deixo de lado. Não cabe a mim dar as notícias ruins. Para isso existem os Jornais sensacionalistas. É certo que não existem só finais felizes, mas prefiro ficar só com estes.
Não me recordo de quem era a canção e nem exatamente o nome do Rio em questão (Rio do Peixe, Feio, sei lá...). O fato é que não era muito grande, mas a fartura de peixe e de ilhotas era notável. Os pescadores preferiam armar seus casebres nas ilhas, uma vez que ai a posse das terras não era reivindicadas pelos fazendeiros ribeirinhos. Numa destas ilhotas viviam Joaquim, Maria, sua mulher e seu filho Pedro, com pouco mais de quatro meses de idade. Por ser pouco espaço, tinham apenas algumas galinhas e um cachorro que atendia pelo nome Bragado (cor predominante preta, focinho, peito e mãos brancas). O fazendeiro cuja propriedade ocupava a margem direita, deu-lhe uma restinga, como presente de compadre, para que se fizesse um pequeno roçado. Todo dia depois dos afazeres de pescador, Joaquim ia labutar na terra de onde tirava batata doce, mandioca, milho, feijão e até arroz para o gasto.
Num período de muita chuva, como este que estamos atravessando, Maria o levou até a margem e voltou para fazer o almoço. Mais tarde voltou com a comida e, como era de costume, levou uma enxadinha com a qual ajudaria o marido no trabalho. É importante salientar que os canoeiros quase nunca amarram suas embarcações. Apenas puxam-na para a praia e ai ela fica ancorada. E assim foi feito. De repente começa armar uma chuva, com nuvens extremamente negras para as bandas da cabeceira. Até que choveu pouco no local que estavam trabalhando. Não perceberam que pouco acima caira uma tromba d’água. E como sempre acontece o nível rio subiu rápido. Quando perceberam correram para a canoa e, para o desespero de ambos, a embarcação que não estava amarrada, tinha sido levada pelas águas. Com grande sofrimento viram quando o rio invadiu casa. E viram também quando o Bragado saiu a nado. Ao chegar mais perto perceberam que ele trazia, com grande dificuldade, algo na boca, que mantinha acima da água. A emoção foi maior ao perceber que o que ele trazia era o pequeno Pedro, esgoelando de fazer–se ouvir ao longe. A estória se espalhou, não como um ato de heroísmo e de fidelidade do Bragado, como é próprio dos cães, mas um milagre de S. Pedro, protetor dos pescadores. (oldack/04/02/011).