O BAÚ

Sempre me intrigou o que tinha no baú velho, jogado ao canto da parede no sotão dos meus avós. Foi num verão, há muito tempo atrás a primeira vez que o vi, estava tão coberto de pó como agora, com um cadedo enferrujado, parecia que estava ali há décadas. Quando perguntei para minha avó o que tinha lá, com um expressão desconfiada ou preocupante, virou o rosto e resmungou:

-Não sei, isso é assunto do seu avô.

E sem mais palavras continuou seu bordado. E meu avô um ex-jornalista, mais especificamente na área investigativa, que se desligou do ofício a alguns anos atrás, para morar numa fazenda e ter uma vida tranquila no campo, como motivo dizia aos familiares:

-No jornalismo-investigativo nada é certo, isso me aborrecia, quando estava tão perto da verdade, era enganado pela ilusão dos fatos.

Bem, um prexteto que eu não consentia, mas não o indagava.

Quando cheguei na poltrona onde estava sentado meu avô, lendo seu jornal, sem delongas fiz a mesma pergunta, e com a mesma expressão desconfiada ou preocupante da minha avó, seriamente respondeu:

-Nada importante. Só tranqueira...

perguntei:

-Posso ver?

-Não!

Quando o verão acabou, voltei para casa dos meus pais, um pouco chateado, por não ter colocado um fim nesse mistério. Depois desse

dia, meu avó trancou o sotão com um cadeado do tamanho da minha mão, e nunca mais vi o maldito baú.

Anos se passaram, e meus avós faleceram e deixaram a fazenda e pertences para a família, concordou-se em não vender a propriedade, deixando-a como uma memória deles.

Num verão qualquer resolvi visitar a fazenda com minha esposa e meu filho. A casa estava toda empoeirada, algumas teias de aranhas, folhas, enfim, uma bagunça. Minha esposa e meu filho e eu nos dividimos para uma geral na casa. Apesar do trabalho árduo, melhoramos a aparência do local, derrepende ouso meu filho me chamando no andar de cima, subo as escadas ragendo em cada passo que dou, procuro-o e encontro-o no sotão ajoelhado, passando um pano velho por cima daquele empoeirado baú, da qual por muitos anos eu tinha esquecido, talvez não esquecido, mas deixado pra lá, perguntei ao meu filho:

-Esse sotão não tava fechado com um cadeado?

Ele retrucou:

-A chave tava debaixo do tapete da porta.

Com uma vontade de soltar um palavrão pela esperteza de meu filho,

e pelo desleixo de ousadia que tive anos atrás, respeitei o momento de curiosidade do moleque, que perguntou:

-Pai, o que tem nesse baú?

Tomado pela mesma curiosidade, respondi:

Não sei, filho.

Fui até a garagem da casa e peguei algumas ferramentas, subi até o sotão e depois de algumas marteladas, o cadeado cedeu, quando finalmente abri o tão resguardado, misterioso, intrigante baú, havia

algumas fotografias e recortes de jornais. As fotos eram do meu avô em alguns lugares do mundo, belos lugares, vale ressaltar. Os recortes de jornais eram de suas matérias investigativas, havia matérias sobre ovnis, fantasmas, algumas conspirações políticas, mas nada concreto que pudesse causar grande impacto na população da época, havia também uma foto dos meus avós jovens, de mãos dadas, pareciam felizes.

Acho que entendo porque meu avô tentava se esquecer do baú,

conhecer o mundo, viver aventuras e depois o tempo lhe tira do palco sem uma última deixa, por isso ele sempre dizia, "Faça hoje o que você não pôde ter feito ontem, a vida não te espera, você só pode esperar que ela dure mais".

Acho que meu avô, realmente só queria viver seus últimos anos em paz, num lugar tranquilo, longe das verdades ou mentiras do mundo afora. Ele não precisava que um baú o lembrasse de seus dias de glória, no coração cansado as lembraças habitavam tão vivas e lúcidas como só os bons momentos que valem a pena guardar, somente para nós.