ZECA NEGUINHO, QUE ERA LOIRO E SUAS COMIDAS.

ZECA NEGUINHO, QUE ERA LOIRO E SUAS COMIDAS.

Naquelas bandas, lá pro lado do rio Iguaçu onde estavam fazendo a barragem do Salto Ozório, o Zeca Neguinho, que por sinal era loiro vivia de alguns “biscates”, do tipo de roçar pastos, concertar cercas, ajudar na capação e até apagar fogo, como aconteceu naquela tarde quando o fogaréu tomou conta de uma plantação de milho, já no ponto de colheita. O que restou foi um mundéu de milho queimado e alguns que até pareciam pipoca. Mas salvaram o milharal.

Uma das preciosidades de Zeca Neguinho era o seu dom para inventar comida. De tudo que lhe dava ele transformava em comida. Um dia voltando de uma de suas caçadas, estava limpando uns seis mutuns quando o delegado chegou. Conversa vai, conversa vem, para encurtar o papo acabou aprendendo a espingarda e os mutuns. Deixou Zeca Neguinho sem o seu instrumento de defesa e sem comida. Restarão tão somente as tripas dos mutuns. Pacientemente, pegou uma faca fina e afiada. Um pedaço de galho seco foi tirando a casca e fazendo uma fisga na ponta. Separou a tripa fina da tripa grossa. Enfiou o galho em uma extremidade da tripa grossa e foi virando pelo avesso. Lavou, lavou até ficar bem limpinha. E assim foi fazendo com todas as outras tripas.

Olhou bem para ver se não tinha nenhum verme. Não tinha. Colocou na gamela com bastante suco de limão caipira ou mais conhecido como limão rosa juntou um pouco de sal grosso que usava para o gado e coentro. O fogo já no ponto, ou melhor, as brasas estavam no ponto. Espetou as tripas e as colocou para assar. À medida que pingava a gordurinha o ar ficava mais cheiroso. Experimentou um pedaço. Um gole de cachaça. Mais um pedaço e assim se foi toda a tripa grossa dos mutuns. E lógico, boa parte da cachaça. Dali para diante, Zeca Neguinho não perdoava. As tripas grossa de galinha, mutum, jacu, jacutinga tinha um lugar reservado. Em especial para um aperitivo. Desculpa para tomar uma branquinha, acompanhado de uma pimenta ardida.

Certo dia Zeca Neguinho topou uma empreitada para roçar um pasto de coloninha. Arrumou as traias e se mandou. Não lá muita coisa, uns 40 alqueires. Contratou três companheiros, montou acampamento e em especial a cozinha. Acampamento ás margens do Iguaçu. Linha de espera, covo e rede. Era tudo o que queria. Trabalho, cozinha e pesca. Quando voltava pela tardinha, dava uma espiada no rio. Porunga apoitada e balançando. Um dourado, como que pesando 6 quilos. Bicho brigador. Qual ouro, quando refletia o restinho de sol do dia que estava indo dormir.

Bicho com a barrigada limpa. Folhas de bananeira. Dourado para ser temperado. Limão uma metadinha só. Vai pingando aos poucos e espalhando com a mão. Sal grosso, aquele de boi. Coentro verde rasgado com as mãos. Na horta da fazenda tinha alfavaca, manjericão, cheiro verde, da onde tinha trazido para uso diário. Rasgou também a alfavaca, o cheiro verde e o manjericão. Rodelas de cebolas e de tomate. O dourado aberto pela barriga, ficou que era um colorido lindo. Verde, vermelho, branco e também amarelo. Para ficar amarelo, jogou um pouquinho de colorau. Seis camadas de folhas de bananeira e o dourado repousando em cima. Não escamava, não. As escamas protegiam contra o calor forte. Grelha, brasa, folhas de bananeiras e o dourado. Coisa mais linda. Volta para o rio, dá uma espiada, aqui outra acolá e umas quatro traíras. O cheiro toma conta do acampamento. Começa a borbulhar pelos lados. É hora então de colocar o que mais dá gosto. Banha de porco. Com um cuidado quase que cirúrgico, vai esparramando aos poucos a banho. Primeiro de um lado. Depois do outro.

Quando a banha estava toda derretida, então o cheiro ficou divino. Não mais que quarenta minutos o dourado estava no ponto. Arroz e dourado. E precisa mais alguma coisa? Já no final do dourado, uma luz aponta. Uma não duas. O Toyota Bandeirantes vem com o dono e a dona da fazenda, para trazer uma encomenda: limas para afiar as foices e os facões. Que cheiro é este Zeca Neguinho? Dourado na brasa, ta servida dona? Lógico que estou. Prato lavado, garfo e faca lavada. A senhora quer que sirva ou quer se servir? Deixa que me sirvo. Os olhos de Zeca Neguinho estavam quase que saltando de tanta curiosidade. Um tanto, mais outro e mais outro. Escuta aqui Zeca Neguinho, além de roçar pasto, você sabe muito bem fazer um dourado na brasa. Me dá a receita. Mas... dona!!! A receita é assim.

1 dourado de uns 6 quilos;

2 cebolas grandes, cortadas em rodelas;

3 tomates grandes, com semente e pele, cortados em rodelas;

Meio limão rosa (limão caipira);

Sal grosso, deste que dá pros boi;

Cheiro verde;

Coentro;

Alfavaca e manjericão;

Colorau.

Banha de porco.

A senhora, abre a barriga do bicho. Não carece escamar o bicho, deixa as escamas. Tira toda a triparia. Lava bem. E aí então a senhora vai gotejando o limão e passando com a mão. Depois passa o sal e deixa descansar até a senhora rasgar com as mãos os temperos de folha verde e ter cortado as cebolas e os tomates. Aí então a senhora, lava bem umas seis a oito folhas de bananeira, coloca o dourado em cima e leva para a grelha, quando o brasido estiver bem vermelho. Não economiza, não no carvão. Quando começar a fazer umas bolhinhas nos lados, a senhora coloca colorou, para ficar amarelado. E mais depois então vai colocando aos pouquinhos banha de porco. Não leva uma hora de fogo. É só servir. Mas a senhora tem que servir como tá aí. Na grelha, senão despedaça todinho.

E assim era a vida de Zeca Neguinho.

Um dia roçava um pasto. No outro ajudava a vacinar a boiada. Quando chovia, ia pescar ou caçar. Nas noites de sábado sempre era convidado para alguma festinha. Quando não um casamento. Mas os convites na realidade eram com segundas e terceiras intenções: cozinhar. E era a coisa que mais gostava.

Um dia na saída da missa, ficou conhecendo o novo padre. Meio velhinho, abatido e com uma cara de cansado.

Seu padre emendou Zeca Neguinho, o senhor tá com uma cara de falta de sustância.

Não quer ir almoçar lá no meu sitiozinho? Eu vou prepara uma comida que o senhor vai ficar forte, qual o touro lá da fazenda do seu Mezaroba. Touro? Desculpa seu padre, mas é moda de falar.

Quando o senhor for lá em casa eu vou preparar uma vaca atolada, que o senhor nunca comeu na vida.E o padre, ficou a pensar: forte como um touro e comer vaca atolada....

Romão Miranda Vidal.

romaovet@uol.com.br

ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 23/01/2007
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