Rezar no cemitério! Duas meninas, um enterro e o destino.

Eram meados de outubro, o relógio marcava treze horas, sol escaldante, Maria e Silvia se encontram na travessia da linha do trem, pois, logo ali em frente ficava o cemitério e as duas meninas resolveram ir rezar no túmulo de uma mulher muito conhecida, a Lilia que foi assassinada pelo ex-marido em uma emboscada. Todos da cidade ficaram chocados com o crime e diziam que sua alma era milagrosa. As duas meninas estavam com as notas ruins, precisando de uma ajudinha para passar de ano.

Chegando ao cemitério, foram procurar o túmulo da Lilia e não foi muito difícil de achar, pois este estava cheio de velas, era singelo mais muito visitado. Ali rezaram as duas, cada qual com seu pedido, sua prece, pois, estavam ansiosas e desejosas para serem aprovadas. De repente Silvia comenta:

_ tomara que a arma da Lilia me ajudi a passá de ano, a mãe falô que vai dobrá meu sirviço, num vai nem sobrá tempu pra brinca! E tomém vai me pô de castigo ajueiada nos bago de mio! Curuis credo! Foi quando Maria preocupada falou:

_ Deus e a arma da Lilia me ajudi tomém, causdiquê a mãe falô que tomá bomba é muitu triste! O pai danô quandu viu meu buletim cheim de nota vermeia e o meu castigo é qui mun vô podê sisti tilivisão na casa da D. Ana e cuá nóis inda num tem tilivisão lá in casa! É bão dimais vê o firmi do Tarzan e do Daniel Boone! As duas estavam conversando quando Silvia teve uma idéia:

_ Vamu panhá umas frô nus otu tumulu e pô aqui no tumulu da Lilia pra mode ela ficá satisfeita cum nóis e atendê nossu pedidu?

_ Ieu tenhu medo dos difuntu achá ruim e dipois ir lá em casa pra mode puxa meu pé, credo! Ocê num tem medo não? Tô inté ripiada só de pensa! Vamu simbora!

_ Ô sá dexa de sê bobona Maria, issu num conteci não, os difuntu já tá mortinhu, e interradu e ezi num vai ridicá frô não! Tem uns tumulu bunitu dimais, cheinhu de frô qui os parente prantô, é só nois tirá uma aqui, ota acolá, é só nois pidi licença, cum iducação, intão vamu cumeçá?

Maria meio acanhada no início, mas logo ficou esperta e acompanhava Silvia. As meninas entreterão colhendo flores nos túmulos e colocando no da D. Lilia e quando já não cabia mais, elas entusiasmaram e resolveram colocar flores nos outros túmulos que também estavam “sem graça.” Elas faziam assim:

_Licença, só vô panhá uma frozinha viu! Ocê têm um tantão, é pramode infeitá os tumulu que num têm frô, num fica cum raiva não viu!

Dizia Silvia, já arrancando algumas margaridas, cravos, lírios brancos e aqueles amarelos, eram os que mais tinham nos túmulos mais ricos, ou mais bem cuidados pelos parentes.

De repente Maria nota que entraram alguns homens no cemitério, carregando alguma coisa ou alguém numa colcha e foram para o necrotério. Ela avisa para Silvia que estava com os braços cheios de flores. As meninas passaram a observar e viram que os homens foram embora, mas com as mãos abanando. E decidiram ir ver de perto o que estava acontecendo. Silva decide:

_ Maria vamu lá na casinha perto da cruiz das arma pra nóis vê o que é aquilu que os homi dexô lá?

_Deus o livri! Num queru i lá não! A mãe já mi contô que lá fica difuntu iantis de interrá, ieu tô quereno i simbora e tombém tenhu medo, a dispois de noiti ieu num drumu e inda mijo na cama! Ocê tá doida!

_Larga de sê medrosa, nós têm que discubri o que aquês homi dexô lá!

Retrucou Silvia já arrastando Maria em direção ao necrotério; e está num teve escapatória e seguiu a amiga.

Chegando lá, a porta estava aberta e o lugar era um cômodo pequeno cheio de cruzes, latas de tinta, placas com nomes, enxadas, enxadões, tudo amontoadas num canto; era fétido e tinha uma espécie de mesa no centro, feita de cimento, onde havia um corpo de um rapaz que aparentava dezoito a vinte anos, negro, com as calças de tecido de algodão enroladas até ao meio da canela, estava sem camisa e com o sinal de uma facada no peito; e este estava ladeado por dois coveiros. As duas meninas ficaram estarrecidas, tremendo e com os olhos arregalados, segurando uma na outra, mas não saíram correndo, ao contrario ficaram ainda mais curiosas e começaram o interrogatório aos coveiros:

_ Ó moço! Licença? Ó seu covero esse homi ai tá mortu? Quem matô ele? Perguntou Silvia.

_ Claro! Disse um dos coveiros, cê num tá veno?

_ E quem é eli, cumu qui si chama? Ondé qui foi a briga? Pruquê arguém matô eli?

_ Ninguém sabe quem é este rapaz, ele foi encontrado morto em um matagal na zona rural, não tem documento, e nenhum fazendeiro nos arredores o reconheceu como seu pião. Ele é indigente. Explicou o coveiro a menina curiosa e já foi avisando:

_ Já fais um tempão que tô vêno oceis duas tiranu as frô dos tumulu, oceis trata de i simbora, aqui num é lugar de criança ficá! E nois inda tem que furá a cova pra mode interra o difuntu.

Assim os coveiros saíram com os enxadões nas costas e foram fazer a cova, mas as meninas ficaram ali olhando o corpo do rapaz e começaram as indagações:

_Será quem é a mãe dele, o pai dele, tadinho! Será pruquê mataro eli? E agora num tem ninguém prá mode ir no interru deli, e ninguém pra chorá pruquê ele morreu!

Disse Maria pensativa mas já querendo ir embora, quando Silvia fala:

_ Quem disse que num têm ninguém pra i no interru? Nóis vai, uai! Mode quê nóis já tá aqui memo, e num custa nada fazê caridade, ocê num acha Maria?

_Háaa ieu quiria i simbora, hoji ieu tô pirdida num vô cunsegui drumi, ai minhanosinhora, já robeno frô nos tumulu! Agora tô venu esse difuntu! Mais ocê num vai querê fica sozinha nessi interru, vai?

_ Claru qui não, nois vei junta e é junta que nóis vai simbora! E oia lá! Os homi já lenveim, disertu já furaru o buracu! Podi dexá que falu preles que nóis que vê interrá o difunto.

Disse Silvia tomando a frente na decisão de convencer aos coveiros que queriam ver o enterro do indigente. Os coveiros estes não se opuseram já sabendo que as danadinhas não dariam sossego. Estavam doidos para terminar o serviço.

Assim foi feito as duas meninas acompanharam os coveiros e após o rapaz ser colocado no buraco e tampado de terra, as duas amigas resolveram cobrir de flores a cova do indigente, que segundo elas, não tinha ninguém para ir a seu enterro, nem sequer quem chorasse sua ausência. As meninas chegaram a refletir que alguma coisa boa aquele rapaz havia feito na terra pois, ele teve no seu enterro duas crianças inocentes.

Ouviram o grito de um dos coveiros:

_ Anda ai mininas que nóis já vai fechá o cimintéru já é quatru hora da tarde, dipressa, ou ocêis tumbém quê drumi aqui?

Maria e Silvia correram em direção ao portão do cemitério, estavam cansadas, e com a mente cheia de estranhos pensamentos, achavam que jamais em suas vidas teriam um dia daqueles. Tinham que ir embora depressa, para chegar em casa e contar aos pais o acontecido.

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Dedico esse conto a minha amiga de infância Silvia que mora em Bambuí-mg, esse fato aconteceu com nós duas e não sei se foi o acaso, destino, ou coincidência, mas nossas queridas mães foram enterradas no mesmo dia (25/08/2008) só que trinta e seis anos depois deste dia que fomos “rezar no cemitério”. Resolvi escreve esse digamos “conto”, mas foi verídico! Porque o considero no mínimo inusitado. E para mim marcou para sempre.

maria meiga
Enviado por maria meiga em 22/03/2012
Reeditado em 06/08/2020
Código do texto: T3569306
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