O Zé da Morte

Tinha lido num livro de um historiador francês, logo no começo da adolescência, que entre os povos antigos a preocupação do homem era mais em ser sepultado, ter um enterro decente, do que propriamente com a morte. Ficou com aquilo na cabeça e a partir de então estabeleceu uma relação de afinidade com o fenômeno morte. Só pensava em como seria seu enterro e com isso, começou a preparar o que seria seu funeral.

No povoado não perdia um velório. Era morrer alguém e lá estava o Zé da Morte, como ficou conhecido o homem, rente nas rezas de despedida do morto. Rezava, cantava , chorava, e ainda dava opiniões sobre o velório. Ajudava em praticamente tudo. Fazia aquilo porque queria que fizessem o mesmo com ele quando partisse dessa vida. Acreditava, como os antigos, que se não fosse decentemente sepultado viraria alma penada e passaria a vagar sem rumo. Não queria aquilo de jeito nenhum.

Virou rapaz velho. Não namorava, não ia a festas. Só imaginava como seria quando morresse. Sonhava com a morte dia e noite.

Todo mundo gostava de Zé da Morte, mesmo com o jeito esquisito dele viver. Só andava de preto, dos pés à cabeça.

Chamava atenção um largo chapéu, também preto, usado dia e noite que cobria a face quase por completo.

Por não pegar sol, sua pele branca ganhou uma coloração amarelada deixando-o mais assustador ainda.

A figura de Zé da Morte, principalmente à noite quando vinha de alguma novena ou velório, era assustadora. O cara era mesmo esquisito. Já tinha comprado até o caixão e a mortalha. Dizia que não queria dá trabalho a ninguém quando seu dia chegasse. Quem ia à sua casa desavisado saía encabulado quando levantava a vista e via um caixão enrolado num saco Plástico em cima do guarda roupas.

Zé da Morte não falava em outro assunto a não ser sobre morte. Os amigos até que tentavam entabular algumas conversa com ele sobre futebol, roça e mulher; esse último assunto era o que mais evitava. Tinha medo da “carne reinar” e queria, dizia ele, morrer puro.

- Quando eu me for quero todo mundo bem vestido, de preferência de preto; muitas flores, café com bolo pra todo mundo e a banda da Igreja tocando meus hinos preferidos. Quero ainda todo mundo chorando. Se alguém achar que não vai chorar no meu velório é melhor nem aparecer- dizia ele sempre que se encontrava com os amigos.

O Zé era tão preocupado com o funeral que abriu até uma poupança para custear as despesas. O que ganhava ajudando a organizar velórios, depositava na conta aberta na sede do povado que só ele e a madrinha de batismo sabiam da senha.

Alguns moradores do povoado viam no Zé da Morte uma grande piada. Essa impressão só acabava quando alguém ia a casa dele e este lhes mostrava a mortalha e o caixão.

Uma simples gripe e lá estava o Zé mobilizando a madrinha, o padre para lhe fazer o que seria a extrema unção. Também mandava avisar na voz que sua hora tinha chegado. Sonhava com muita gente no velório.

Tornou-se habitual essa folia no povoado sempre que Zé da Morte ficava doente , tanto que já duvidando da sua sanidade, poucos ainda eram os que naqueles momentos atendiam ao chamado dele ou acreditava que ele estava mesmo morrendo.

Muitas gripes, dores de cabeça, topadas, quedas e nada da morte vir ao encontro do Zé

No povoado havia um riacho onde final da tarde a meninada e também os adultos iam tomar banho. Os moradores evitavam ficar até o começo da noite porque havia a história do aparecimento de uma sucuri sempre naquele horário. A serpente já tinha arrastado com ela cachoro, bode e até um bezerro. A cobra era tão grande que acabou virando lenda.

Zé era o único que não tinha medo. Esperava todo mundo ir embora para tomar seu banho no riacho. Era um habito que trazia consigo há muitos anos. Logo estava de volta a sua casa; vestia o traje habitual e ia para as novenas. Todo dia tinha uma.

Numa quinta-feira de noite clara Zé tinha sido convidado para rezar num velório no final do povoado, mas, naquele dia ele não apareceu.

O sol nasceu, e nada do Zé. Logo a noticia do desaparecimento dele se espalhou causando o maior rebuliço. Tinha sido visto a última vez indo para a Beira do Riacho, mas no local nenhum vestígio dele foi encontrado. O homem havia sumido de verdade.

- Morreu afogado- dizia um

-A Sucuri engoliu ele, teorizava outro

-A morte veio pessoalmente buscá-lo, tacou um gaiato.

Dez anos se passaram e até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu com o Zé da Morte, que acabou por não ter o tão planejado enterro. Nada de flores, banda de música ou gente chorando.

De vez em quando no principal boteco do lugar alguém esbaforido chega jurando ter visto o Zé subindo vagarosamente, todo de preto , a ladeira do cemitério.

elson araujo
Enviado por elson araujo em 28/02/2012
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