Esse idem, idem, eu não tenho não senhor!!!
Durvalino, era um sujeito humilde, simples, semi-analfabeto e trabalhava na expedição de uma fábrica de Tecidos que conheci bem no inicio da minha carreira profissional, quando me apaixonei pelo ramo têxtil. E olha que ser semi-analfabeto naquele tempo era bem mais dificil, porque hoje com sistemas avançados de códigos de barras, computadores que fazem tudo por você, a margem de erro é bem menor. Num tempo em que os empregos eram fartos, a dificuldade era enorme para arranjar um separador de mercadorias (carregador de peças empoeiradas, etc) e conciliar com a função de anotador para confecção de um pré-romaneio?
Era naquele tempo, como todo funcionário de uma grande empresa, é até hoje funciona assim, um cidadão de limitados conhecimentos, sofrível inteligência, mas esforçado. Quesito honestidade, nem pensar: inquestionável.
Era do tipo pontual sempre, e podia chover canivete, Durvalino, chegava sempre na hora e marcava o ponto. E nas eleições de operário padrão sempre foi candidato em potencial.
Se ganhou ou não, alguma vez, nem me recordo, mas que merecia, isto sim, merecia.
Faltas, nem por doença grave. Durvalino apesar de pobre, foi criado no interior de Minas comendo muito angu e assim não sabia o que era uma enfermaria ou um atestado médico e tinha portanto o perfil ideal, dedicado ao trabalho e responsável demais o que o impedia de fazer alguém supor que ele pudesse fazer algo errado, como solicitar um atestado médico pra ficar “escovando urubu”.
E assim e foi admitido inicialmente para transportar aqueles rolões grandes de tecido estampado e tinto, da sanforizadeira, para os tribunais. Classificados os tecidos e embalados e com etiquetas, Durvalino os levava em carrinhos menores de quatro rodas e que empurrados manualmente, até as prateleiras. As peças, ainda enfestadas naquele tempo, pois ainda se vendia muito para varejistas, eram cuidadosamente empilhadas nas prateleiras para depois alguém fazer o atendimento dos pedidos.
Mas Durvalino um dia, após 3 anos dessa rotina enfadonha de ficar todo dia fazendo a mesma coisa, arrastando rolos grandes e carrinhos de pano pelo deposito, se deu conta que a encarregada (chefe da expedição) sempre se aproximava dele e dava ordens expressas: Puxe aquele carro do fustão desenho de moranguinhos, na frente dos outros, pois tenho ordens para atender um pedido de um cliente urgente e faturar hoje ainda.
E assim ele, por conta própria decidiu tomar algumas iniciativas e antes de iniciar seu trabalho, perguntava antes à encarregada, qual a prioridade do dia.
Ganhou “pontos”, foi chamado pelos colegas de puxa-saco, caxias, sei lá mais o que, e assim, o que nem ele esperava aconteceu, foi promovido a separador de mercadorias e deixava aquele serviço mais pesado e cansativo para outros e ganhava um pequeno aumento de salário.
Um belo dia, a encarregada não estava e ele decide continuar mostrando que precisava executar sua nova função com a eficiência que lhe fora confiada:
Telefona para mim, no Depto de Vendas(eu tinha a função de gerente geral de vendas) e diz:
Sr. Luiz, estou com o pedido do cliente tal e o fustão desenho 590000, var. um, é o único que eu tenho pronto. O sr. Pediu urgência e e não tem mais nada pronto e a minha chefe não está aqui, o que eu faço?
– Eu disse: Como assim(?), passei por aí hoje cedo e vi todas as estampas rodando nas maquinas e além disso tem estoque mesmo independentemente da entrada produção nova. Esbravejei, fiquei nervoso, desliguei o telefone e liguei pros gerentes dos depositos pra saber qual deles havia retirado mercadorias da fabrica sem minha permissão e todo mundo negou que não faria isso de forma alguma.
- Foi então que eu resolvi ir lá na expedição pessoalmente e conferir no armazem geral e foi quando vi o Durvalino se aproximando e dizendo feliz que talvez tenha a solução: E lascou:
Sr. Luiz, realmente todas essas estampas ficaram prontas no Fustão, mas esse outro produto que consta aqui no pedido nas linhas de baixo, esse tal de “idem idem” eu não conheço, mas se o sr. autorizar é um produto bem parecido, eu atendo o pedido.
Pra não deixar o moço dedicado, com complexo de inferioridade eu olhei pra ele bem aliviado e me esforçando pra não fazer uma cara de zombaria, disse a ele:
Durvalino, boa idéia, como é que eu não pensei nisso?
Pode aviar o pedido colocando o fustão no lugar desse idem idem.
E ele, mais uma vez com excesso de zelo, me respondeu. OK, Sr. Luiz, se o Sr. autoriza..., mas por favor pode alterar aqui no pedido pra mim por escrito, pois a Dna. Sarita pode chegar ver isso e me xingar. Pasmem, tive que escrever no pedido e assinar.
Moral da história:
Naquele tempo a esperteza de encarregados de fábricas, na parte industrial (nem todos, claro, agiam assim) tinha uma característica que de um modo geral, emperrava uma melhor eficiência do setor que chefiavam, porque geralmente os funcionários mais competentes ou inteligentes, eram preservados em funções de menor importância.
Por via das dúvidas melhor ocultar talentos ou pessoas mais experientes, para não correr o risco de perder a chefia e era muito comum, um encarregado sair de férias e não haver alguém (pelo menos visível aos olhos da administração) que pudesse substituir à altura.
Tipo assim, não saia de férias, pra ninguém perceber que você não faz falta.
E num é que até hoje, a coisa funciona assim?
Eta mundão danado, sô !!!
Luiz Bento Pereira, conta esse causo
Foi Gerente Nacional de vendas da antiga Cia.Textil Santa Elisabeth de Contagem - MG. (1968 a 1985)