O roubo das rosquinhas
O roubo das rosquinhas
Dona Geni estava velhinha, maltratada pela vida dura de trabalho, miséria e servidão, que levara. Aos oitenta e tantos anos, já não era tão independente como outrora, e vivia pela casa dos filhos, sentindo-se como se intrusa fosse.
A Belinha, sua filha do meio, tinha um carinho especial por sua mãezinha, e queria sua mãe morando com ela definitivamente. A Cláudia, a filha caçula, a procuradora legal, não consentia, alegando que a casa da irmã não dispunha de espaço suficiente para abrigar a idosa com conforto, argumento este muito estranho, pois ela mesma residia em um minúsculo apartamento de dois quartos, junto com o marido dois filhos, a nora, o neto, o papagaio, dois cachorros e algum animal de estimação a mais, que acabei me esquecendo com o passar do tempo. O outro filho o Pedro não opinava, e a filha mais velha a Creuza, morava há mais de trinta anos na Europa. Além de receber a pensão da velhinha, Cláudia ainda reunia o dinheiro dos outros irmãos para custear os remédios e outras coisas necessárias para a manutenção da mãe.
Na casa da Belinha, a velhinha era mimada. Toda hora a filha lhe fazia uma laranjada, dava-lhe biscoitos e outros pequenos minos, que deixavam a Dona Geni, satisfeita, mas não feliz, pois ela tinha predileção pela Cláudia, mesmo sendo maltratada, xingada, até mesmo espancada pelo genro alcóolatra ela não aguentava ficar longe do seu suplício. A Belinha tinha uma empregada chamada Carla que era muito gulosa. Certa tarde, a Belinha abriu um saco de rosquinhas de coco, colocou em cima da mesa de café e deu um monte de rosquinhas para a mãe, fez o mesmo com a Carla, e saiu para o terraço, onde tinha um pequeno ateliê de costura.
Meia hora depois, ao descer, Belinha foi chamada num canto por sua mãe, que relatou o que tinha acontecido. Explicou por gestos que a Carla tinha roubado todas as rosquinhas que a filha lhe dera, e comera escondido no quartinho dos fundos. Belinha, não quis acreditar que sua empregada fosse tão má, e achou que sua mãe estava implicando com a moça. Achava que sua mãe velha mãe estava ruim das ideias. Dona Geni, comentava bem baixinho para a filha: - “Cuidado com esta moça! Você parece que está cega, e não vê o que ela apronta quando você está longe”. A Belinha retrucava: - “Mamãe, a senhora implica com tudo e com todos. Eu não posso ficar sem a Carla, ela faz o serviço de casa, enquanto eu costuro.” E a velha senhora falava: - “Deus queira que ela não faça pior, pois quem rouba biscoitos de uma velha, pode roubar qualquer coisa, porque ela não pegou mais rosquinhas no saco?” Belinha nem dava ouvidos.
Dona Geni voltou para o apartamento da Cláudia, mas não se esqueceu do ocorrido. Numa segunda-feira pela manhã, ao procurar o dinheiro que guardara no armário, recebido das freguesas no sábado, Belinha levou um susto. O dinheiro sumira. Revirou o armário de ponta a ponta, fez uma verdadeira busca, nada encontrando. Telefonou para o Juvenal, o marido, ele disse não saber de nada, falou com a Nilda a filha, e o filho Mateus, ninguém sabia do dinheiro. Já estava na hora de fazer o almoço, foi para a cozinha falar com a Carla. Estranhou não encontrá-la lá. Chamou pela moça pela casa toda, sem resposta. A casa estava silenciosa, somente os latidos persistentes da cachorra no quintal podiam ser ouvidos. Carla não estava em casa, saíra sem fazer barulho. Belinha pensou que ela tinha ido ao mercado, comprar alguma coisa para o almoço, mas não se lembrava de ter pedido a Carla. Os minutos passaram, a hora do almoço chegou e a Carla não voltou. Belinha estava assustada com o sumiço do dinheiro e a saída de Carla.
Doze anos depois, a Carla voltou. Tocou a campainha, Belinha atendeu. Custou a reconhecer a moça morena e forte que trabalhara em sua casa e sumira sem dar vestígio. Ofereceu-lhe uma das cadeiras da varanda para a moça sentar-se, e começaram a conversar. Belinha não comentou o estado geral de Carla, parecia outra pessoa. Magra, maltratada, cheia de cicatrizes no rosto e muitos hematomas. Chorando, contou sua triste história. Fugira como Carlinhos, aquele que era vigia na portaria de um prédio perto dali. Ele era um “cabra” maligno, e a obrigava a fazer de tudo para sustentá-lo. Ele largara a família e quatro filhos para ficar com a Carla, por isso ela devia ajudá-lo. Contou muitos episódios de sua vida errada, e suas lutas para ficar ao lado de um homem que a escravizava, e maltratava. Chorou em muitos pedaços, até confessou para a Belinha, que ela tinha levado o dinheiro que sumira do armário. Tinha sido tentação do momento, na verdade não roubara, pegara emprestado, e sempre teve vontade de pagar o que havia subtraído, mas a vida corria e ela nunca tinha oportunidade. Agora estava doente, não tinha mais onde morar, pois o Carlinhos fora embora com outra mais nova e a casa tinha sido tomada pelos traficantes da comunidade onde ela morava. Belinha tinha que ajudá-la. No passado, tinha sido boa patroa, a tratara muito bem, na sua casa ela tinha até aprendido a ler, escrever, fazer contas.
Belinha não sabia o que pensar, estava paralisada com tudo o que Carla lhe contou. Quando Carla perguntou-lhe; - “E a Dona Geni, ela ainda está viva? Lembro-me dela, falava pouco, mas prestava atenção em tudo.” Naquele instante, um raio de lembrança cortou o cérebro de Belinha e ela recordou do conselho da mãe: “- Cuidado c om esta moça”. Imediatamente, Belinha desconversou e deu um jeito de despachar a Carla.
Alguns dias depois, quando estava com sua cachorrinha Titã no Cão Belereiro, encontrou com a Leonor, a Fátima e a Valéria. Enquanto esperavam os respectivos “pets” serem atendidos, ela ficou sabendo de muitas novidades, inclusive que tinha acontecido um verdadeiro “arrastão” em algumas ruas de seu condomínio e a polícia conseguiu prender alguns do bando, entre eles, estava o Carlinhos, e a Carla, que tentara se esconder em alguma casa, mas na fuga, acabou sendo pega na rua já fora do condomínio. Era uma gang, especializada em assaltos a condomínio por aquela região.