O Cú da discordia, um fato real.

Na rua, apesar de seus 15 anos, já era o cara. Magro e alto, como o pai, nem de longe parecia ter a idade que tinha.

Quando não estava na escola vivia na rua jogando pião, soltando pipa e brincando de travinha com os meninos da vizinhança. Só parava quando tinha de ir para escola ou para almoçar.

Dedem era “o rei da rua”, um líder por natureza. Invejado pelos colegas e amado pelas meninas. Aprendeu desde cedo a fazer negócios. A casa dele era cheia de pequenos objetos que costumava angariar com seus rolos. Álbum de figurinha, bola de futebol, revistas e, até jogos eletrônicos. Ganhava tudo fazendo favores para os vizinhos e promovendo pequenas trocas.

Se gostasse de um objeto pertencente a algum colega, lá estava o Dedem prontinho propondo uma troca, ou algo parecido.

Ali estava um menino que tinha tudo para ser um grande comerciante. Tinha tino pra coisa o garoto.

O caso aconteceu num final de tarde, logo depois do jogo de travinha, no fundo do quintal da casa de dona Rita, uma vendedora de cuscuz sessentona que morava cinco quarteirões depois da casa do Dedem.

Era tempo de caju, e ali havia muito. Amarelo, laranja, encarnado; doce; enfim, de todo o tipo, mas, a meninada gostava mesmo era dos mais azedos porque dava pra comer com sal e pimenta do reino.

Dedem, com uma baladeira, mirava nas pipiras que “caiam de pau” num caju madurinho quando apareceu Zezinho, o filho do quitandeira da rua.

Era um ano mais novo que Dedem. Franzino e delicado parecia um corredor de maratona. As pernas eram longas e os pés grandes.

Zezinho admirava o jeito solto e destemido do Dedem, principalmente a habilidade que tinha de subir em árvores.

Rapidinho chegava ao topo das mangueiras e cajueiros e do alto ficava jogando nos colegas as castanhas e os caroços das mangas que consumia. Zezinho não tinha essa habilidade. Morria de medo de subir e cair.

Naquela tarde o filho da quitandeira olhou para o alto do Cajueiro onde Dendem tentava acertar as pipiras e mirou um caju daquele bem vermelhinho. Era bem grande o danado.

Com água na boca, foi logo dizendo para o Dedem: “Tô com uma vontade de comer aquele caju. Pena que não sei, e não tenho coragem de subir, lá”

Dedem ao ouvir aquele lamento viu, logo ali, uma oportunidade de negócio. Podia rapidinho subir no cajueiro apanhar a fruta e dá-la ao amigo, mas, aí era fácil demais. Tinha de haver algo em troca.

“Se eu pegar o caju pra você o que ganho em troca? Perguntou o “dono da rua” ao delicado Zezinho que olhou surpreso para Dedem.

“Bem, aqui não tenho nada. A não ser, disse ele brincando, se eu te der meu cu”.

Zezinho falou brincando, mas Dedem aceitou de pronto o negócio, e num piscar de olhos, numa velocidade que nunca tinha empreendido antes, estava no topo do cajueiro e com o caju na mão gritou “ segura, vou jogar, não deixa cair”.

Zezinho recebeu a fruta que de tão grande e suculenta quase lhe escapa das mãos e, vai ao chão. Nem lavou na gamela d’água ali perto e foi logo levando –a à boca. Sequer, por educação, ofereceu um pedaço a Dedem.

Zezinho ainda se deliciava com o último pedaço da fruta quando percebeu Dedem, com os olhos arregalados olhando para ele. Um olhar mais atento do moleque e este percebeu um volume se formando no calção do amigo. Foi aí, que se lembrou do compromisso feito.

“Será que ele levou mesmo a sério a história do cu”? Questionou em pensamento, já com o coração a mil por hora. “Preciso agir rápido senão vou me lascar todinho. Ele é maior e mais forte do que eu” divagou Zezinho, tentando articular uma saída.

Zezinho vendo o perigo que corria não pensou mais em nada. Devagarinho, sem que o outro percebesse, tirou os pés das sandálias e, antes da última chupada no caju, “o rabo foi um rei”, como se diz no interior do Nordeste. Correu como nunca na vida sendo perseguido por Dedem que gritava aos pulmões : “compromisso é compromisso. Prometeu? Agora eu quero teu cu filho de rapariga”.

Zezinho só teve sossego quando, quase já sem fôlego, entrou em casa indo parar na cozinha onde a mãe preparava a janta.

“O que foi, meu filho?”

“É o Dedem, mamãe ele quer comer meu cu!”

“Como é que é. Que história louca é essa, menino ?”

Ainda com o coração batendo forte, Zezinho contou toda história à mãe.

”Não sabia que ele levava as coisas tão a sério. Mãe, e agora o que faço” ?

E lá se foi a mamãe de Zezinho conversar com Dedem que, como um boi bravo, ficou na porta indo de um lado para outro, a sussurrar: “marrapá, ele vai ter que pagar. Não quero nem saber. Quero o cu, que ganhei.

“Que coisa doida é essa, menino!” Gritou a mãe de Zezinho.

“A senhora devia ensinar seu filho a cumprir com os compromissos dele !”

“Foi só uma brincadeira, Dedem! ”

“Brincadeira, nada. Eu não vou sossegar enquanto o Zezinho não pagar o que me deve! ”

O fim da história?

Bem, o fim da história, é que Zezinho ficou mesmo sem pagar o que devia a Dedem. Para se livrar do assédio do colega passou dois meses sem brincar na rua e à escola só ia acompanhado de um parente.

O tempo passou, Dedem se tornou um próspero homem de negócio. Zezinho herdou as terras de um parente distante e virou fazendeiro num município longe de sua cidade. Os dois nunca mais voltaram a se encontrar.

Dedem continuou na cidade e sempre que pode relembra, inconformado, de um dos únicos negócios que fizera na vida em que o devedor não cumpriu com sua parte.

elson araujo
Enviado por elson araujo em 27/03/2012
Reeditado em 08/06/2020
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