NA QUEIMA DE JUDAS TEVE ATÉ DEFUNTO VIVO

Veriato era da cidadizinha de Tabocas, um homem bom, correto e trabalhador, às vezes invejado por seus colegas de trabalho tamanhas as habilidades que possuía ao desempenhar todos os tipos de serviços que encontrava pela frente. A ele nunca faltou trabalho, mesmo nas épocas de escassez, seu sustento estava garantido, o homem era de fato pau para toda obra. Um grande artífice como afirmava seus inúmeros conterrâneos que aguardavam sua vez à espera de seu valioso trabalho.

Porem era bastante rude e bebia além da conta, abusava muito da fé e religiosidade, inclusive de sua esposa e dos próprios filhos que não eram poucos. Pra La de meia dúzia. Como ele todos trabalhadores. O que lhes proporcionavam uma boa condição de vida, sem muito luxo, mas com uma despensa farta. Os filhos conviviam razoavelmente bem com o pai com quem chegavam brincar como se fossem todos irmãos, pai e filhos.

A mãe conseguia levar os filhos pelo caminho da fé tementes a Deus, Viriato não acompanhava, mas também não se opunha. Embora criticasse afirmando que era exagero aquela tradição

No passado a semana santa era cultuada com muito respeito, na sexta feira santa então, era um respeito total. Os costumes chegavam a extrapolar indo alem do limite recomendado. Não se provocava qualquer ato libidinoso, ninguém conversava com o tom de voz mais alto, os animais eram tratados com todo respeito. A alimentação era preparada no dia anterior, não se acendiam o fogão, não varriam a casa, os utensílios usados só eram higienizados no sábado após o rompimento de aleluias. Tudo isso para que se pudesse vivenciar a paixão de Cristo com a maior comoção possível. Uma tradição que se perdeu no tempo. Em contra partida Viriato enchia a cara. Era um verdadeiro terror para sua família, que esperava sempre um castigo para qualquer momento, pelo procedimento incorreto do seu chefe. Passada a bebedeira os filhos dialogavam com o pai. Cabisbaixo ele nada dizia, só que ficava o dito por não dito e no ano seguinte repetia-se o mesmo espetáculo. Inúmeras vezes os filhos o ameaçaram dizendo que um dia dariam uma lição a ele. A mãe os reprimia afirmando que eles o deviam obediência.

Chegada mais uma semana santa, tudo corria com normalidade dentro do espírito de religiosidade recomendada pela tradição. Na sexta feira santa Viriato encheu a cara, se embebedando. Desapareceu de vez, a noite caiu, e nada do homem aparecer. Preocupada sua esposa o procurou em todas as partes, não o encontrou em lugar nenhum onde costumava freqüentar. Pediu ajuda aos filhos, mas eles se fizeram indiferentes e nada ajudaram dizendo que o dia era de recolhimento a mãe não deveria se preocupar com o marido, ele já era bem grandinho e saberia se virar.

A cidade era pequena, uma oportunidade para que todos se conhecessem. Havia muita paz e união, era admirável a boa vontade dos seus habitantes na realização de festividades e comemorações. Dentre suas tradições culturais estava a queima de Judas, que ocorria no sábado pela manhã após romper as aleluias, costumeiramente às nove horas. A brincadeira muito organizada contava com a colaboração de todos. O comitê organizador após a meia noite de sexta feira preparava uma chácara para o Judas o traidor de Cristo, cujo patrimônio era composto por objetos arrecadados às escondidas de seus proprietários, com o compromisso de serem devolvidos no dia seguinte, como herança deixada por Judas, em um testamento a cada proprietário. Era uma brincadeira sadia e bem organizada cumpia-se a risca a devolução dos objetos furtados. Os filhos de Veriato sempre foram os mais atuantes na brincadeira. Dentre os inúmeros objetos arrecadados nos arredores da cidade levaram um carro de boi, ao passarem perto do galpão de uma carpintaria La estava um caixão de defunto a espera de um falecido que viria de uma roça na manhã seguinte. Um dos filhos do Viriato insistiu para levarem o caixão, um companheiro recusou afirmado não ter muita intimidade com o objeto ainda mais de pano preto, como aquele, o que lhe causava arrepios, mas acabou convencido pelos colegas que o colocaram no carro. Alguém reclamou dizendo que o caixão estava super pesado. Outro retrucou afirmando que deveria ter sido fabricado com madeira ainda verde.

Quando o dia amanheceu uma multidão estava reunida na praça esperando pelo espetáculo na queima do Judas recheado de bombas, como o costume. Quando atearam fogo no boneco e iniciou o pipocar das bombas alguém dentro do caixão acordou bateu os pés com tanta força, que sua tampa voou no meio da platéia, foi uma correria dos diabos, gente desmaiando outros fugindo apavorados, muitos se borrando nas calças, um verdadeiro caus., e o danado Viriato saindo de dentro do caixão morrendo de rir e perguntando vocês nunca viram defunto vivo não, cambada de medrosos?

Nunca souberam ao certo se foi armação dele ou de seus filhos o fato é que ele entrou no caixão bem mamado, talvez por estar o tempo muito ventoso e frio, ele acabou dormindo, para ser acordado justo na hora da explosão das bombas.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 09/04/2012
Reeditado em 28/08/2012
Código do texto: T3602474
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