O AÇOUGUEIRO E O ADVOGADO
- Tarde cumpade.
- Tarde.
- Já que hoje é dumingo, bamo na missa?
- Vô não cumpade.
- Ce tá virano ateu cumpade?
- Deus que mi live sô!
- Antão bamo na missa!
- Num guento mais quele padre caquela pidição.
- Isso é verdade, eta padre pidão!
- Bamo lá no boteco do Zé do Golo pra nóis contá uns causo!
- Antão bamo, de noite eu rezo um terço...
E lá se foram os compadres para o boteco onde a prosa predominante era sobre um advogado que pegou uma causa sobre um “quiabo” numa venda de terras e a demanda não acabava nunca. Já fazia vinte anos da demanda e cada uma das partes conflitantes vendia um pedaço da mesma terra para pagar seus respectivos advogados. Sendo todos os envolvidos da mesma região, com parentes no dito boteco, os ânimos estavam acirrados.
- Essa demanda só acaba no dia que acabá as terra. Dizia um.
- Êta divogado imbruião. Dizia outo.
- Inté parece que inté o Juiz ta pos meio. Dizia um terceiro.
- Quem mandô o Zé da Catira quiabá!
- Mais o coroner feiz ele assiná os paper quando tava tonto!
- E o coroner comprô barato e inda num pagô!
- Mais o divogado depositou no tar do juízo.
- Sei não...
- Tão falano por aí qué diferente...
- Cumo anssim?
- Quele divogado comprô casa nova, carro novo...
- Será que os cobre tá é quele?
- Antão é tava...
- ...
E a tarde inteira foi aquela “pelenga”, motivo pela qual os dois compadres resolveram ir embora depois de tomar umas branquinhas. No caminho, iluminados pela lua, a prosa continuou:
- Esse tar de divogado é duro de ruê, hein cumpade?
- Fala não...
- Sabe quela história do açoguero e o divogado?
- Sei não...
- Diz que o açoguero topô co divogado na fila do banco e priguntou:
“ - Posso fazê uma consurta, dotô?
- Claro, respondeu o divogado.
- Se um cachorro intrá no meu açogue e carregá um pedaço de carne quem tem que pagá?
- O dono do cachorro.
- Sinhô tem certeza dotô?
- Claro, tá na constituição.
- Antão o sinhô me deve vinte reais.
- Por quê?
- Foi seu cachorro que intrô no meu açogue.
- Devo não.
- Deve.
- Estou falando que não devo.
- ...
- O senhor que me deve oitenta reais porque cobro cem reais por cada consulta.
- ...
JOSÉ EDUARDO ANTUNES