VOU MORAR NUMA ROÇA

VOU MORAR NUMA ROÇA

Vou morar numa roça

Texto (cordel) de autoria de Renato Coutinho

Meu amigo Méia de Belo Horizonte

Andei pensando sério

Tomei radical decisão

Toda a minha família

Aceitou minha opinião

Vamos mudar para roça

E sair da confusão

Na cidade é só loucura

Um corre corre danado

Não tem tempo para nada

Um mundo bem agitado

Não se relaxa um minuto

Fica todo o tempo ligado

Na roça é diferente

Tudo é bem sossegado

Carro, só de bois

Trânsito, só no sábado

Das moças na pracinha

Procurando namorado

Na cidade é puro medo

De na praça passear

Pedindo a todo momento

Para o celular não tocar

Porque se atender na rua

O moleque vem te roubar

Na roça pode livremente

Pelas ruas transitar

Depara a todo o momento

Com passarinhos a cantar

O único perigo do local

É num estrume de boi pisar

Na cidade é só barulho

Alto falante, carro e avião

Todo mundo falando alto

Sem mesmo prestar atenção

É que o homem da cidade

Está perdendo a audição

Quando se conversa na roça

Cuidado tem que tomar

Não fale da vida alheia

Se alguém de longe avistar

Tamanho é o silêncio local

De longe pode escutar

Se tiver precisando de algo

Sem dinheiro para comprar

Na primeira esquina da cidade

Tem alguém para emprestar

Só que multiplica por três

Na hora de você acertar

Na roça se faltar algo

É só pedir para o primeiro

Pode até gritar da janela

O bom vizinho vem ligeiro

Com um sorriso pergunta

O que precisa companheiro?

Na cidade bebe whisky

Paga caro pra danar

No outro dia é ressaca

Que mal se pode pensar

A bebida é ruim e falsa

Do Paraguai foi importar

Na roça é pinga da boa

Feita com cana de verdade

Ninguém fica de ressaca

Pode beber à vontade,

Mas lá ninguém bebe

Alem de sua capacidade

Na cidade se come pão

Toma leite desnatado

Café com adoçante

Yorgute e suco gelado

O mel comprado ontem

Hoje fica açucarado

Na roça tem leite da vaca

Também o quentinho café

Moído e torrado no quintal

Porque foi colhido no pé

O pó não é empacotado

Só moe o tanto que quer

Na cidade o doente

Quando começa esmorecer

Marca consulta no posto

Com o Doutor para lhe ver

A espera é tão demorada

Que morre antes de atender

Na roça o doente

Que está sentido mal

Resolve o problema

No seu próprio quintal

Usa o chazinho caseiro

Nunca vai ao hospital

Na cidade o deslocamento

É de moto, ônibus ou carro

Sai todos de uma vez

Fica tudo congestionado

Se motorista faz bobagem

Acaba sendo multado

A rua de terra da roça

É tranqüila sem movimento

Só passa o caminhão de leite

Fazendo o recolhimento

Nele todos pegam carona

Para fazer um deslocamento

As frutas da cidade

De grandes empresas provém

São lindas e belas peças

Como pintadas por alguém

O veneno que mata a lagarta

Para o homem não faz bem

Na roça pega fruta no pé

Em um bem cuidado pomar

No canteiro só esterco

Água da fonte para regar

Pode colher e comer

Não precisa nem lavar

Na cidade tem trabalho

Hora para sair e entrar

Patrão muito exigente

Não pode nem descansar

No fim do mês, stressado

Uma mixaria para ganhar

Na roça não tem patrão

Trabalha com muito prazer

Se a safra for muito boa

Separa um pouco pra vender

Com o dinheiro arrecadado

Põe no banco para render

Na cidade é água encanada

Paga o que o relógio medir

Um gosto forte de cloro

Qualquer um pode sentir

Segundo diz os entendidos

É para a cárie prevenir

Na roça é água pura

Vem direto da nascente

Fica guardada na tina

Por isso não fica quente

Não se paga um centavo

Para matar a sede da gente

Na cidade é apartamento

Ou casa toda murada

Cachorro, segurança, alarme

E cerca eletrificada

Com todo este cuidado

Ainda pode ser roubada

Apenas uma cerquinha

Só para enfeitar o quintal

Não precisa segurança

Na roça ninguém faz mal

Quando sai encosta a porta

Só para não entrar animal

A distração da meninada

Na cidade é computador

Ficam horas entretidos

Na frente do monitor

Lutando e dando tiro

Como fosse um matador

O banho de cachoeira

No Alazão a galopar

Boneca de espiga de milho

A meninada vai brincar

Depois da escola rural

E da obrigação terminar

Na cidade já é comum

Receber uma ligação

De um telemarketing

Oferecendo mais um cartão

Escuto a frase já decorada

E desligo dizendo não

Às vezes ligam pedindo

Para uma criança adotar

Nunca se vê o menino

Só pede para financiar

Roupa, comida e estudo

Até o guri se formar

No telefone também acontece

Um malandro ligar dizendo

- Seu menino está comigo

Quero o resgate correndo

Só que a única filha do casal

No hospital está nascendo

É por estas e outras mais

Da cidade vou me mudar

Vou morar numa roça

Mais longe que encontrar

Vou vender tudo que tenho

Para outra vida iniciar