Da Doralice do tempo...
Eram duas da tarde, quando ela resolveu tirar as roupas do varal. Pensava em ‘se viesse a chuva’. Olhava os quatro cantos do quintal. O cachorro passeava sem compromisso com o restante do espaço. Batia as patas nas quinas das mesinhas deixadas ao acaso.
Um bando de pássaros passou sobrevoando o céu cheio de nuvens cinzentas.
O corpo doía, parecia o café moído. Nada acontecia. Ele não chegava da labuta, o filho não nascia, os bezerros nada de se transformarem em bois. Mas dentro dela, dentro dela tudo acontecia. Revivia os pais para lhes falar sobre os cortes imagináveis de costuras, relembrava as amigas de escola, todas tão iguais a ela. Todas magrelas, cabelos altos e sonhos cheios de sonhos. Preparava um ser. O mais bonito dos gestos. Mas também o mais doloroso deles.
Lembrava um irmão que nasceu e pouco tempo durou. A vida era dura. Era sim.
Retirou a lenha de debaixo do fogão, preparou as panelas com o sabão em barra. Botou o feijão na água. Cozinhar para quantos? Essa era a pergunta feita aos seus fantasmas.
Mais uma noite sozinha.
Mais uma noite esperando o resultado de um abandono.