Ceva de piau

       
Num desses dias de muita chuva e pouca gente aqui na Vendinha, recebi uma visita que, havia muito, não aparecia. Chegou, foi entrando sem cerimônia, e já debochando de mim:
 
      - Uai Seu Zé, o senhor ainda por aqui? - perguntou, como se estranhasse o fato de me encontrar vivo.
 
     Ignorei o deboche e abracei o visitante, dando-lhe as boas vindas. Era o Mena Prata, que não é meu parente, e, nem nós dois o somos dos pratas burgueses e de nariz empinado da região. Aliás, diga-se de passagem, a nobreza quer, mesmo, é nos ver pelas costas. Acreditam que pela nossa origem plebéia, somos indignos do sobrenome.
     Caía uma chuvinha fina, quando o Mena se foi. Sozinho, apreciando a chuva, garrei a matutar com meus botões sobre nossas antigas peripécias e me lembrei de uma pescaria que fizemos juntos:
     O Mena possuía uma ilha no Rio Grande, que depois foi inundada não sei por qual represa. Lá ele tinha uma casinha com um pequeno pomar que hoje, certamente, seria chamada de rancho, coisa desse detestável modismo americanizado. Na parte de baixo da ilha, onde os braços do rio se reencontravam num rebojo manso, meu amigo fez uma ceva de piau. Para manter a ceva, Mena comprava milho, aos carros, nas fazendas das vizinhanças e depois de debulhado e ensacado em saco furado, ele jogava, generosamente, nas profundezas do rebojo. Pescar ali era privilégio de poucos e certeza de muita fartura. Entretanto, daquela vez não foi bem assim.
     Chegamos ainda cedo, apoitamos a canoa e metemos os anzóis na água, ansiosos por uma boa fisgada. Mena estivera fora, viajando algumas semanas, o que aumentava sua ansiosidade. Anzóis na água, sol esquentando e nada de peixes. Horas depois, a ansiedade deu lugar ao desânimo e às reclamações. Finalmente, com o sol já a pino, um canoeiro conhecido aproximou-se e prosa vai prosa vem, o homem segredou que o caseiro de Mena, que acreditava que dar milho para peixe era uma besteira, havia comprado uma manada de leitões, piaus de focinho curto, uma belezura, e, estava tratando da bicharada com o milho do patrão. Meu amigo ficou fulo! Ironicamente, quando olhamos para a praia às nossas costas, a leitoada estava lá. Mena recolheu sua linha aos arrancos, trocou o anzol por um daqueles grandões, de pescar dourado, iscou meia espiga de milho e arremessou em direção à porcada. Foi a conta de cair na areia. Os leitões habituados ao trato avançaram em disputa. Quando um deles mordeu, Mena fisgou com toda a força de sua ira e enquanto girava a manivela do molinete, possesso, gritava entre gargalhadas de ódio:
 
      - Não é piau, Seu Zé!? Não mordeu o anzol? Então vai pra frigideira!
           
     O leitão, pobre coitado, bacorejava e esbirrava as quatro patinhas, deixando atrás de si sulcos na areia, testemunhas de uma luta inglória ante a fúria do malfadado pescador.