"Que vontade socar o velho"
Que vontade socar o velho
Valdemiro Mendonça
Era a continuação de um voo após uma semana fria em Copenhagen onde pela primeira vez eu participara da guerra de bolas de neve com os marinheiros de primeira viagem imitando direitinho o que via os estrangeiros fazerem pela televisão.
A luxuosa “SAS”. Era especialista em proporcionar viagens para jamais serem esquecida para quem usasse os serviços da poderosa empresa Europeia que faz de tudo e mais um pouco para agradar seus passageiros mesmo os que só viajam nela por que o patrão paga as passagens.
O enorme jumbo após os procedimentos de praxe e receber ordens da torre, partiu como um bólide pela pista que acabara de ser limpa de toda a neve para que a aeronave pudesse levantar voo sem risco de derrapar.
Eu por brincadeira tentei descolar meu corpo da poltrona enquanto ele ainda estava no chão, mas a força contrária era terrível: “Pode parecer idiota, mas estas coisa sempre me atraem quando estou fazendo algo pela primeira vez, quero saber como funciona, mesmo se tiver que pagar mico.
O voo seria apenas de pouco mais de duas horas, estranhei um pouco, por que após ganhar altura, o comandante não se comunicou pelo rádio para as boas vindas, nem para liberar o cinto e os passageiros para fumarem e ficarem a vontade.
Levantei a cortina da janela e tentei ver alguma coisa, impossível, tudo estava branco como se voássemos dentro de nuvens de repente senti um balanço forte não dei importância, já estava escolado em turbulência.
As prestimosas aeromoças começaram a servir um lanche, mas sem liberar o uso do cinto e pedindo para não destravarmos as mesas, foi um pouco sem jeito equilibrarmos o copo de refrigerante e segurar o pão de gergelim com presunto e queijo, novidades para mineiro, comidas doces com recheios salgados, mas bom.
Me ocupei em devorar a delicia e tomar a pepscola após ter guardado na bolsa de mão a barra de chocolate o pacote de pistache descascado e a barra de requeijão que eu sabia ser uma gostosura, comida aos pedacinhos junto com o chocolate.
Senti um estremecimento do avião, desta vez muito mais forte, as aeromoças estavam na cauda do aparelho, com pressa de terminarem de servir o lanche e de repente o enorme aparelho embicou de uma vez e desceu numa queda vertiginosa.
O carro de comida e o de bebida mais que descer, despencaram em direção à cabine do jumbo, um senhor ágil conseguiu se levantar e parar a decida dos carros se machucando e fazendo cara visível de dor, mas pedindo a todos que permanecessem sentados.
Eu via estas coisas acontecendo, mas com os ouvidos parecendo que iam estourar de tanta dor, um senhor obeso olhando-me e percebendo meu sufoco fez sinal para eu soprar com a boca fechada, tipo aquela brincadeira de criança de fazer parecer que colocou dois ovos inteiros dentro da boca.
O avião saiu do mergulho e ficou nivelado eu agradeci ao senhor, ele sorriu e passou a dar atenção a uma mulher sentada ao seu lado, de repente o avião sacudiu como uma britadeira e não parou mais.
Até então eu não tinha sentido medo, tudo tinha sido tão rápido e acho que preocupado com a dor no ouvido não pensei em perigo do avião cair, mas agora eu estava começando a ter dúvidas da segurança do voo tinha um companheiro de viagem sentado perto de mim e falei da minha preocupação, foi um erro.
O homem de uns sessenta anos que estava com sua bolsa de mão cheia de doses únicas de whisky e que eu já tinha visto esvaziar três e tomar mais uma que pedira a aeromoça. Olhou para a minha cara e começou a rir e chamar a atenção de todos que olhassem para ele dizendo: “olhem aí gente, o caipira com medo de turbulência, isto é normal rapaz”. Riu ruidosamente, mas sem ter a atenção pedida.
Ri sem graça, mas tentei levar na esportiva, afinal realmente eu era um novato em voos internacionais e o palhaço continuou a me azucrinar, como ninguém lhe deu ouvidos, ele baixou o facho e ficou quieto. O avião sacudia todo, de repente me pareceu até que ele bateu em alguma coisa, uma rajada de neve bateu na lateral oposta a que eu estava e fez um barulho enorme, deu para sentir a neve carregando o aparelho.
Uma aeromoça gritou Deus em inglês, vi quando outra a puxou para trás da coluna que sustentava os aparelhos de televisão e sacudi-la, ela pediu desculpas e aí meu medo se acentuou mais. Um oriental se levantou abriu o maleiro sobre sua cabeça e foi tirando travesseiros e sua esposa afobada foi colocando nas poltronas das duas crianças escorando-as.
Muitos passageiros começaram a fazer o mesmo, e eu sem saber se deveria fazer também, como o japonês só protegeu as crianças, não se preocupando nem consigo próprio e a esposa. Achei que seria idiota eu tentar entrar debaixo da poltrona e esconder a cara que nem avestruz quando leva susto.
O avião era uma bagunça total, as aeromoças pediam calma, mas quando o avião embicou novamente e logo a seguir voltou ao normal, “se é que aquilo era normal”. A um sinal da que parecia ser a chefe elas sentaram-se deram as mãos e começaram a rezar.
Olhei para o velho ele estava quieto, acho que dormiu, pensei... Acho que é assim que vou voar de agora em diante bêbado, pelo menos não vou sentir medo, se é que vou voar de novo. As moças após rezarem e aí eu fiquei certo que a coisa estava feia mesmo, levantaram-se.
Parece que o rezar, foi à palavra chave para que elas pudessem fazer o que precisavam, ao levantarem o voo estava calmo e começaram a por ordem na casa, acalmando os passageiros, recolhendo objetos do chão, consolando algumas mulheres que estavam chorando e como se fosse uma coisa combinada, tudo acabou.
Em alguns segundos o avião estava estabilizado e o rádio foi acionado com o comandante falando primeiro em inglês, depois em francês e finalmente em espanhol onde eu entendi bem que ele pedia desculpas aos passageiros pelos transtornos e explicando que o voo de Copenhagen a Atenas era muito curto e não tinha como voar acima das turbulências. Tinham passado maus bocados, mas em nenhum momento houve perigo real da aeronave sofrer alguma pane.
O sinal que o japonês fez para sua esposa, não me deixou dúvidas, de aquele muxoxo com cara de poucos amigos significava que a coisa fora mais feia do que o tal comandante estava tentando demonstrar, após ficarmos algum tempo sobrevoando Atenas e suas ilhas maravilhosas, pousamos.
Depois que desembarcamos do ônibus que fora nos pegar no avião, tiveram que fazer uma viagem especial para buscar o velho que dormira mesmo. Quando ele chegou já veio me olhando com aquela cara de sabido e falando, não falei que era normal?
Gente que vontade me deu de dar um soco na cara dele nem resposta eu lhe dei. Saí sem lhe dar atenção e ele ficou só, acho que ninguém estava muito disposto a perder tempo com um bêbado depois de um susto daqueles. Depois disto já passei muitos apertos em avião, mas igual aquele, nunca; E espero não passar mais.
Trovador