O MUTIRÃO DO ZÉ QUIABO
Era num domingo a tarde e o Zé Quiabo tentava marcar o mutirão de capina da roça para a Segunda Feira da outra semana. Eu, que também estava no bar do Zé do Gôlo tomando uma para refrescar o calor fui testemunha desse diálogo. Para quem achar estranho o nome do dono do bar, explico: O cara tomava todas e “adquiriu” o apelido de Zé do Golo. Como seu alcoolismo estava num estado muito avançado, a família o internou para desintoxicar e nunca mais bebeu. Entrou numa dessas igrejas evangélicas, virou pastor, e já com essas credenciais colocou essa venda na zona rural com uma enorme placa que nomeava: MERCEARIA DO ZÉ DO GÔLO. E ai de quem o chamasse do antigo apelido. Não atendia a pessoa e se esta insistisse costumava ser grosseiro. Com o tempo, vendo que o homem não bebia mais, o povo se acostumou a chamá-lo pelo nome do letreiro. “O Zé do Gôlo, dá uma ai!” Mas vamos ao mutirão do Zé Quiabo.
- Mais logo Segunda Zé? Marca isto pra terça sô!
- Mais terça eu num posso proquê cumbinei uma pescada de Tucunaré co Dinho lá nas Água Verde. Vai tê de sê na Quarta. Dizia o segundo.
- Na quarta num tem jeito proque é dia de Santa Gertrudes e desde o tempo de meu falecido pai, nóis num trabaia. Dizia um terceiro.
- Antão vai tê de sê na sexta proque na quinta cumbinei com o cumpade Zé do Gôlo quinóis vai lá no Retiro Veio comprá dois galo do Zeca Mascatero. Dizia um quarto compadre.
- Antão vai tê de sê pra tercera semana proque sábado né dia de trabaiá não sô! Dizia outo.
- Mais nessa sigunda coces ta falano de fazê o mutirão eu marquei um corte de cabelo lá na cidade co Zé Gominho, e quele home é injuado, se marcá tem que i. Dizia mais um.
- Nessa terça coçeis ta quereno num vai dá proquê é aniversário de casamento e minha veia num dexa eu trabaiá...
- Mais anssim minha roça vai morrê no mato! Gritava o desesperado Zé quiabo.
- Mais tamém né! Dizia o “trabaiadô” Noratinho.
- Né oquê Noratinho? Falava o nervoso Zé Quiabo.
- Faiz uns quinze dia que só fica pescano...
- E ocê que nem planta e fica só lá nas quenga!
- Mais num tenho passarinho pra tratá!
- Para, para, para.... Já dizia o apaziguador dono do recinto. Isso é muito simples de resolver; cada dia que um de vocês puder vá lá e capina um pedaço da roça do home.
- Suzinho eu vô não, lá é puro cascaver... Dizia um.
- Minha veia tamém num dexa eu saí suzinho não. Dizia outro
- E mutirão tem que tê cachaça...
- Cumilança de graça...
- Viola...
- Contadô de causo. Dizia o último dos pretendentes a participar daquele mutirão.
E aquela marca não achava data de jeito nenhum até que me levantei e disse:
- Porque vocês não marcam um forró lá no terreiro do Zé Quiabo para o próximo sábado? Capinam a roça do home durante o dia e à noite ele dá a festa com comida, bebida, violeiros...
- É, inté que pode...
- Mais vai tê de tê cerveja tamém...
- Quele sanfonero lá do Barrero de Baxo...
- Mais quele home só vem se buscá ele e inda cobra uma galinha pra tocá! Falava o inquieto Zé Quiabo.
- Ce que resorve Zé, a roça no mato é sua. Dizia outro compadre.
- Tão ta bão, fica cumbinado anssim; sábado cêis capina minha roça e dispois eu dô a festa.
- Dispois do meio dia, né memo turma? Sábado a gente pode cansá munto não.
- ...
Falar no mundo de hoje que dinheiro não ajuda é “chover no molhado” como o próprio caipira fala. Mas em nosso grande interior ainda se acha grupos de pessoas que vivem na zona rural e com um conforto, como dizia meu pai; um pequeno conforto desconfortável. Vivem sem compromissos e quando se comparado a uma pessoa da classe média empregado nas grandes capitais, penso que esse tipo de gente está levando uma vida muito melhor. Fico imaginando eu, quando empregado em BH, dizendo a meu chefe que não trabalhava na segunda, terça eu tinho que pescar, quarta era dia da Santa Gertrudes, e na quinta...
E esse povo existe porque sou testemunho vivo disso. Depois do Lula então! A maioria deles quando convocados a um trabalho remunerado só respondem: “Trabaio pros oto mais não sô!"
JOSÉ EDUARDO ANTUNES