A VINGANÇA
A VINGANÇA
Matilde sonhara com o primeiro namorado, em circunstâncias diferentes de sua vida. Jamais conseguira esquecê-lo. Quando pensava que ele tinha sumido de sua memória, encontrava-o em seus sonhos. Era amargo relembrar a partida, o navio apitando no porto, anunciando a saída, ela tímida, ao lado da família, deixando sua terra natal, indo para a cidade grande, na esperança de uma vida melhor. Sessenta anos se passaram, por força do destino, eles jamais se reencontraram, e ela guardou a imagem de um vulto despedindo-se acenando com um lenço em uma das mãos.
Ainda tentaram manter o contato nos dois primeiros anos, através de cartas, tão sonhadas e ansiadas. As poucas linhas enchiam-se de amor, e promessas de encontros em algum lugar no futuro. A distância física e o tempo, às vezes parecem embaçar os sentimentos, mas o coração de quem ama, vive sempre cheio de esperanças.
Na cidade grande, a vida era movimentada, e não tinha aquela poesia da cidadezinha pequena. Com a mudança de lugar, vieram também às responsabilidades, foi preciso abandonar os estudos e procurar um trabalho. Já bem novinha, saía ao amanhecer e voltava de tardinha. Pegou o primeiro emprego que encontrou em uma fábrica de macarrão. Não reclamava, pois era forte o bastante para aguentar a pressão a que era submetida. Recebeu as primeiras cartas, do amado Daniel, e todas as noites antes de dormir, e rezar o terço, contemplava demoradamente o pequenino retrato do amado, que conseguira obter dele como recordação do namoro.
O tempo passou rapidamente e Matilde, continuou se correspondendo com Daniel, sem oportunidade de voltar a sua terra natal. Sua viagem fora uma surpresa, pois sua mãe tinha resolvido levá-la para a cidade grande, na última hora, pois o combinado seria que ela permaneceria na casa de uns tios. Sua prima a Natália, revelou aos pais, sobre o namorado da Matilde, e os tios ficaram preocupados, em ter que se responsabilizar por uma adolescente de catorze anos, que já tinha namorado. Na verdade, a prima de Matilde, era muito invejosa, e fez a fofoca, pois queria livrar-se dela, e quem sabe ficar com o Daniel. Assim, Matilde, deixou seu amor com o coração partido, e nunca mais teve oportunidade de vê-lo. Após dois anos de troca de correspondência, brigaram por um motivo tolo qualquer, e nunca mais escreveram um para o outro. Nesta época a Matilde, tinha conhecido um italiano, filho de imigrantes, e começaram a conversar, logo depois o Geraldo, a pediu em namoro. Um ano e meio depois já estava indo rumo ao altar.
Matilde ficou casada quarenta e tantos anos com o Geraldo, para perdê-lo para o infarto agudo do miocárdio. Viúva sentia-se muito só. Certa vez, em visita a sua terra natal, esteve na casa da prima Sueli, irmã caçula da Natália, aquela que anos atrás a impedira de viver seu romance com o Daniel. Após conversarem por bom tempo, Sueli, esperou o filho e a nora de Matilde, ausentarem-se da sala, pois estavam acompanhando sua filha para ver alguns animais no quintal, ela aproveitou para chamar Matilde para o quarto e fazer-lhe uma revelação; - Sabe prima, quem mora aqui na rua na casa ali em frente? A Neusa, irmã do Daniel. Ela sempre me pergunta quando você virá? Ela me disse que tem uns retratos seus na casa dela. Você não quer ir lá para falar com ela. Matilde ficou surpresa, e quis logo ir à casa da irmã do Daniel. Não se lembrava de ter deixado nenhum retrato seu com a Neusa. Foi uma visita rápida, e reveladora. Ficou sabendo que fora amada intensamente por Daniel. Ele sempre confidenciava para a irmã: - Quando ouço o apito do navio no porto, sinto um aperto no peito que tenho vontade de voltar para os braços da Matilde. Depois se calava e mudava de assunto. Daniel casara-se duas vezes. Ficou viúvo bem jovem, e resolveu casar-se pela segunda vez. Lá pela casa dos quarenta já estava bem estabelecido na vida, mas tinha adquirido o vício do álcool, e sua saúde foi acabando lentamente. Morreu antes dos sessenta anos, depois de um longo sofrimento.
A Neusa entregou alguns retratos para a Matilde, eram retratos dos irmãos da Matilde, todos já falecidos. As famílias eram conhecidas de longa data. Matilde recebeu os retratos e teve vontade de pedir um retrato do Daniel, mas ficou sem graça e foi embora. Despediu-se de Sueli, e entrou no carro do filho, num gesto inesperado, saltou do carro, atravessou rapidamente a rua e em frente à casa da Sueli, chamou bem alto. A Sueli atendeu-lhe. Ela pronunciou umas palavras no ouvido dela, e ouviu outras palavras em resposta. – Está bem, vou procurar as fotos do Daniel e entregar a Sueli, ela te envia pelo correio. Agora não sei onde estão.
Matilde jamais recebeu as fotos do Daniel. Sueli recebeu as fotos da Neusa, e guardou-as em sua casa. Matilde cansou de telefonar, e pedir, recebera mil desculpas da prima, dizendo que ela tinha feito a sua parte e que as fotos foram perdidas pelo correio. Dez anos se passaram. Sueli casara-se pela segunda vez, mais ou menos na época da última visita de Matilde a sua terra natal. Sempre comentava para Matilde que o seu marido era um amor de pessoa, e uma das sete maravilhas desconhecidas do mundo. Nos últimos tempos, Sueli, telefonava a cobrar para Matilde e pedia ajuda, inclusive financeira, alegava que seu marido era horrível para ela, que a tratava muito mal, até pancada já lhe dera, e que ele se transformava a cada dia que passava. Matilde confortava a prima e dizia-lhe sempre; - Vou rezar e pedir a Nossa Senhora que ajude vocês a atravessar essa fase difícil e a harmonia voltar para o seu lar.
Certa madrugada, Matilde, teve um sonho. Daniel aparecia-lhe com outra aparência, já era um senhor, muito alto e magro, mostrava-lhe vários retratos e dizia-lhe com em voz alta: - “Eu jamais vou deixar aquela casa, eu odeio todas as pessoas que moram lá. Aquela gente, que sempre atravessa no meu caminho quando tento me aproximar de você. Não mandaram os retratos, ficaram com eles trancados na gaveta. E no passado, a irmã Natália, cansou de se oferecer para mim, queria muito que eu a namorasse. Ela me disse que fez tudo para nos separar. Eu realmente odeio aquela gente. E enquanto permanecer por lá, farei tudo para atrapalhar a vida deles, principalmente daquela que não enviou os retratos. Ela não podia fazer isso. Eu amei você a vida inteira, e nem uma lembrança minha pode chegar até você. Eu não perdoo esta atitude dela, ficarei lá naquela casa, atrapalhando o relacionamento dela com o marido.” Matilde, acordou subitamente, ficou pensativa boa parte da manhã. Gostaria de não acreditar na revelação que tivera de Daniel, mas sabia que era verdade. No plano que ele estava ainda acreditava que uma vingança poderia ser feita, e que de certa forma, estava impondo um castigo às pessoas que indiretamente tentavam separá-lo dela. Matilde rezou fervorosamente por vários dias, para a alma de Daniel, encontrar seu caminho na eternidade, e também compreendeu, que apesar dele ter jurado não desistir de sua vingança, ele não poderia infernizar a vida da prima e do marido eternamente. No dia seguinte, o telefone tocou, era Sueli, reclamando, que o marido sofrera um acidente, fora atropelado, quando estava andando de bicicleta e estava todo quebrado. Ela estava desesperada, pois tinha que tratar do marido acamado, e sua taxa de glicose estavam alta, que o dinheiro não dava etc. Segredou-lhe em voz baixa e em tom desesperado: - O pior, a casa do papai e da mamãe, que agora é minha, está assombrada. Ouvimos passos sempre de madrugada, parece que a pessoa anda para lá e para cá. Tem noites que não conseguimos pregar olho, justamente quando estou bem cansada, e estou quase dormindo, os passos ficam mais rápidos e em tom bem alto. Levanto, acendo as luzes e não tem ninguém lá. Às vezes, ouço a porta da frente bater fortemente, me levanto e está tudo normal, algumas noites, percebi que a porta estava aberta, após eu ter passado a chave e ter tido a certeza que havia fechado. Estou ficando maluca”. Matilde ia responder para Sueli, sobre os retratos, mas na mesma hora, teve um acesso de tosse, engasgou-se e não pode continuar a conversar com a Sueli, que ainda ficaram alguns minutos falando sozinha, reclamando das peripécias que o finado Daniel fazia em sua casa.