... O matuto Clarimundo e a Maria Fumaça!...

O matuto Clarimundo e a Maria fumaça!

Era quase seis horas, já se podia ouvir o badalo do sino da igrejinha, vinha seu Clarimundo, com seu pangaré aguado e seu traje brecheiro, suas botinas de goma, pito de paia atrás da orelha, tinha um facão embainhado e pendurado na braguilha da calça. Apeava de seu cavalo e procurava um moirão na cerca para amarrar “sua condução”. Seu andado era o famoso passo de pegar lobos.

Era um perfeito matuto. Ao chegar no arraial ia direto para a venda do Sô Nestor. Passava por lá para tomar uma cachacinha e gastar um dedo de prosa. E comprar as encomendas da mulher. Sua simplicidade intrigava a todos, pois, proseava diferente, conseguia ser estranho, não era só um homem simples do mato; tinha um problema na fala e já havia tentado de tudo para curar a mania. Mas fraco da cabeça ele não era, pois se casara, tinha filhos, cuidava dos seus afazeres e sabia fazer conta até de cabeça, ninguém passava ele para trás. Nem doutor nem curador, nem benzedeira dava jeito naquele falar diferente, pois, o homem falava tudo só que de diante para trás e de trás para diante.

Assim chegando à venda ele falava:

_Boa noite sô Nesto! Sô Nesto boa noite!

_O Sr. Nestor como todos no arraial conhecia a mania e já achava normal, apesar de causar uma fadiga danada aquilo, respondia:

_Boa noite, eu tô bão e o que vai querer hoje?

_ Ieu quero querosene, querosene eu quero! Respondia Clarimundo e continuava:

_Quero uma lamparina nova, uma lamparina nova eu quero!

_Quero chupeta pras criança, chupeta pras criança eu quero!

_ Põe uma pinga pra mim, uma pinga pra mim ocê põe!

_Quero um pinico ismartado, um pinico ismartado eu quero!

E assim ele fazia sempre; em casa, na lida na roça, na cidade e onde quer que ele fosse era desse jeito e ainda dava uns arranco na voz:

_ Quanto deu a conta, quanto a conta deu?

_ Pode pô tudo dendosaco, dendosaco pode pô tudo!

_Agora ieu vô simbora, simbora eu vô!

Chegava a casa e Clarimundo continuava a cantiga, pois, para quê falar duas vezes? Ninguém sabia. Chamava a mulher:

_ Dona Ana cheguei, cheguei dona Ana!

_truxe as encomenda, as encomenda eu truxe!

_Agora vou jantá, jantá eu vô!

_Dispois ieu lavo os pé, os pé eu lavo dispois!

_Iantes de deitá vô cumê mandioca cum café, café cum mandioca ieu vô cumê!

Até mesmo as crianças achavam graça do jeito esquisito que o pai proseava.

Mas isto ainda não foi nada! Certo dia Clarimundo ficou sabendo que já estava funcionando a linha férrea, e que a locomotiva, ou Maria Fumaça, andava nos trilhos, ia de uma cidade a outra, transportava coisas e até pessoas. Foi quando ele foi ao arraial para conhecer a novidade e matuto que era, tanto no jeito de viver, ser e falar, ele achou que a locomotiva precisava de alimento para andar nos trilhos, pois seu cavalo come milho e toma água, para depois ir a algum lugar, decerto que essa tal Maria fumaça também come pensou ele. Acordou antes do galo cantar, tirojejum e ombreando um saco de cinquenta quilos de milho caminhou por umas seis léguas e levou-o até a estação ferroviária.

Chegando lá desceu o saco dos ombros. Era visível seu cansaço, esbaforido sentou-se e ficou esperando o agente ou conferente da estação para contar que veio conhecer a Maria fumaça. E avistando o homem já vai falando:

_ Eu vim trazê milho pra Maria Fumaça!

_ Milho pra Maria fumaça eu vim trazê!

O conferente da estação vê que seu Clarimundo está enganado, é uma pessoa simples e ainda não sabe como é o funcionamento da Maria fumaça, e então resolve explicar que o milho não é necessário. E comenta:

_ Ô seu Clarimundo a Maria fumaça não come milho quinem cavalo e vaca!

_ Intão pru causdiquê ela anda! Ela anda pru causdiquê? Pergunta seu Clarimundo .

_ Se ela num cumê ela afroxa! Ela afroxa se num cumê!

_Quando ieu tô lá na roça ela passa correno! Correno ela passa!

_Que diachu de bichu esquisito! Bichu esquisito que diachu!

O conferente decide que não tem como explicar o funcionamento do trem e resolve deixa a coisa do tamanho que tá! E decide guardar o saco de milho, que foi trazido com tanta dificuldade. Enquanto isso ouviu-se o barulho da Maria Fumaça chegando à estação. Os olhinhos de seu Clarimundo brilhavam, ele fica de boca aberta, abobalhado de tanta emoção! E fala:

_ Que bichão bunito sô! Sô que bichão bunito!

_Um dia desse quero andá nesse trem! Nesse trem um dia quero andá!

Seu Clarimundo se despede e segue sua caminhada rumo a roça, satisfeito e emocionado. Pobre homem, quanta simplicidade e tamanha ingenuidade.

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Quem me contou esse causo foi meu querido e saudoso pai. E quando ele terminava de contar sempre ressaltava o quanto ainda existiam pessoas simples, sem maldade e totalmente ingênuas, como era o Seu Clarimundo.

maria meiga
Enviado por maria meiga em 28/03/2012
Reeditado em 28/03/2012
Código do texto: T3580935
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