O segredo que valia ouro.

Aurora estava sentada na cadeira de balanço, no alpendre de sua casa modesta, em um pequeno sítio incrustado na caatinga, com sua vegetação rasteira, sua terra tórrida e seu calor escaldante, no interior da Bahia. Herdara aquela humilde casa do seu falecido pai, e aprendera a amar aquele lugar desde os tempos mais remotos, pois lá passou todos os seus anos, até aquela tarde de verão de 1990, em pleno calor escaldante de fevereiro.

Estava adoentada há alguns meses, e na última visita a um médico da cidade, ele pediu que ela fizesse alguns exames mais detalhados, pois seu estado de saúde não parecia bom. No entanto, com a dificuldade de se conseguir agendar novos exames, voltou para casa e foi postergando, mas agora as dores abdominais aumentavam a cada dia.

Mulher de sessenta e cinco anos, mas sua pele morena, queimada de sol, cabelos brancos, e a dificuldade em andar, davam-na uma aparência mais senil, porém nunca perdera a meiguice do olhar, e o verdadeiro amor que sentia pelos seus dois filhos, Lucas e Rafael, gêmeos nascidos de um romance com um forasteiro que a abandonara e desaparecera assim que soubera de sua gravidez.

Na época seu pai já era viúvo, e alegrou-se com a novidade de ter um neto para alegrar aquele humilde lugar, onde só residiam ele e sua única filha. E para a alegria dos dois, nasceram dois meninos que trouxeram muita alegria para aquele rincão.

Enquanto buscava um pouco de ar no alpendre, olhava com carinho para o ipê amarelo defronte de sua casa, e mais uma vez as lembranças de tempos passados vieram à sua cabeça. Seu pai costumava dizer, nas noites de verão, enquanto olhavam a lua cheia a clarear o descampado, que ao pé da árvore estava guardado um segredo, e que só podia ser revelado no caso de extrema necessidade. Ele dizia sempre:

- “Filha, jamais se esqueça do que vou lhe dizer! Quem guarda, sempre tem! Seu umbigo foi enterrado à sombra do ipê amarelo. Aprendi com meus pais que um umbigo nunca deve ser jogado fora para que animais o comam, e sim enterrado bem fundo, num lugar que amamos. Como símbolo da vida, lá ele ficará protegido e dará vida longa ao seu dono! E como prova do meu amor, se um dia precisares, escave ao pé do ipê e encontrarás o segredo do qual estou lhe falando. Este segredo deve ser passado para os meus netos, e assim sucessivamente, até que um dia alguém decida desvendar, pois um segredo verdadeiro vale ouro.”

Com estes pensamentos, continuou a olhar ora para o descampado, ora para o ipê, esperando avistar seus filhos que já deviam estar chegando com as cinco cabeças de gado, sendo quatro vaquinhas e um garrote, que haviam levado ao bebedouro num pequeno riacho adiante.

De repente, sentiu uma fisgada no ventre, acompanhada de um calafrio. Sentiu que sua pressão estava caindo, enquanto as dores aumentavam consideravelmente. Sentia-se esvanecendo, quando avistou os dois filhos que, neste momento, passavam embaixo do ipê amarelo. E antes de desmaiar, num gesto quase autônomo, aponta seu dedo para os galhos floridos do ipê amarelo.

Lucas e Rafael olharam para a árvore, linda, exuberante, cheia de vida, reluzente como ouro. Em seguida, eles correram ao encontro de sua mãe querida, vendo-a desfalecer na cadeira de balanço.

Os rapazes tinham 35 anos, também morenos de cabelos curtos e lisos, olhos castanhos escuros, parecidos com os de sua mãe. O trabalho árduo no sítio deu-lhes braços fortes e agilidade para lidar com as demandas do dia a dia. Ambos tinham namorada na cidade, e eles só as viam uma vez por semana, nos dias em que faziam a entrega de leite produzido pelas quatro vaquinhas leiteiras. Também aproveitavam para comprar produtos básicos que necessitavam no sítio.

Vendo sua mãe naquele estado, assustaram-se muito, tentando fazer-lhe recobrar os sentidos. Um misto de angústia invadiu seus corações, mas Lucas se apressou em preparar a carroça para conduzir sua mãe à cidade, enquanto Rafael tentava reanimá-la.

Tudo ficou pronto em menos de 10 minutos, e enquanto Rafael mantinha sua mãe nos braços no fundo da carroça, Lucas apressou-se em conduzi-la até a cidadezinha, que ficava a uns quatro quilômetros dali.

Chegando ao posto de saúde, Aurora foi examinada pelo único médico da cidade, que já tinha um possível diagnóstico do problema, pois foi ele que atendera a velha senhora meses atrás e sugerira-lhe os exames.

Imediatamente, o médico chamou os filhos e disse enfaticamente

- Acredito que sua mãe esteja com uma crise de vesícula, e pelo estado, corre-se um grande risco de uma hemorragia, o que seria fatal. Ela será levada para o hospital da cidade mais próxima, mas como estamos sem ambulância, vocês devem providenciar a locomoção o mais rápido possível. A Vesícula é um órgão simples como um UMBIGO que se descarta, mas pode fazer a diferença entre a vida e a morte.

Eles não tinham dinheiro consigo. Neste momento, Rafael começou a chorar. Todos os seus pensamentos se apagaram da memória, e num lampejo rápido em sua memória, lembrou-se das seguintes palavras ouvidas antes de sua mãe:

- “Filhos, seu avô dizia que ao pé do ipê existia um segredo que valia ouro, e que se precisássemos um dia, deveríamos ir buscá-lo.”

Com uma crença inabalável no poder do amor e do milagre, pediu ao ser irmão que arrumasse um veículo imediatamente para levar sua mãe ao hospital, enquanto ele ia conseguir o dinheiro, e que em seguida, levaria para pagar os custos do transporte ou outras emergências que poderiam surgir.

Não houve tempo de Lucas questionar o irmão, e ele já saiu em disparada rumo ao sítio, disposto a desvendar um segredo que talvez nem existisse de fato, mas que pulsava forte em seu coração.

Lucas conseguiu o carro para locomover sua mãe ao hospital. Lá chegando, ela foi medicada, enquanto recobrava os sentidos e voltava a desmaiar em função das dores. Os exames realizados às pressas indicaram a necessidade de uma cirurgia imediatamente, mas não havia nenhum cirurgião disponível no hospital público de pequeno porte da cidade vizinha.

Passadas quase quatro horas, Rafael chega ao hospital e se dirige à emergência. Lá chegando, inteirou-se do estado de sua mãe, e da necessidade da cirurgia imediata. Foi informado que havia um cirurgião particular na cidade, e que ele cobrava à parte qualquer procedimento cirúrgico realizado naquele hospital. Imediatamente convocou o médico que se dirigiu prontamente, para realizar a cirurgia de sua mãe. Lucas não conseguia respostas para as atitudes de Rafael, por mais que ele insistisse em perguntar como eles iriam pagar aquela dívida.

Finalmente, Aurora fez a cirurgia, e quando acordou do pós-cirúrgico, Lucas e Rafael estavam ao seu lado velando pela recuperação da mãe.

Com a voz fraca, mas se recuperando aos poucos, a mãe olha para os lados e pergunta:

-Meninos, como vocês conseguiram me trazer tão rápido para cá?

Rafael contou-lhe toda a história do transporte, do cirurgião particular, da cirurgia de emergência, enquanto lágrimas caíam dos olhos de sua mãe, que indagou preocupada:

-Filho, mas nós não temos dinheiro para pagar tudo isto! Eu já estou velha, não precisavam tomar esta atitude! E agora o que será de nós?

Rafael olhou para o irmão, em seguida abaixou-se para beijar a face de sua mãe, e com lágrimas escorrendo pelos olhos disse:

-Mãezinha, a senhora nos indicou o caminho todos estes anos, e também o fez quando sentiu que íamos nos perder! O ipê amarelo, com seu segredo que valia ouro! Cavei desesperadamente até encontrar um baú envelhecido a sete palmos do chão. Dentro não havia mais seu umbigo, mas uma carta do meu avô que dizia:

- “Filha ou filhos da minha filha, bem sabem que me aventurei no garimpo da serra, procurando pelas minas de ouro para trazer o alimento para a nossa casa. Sempre vivemos com pouco, mas nunca precisei me desfazer do meu tesouro. Sempre disse que quem guarda sempre tem, e que um segredo verdadeiro vale ouro! Então, ao pé do ipê amarelo, reluzente como ouro, onde enterrei o umbigo do meu primeiro tesouro, também enterrei o tesouro que agora lhes dou! Fiquem com Deus!”

Rafael dobrou a carta, abriu sua mochila surrada, e tirou de dentro o segredo do ipê amarelo! Lágrimas rolavam dos seus olhos, dos olhos do irmão, e principalmente dos olhos de sua mãe, ao ver uma pepita de ouro enorme e reluzente, que mal cabia em sua mão rude e calejada pelo trabalho de uma vida! Os três se abraçaram longamente, enquanto lampejos de amor e esperança atravessavam seus corações.

Antonio Marques de O Santos
Enviado por Antonio Marques de O Santos em 01/03/2012
Reeditado em 28/11/2013
Código do texto: T3528336
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.