A LENDA DE UM MOLEQUE TALENTOSO APANHADO NAS ÁGUAS DO RIO
Salvo nas corredeiras do ribeirão das pedras por uma velha lavadeira, Coiote um menino pobre, sobreviveu, ora graças à boa vontade de corações generosos, que o salvava da fome, ora submetido à humilhação, catando restos no lixo. Muitas vezes maltratado pelos granfino que não suportavam sua presença rondando seus luxuosos jardins a procura de algo que era descartado no lixo e lhe poderia ser util. Com o consentimento do agente ferroviário chefe da estação de sua terra, ele dormia na oficina mecânica da ferrovia, sobre um pedaço de papelão que, como ele, pela manhã estava sempre coberto da fulígem provocada pelas locomotivas movidas à lenha as tradicionais Maria-fumaça.
Embora criado sem pais, o garoto tinha bons hábitos de higiene. Pela amanhã descia até o riacho a trezentos metros da estação para seu banho habitual, escovava os dentes vestia a roupinha lavada na manhã anterior esfregava aquela suja pela fuligem com a qual dormira e punha a secar, na galhada da mangueira que restou no pomar do casebre que um dia fora seu lar. Nem sempre tinha sabão, usava folhas de uma arvore conhecida como sabão de gentio, plantada por sua falecida mãe de criação. O garoto tinha uma disciplina admirável embora ninguém percebesse.
Não sabia de sua origem. Não conheceu seus pais. Foi adotado pela velha Miquelina que faleceu quando ele tinha apenas seis anos de idade, levando com ela para o tumulo o mistério de sua vida. Valeu-se de sua vivacidade para sobreviver sozinho carregando na lembrança o trágico dia que uma forte tempestade carregou o velho casebre que Miquelina lhe deixou de herança ao falecer de mal súbito. E nesta tormenta foi-se também a esperança de encontrar uma garrafa em cujo interior continha um invólucro de papel que segundo sua mãe de criação continha seus dados. Por diversas vezes estivera com aquele seu tesouro na mão imaginado o dia que poderia ele mesmo decifrar sua origem e se tornar um cidadão registrado em cartório.
Após a tormenta, como sempre foi um moleque esperto e prestativo conseguiu que o acolhessem na oficina da estação ferroviária.
Guiando turistas e os visitantes mercadores que desembarcavam na estação, carregando suas bagagens para os hotéis e pensões existentes na pequena cidade, recebia gorjetas, e acabou por se dar bem conseguindo com isto o suficiente para não morrer de fome. Estava sempre com um sorriso estampado, mesmo quando era objeto do arbítrio de moleques seus algozes que o subestimavam, descarregando nele o bel prazer de suas molecagens trapaceiras.
Aos sete anos ele ganhou um caderno e um lápis de uma turista. Começou assistir as aulas na janela da escola, escrevendo as primeiras letras sobre a soleira. Vendo aquilo à professora o colocou para dentro da sala, examinado seu caderno percebeu que estava diante de um verdadeiro talento, e o questionou: -- qual é seu nome garoto? –Coiote! –como assim Coiote, isso é lá nome de gente, quem são seus pais? – Senhora eu não tenho pais, fui criado pela Miquelina! – A velha benzedeira? -Ela sempre me disse não ser minha mãe e que um dia eu ia saber quem foram meus pais e poderia eu mesmo me dar um nome e sobrenome verdadeiros, Coiote é o nome que ela me deu ao me batizar em casa, no dia que me apanhou boiando numa cestinha no rio, quando lavava suas roupas-, isso é tudo que eu sei! Para ser um cidadão de verdade, eu, precisava encontrar a tal garrafa que segundo ela estava comigo na cestinha, isso é tudo que eu sei minha senhora!
- Que história incrível garoto!Você não tem aparência de menino de rua, parece bem cuidado onde você mora? – Eu não moro, somente durmo entre as maquinas na estação ferroviária! – com esta aparência deve estar mentido! -- Não minha senhora o fato de eu não ter pais não quer dizer que precise ser um Jão Felpudo da vida, tenho que me cuidar! Seguir os conselhos de mãe Miquelina que alem de boa lavadeira sabia muitas orações o que fez dela também, uma benzedeira, e das boas!
Levado à presença da diretora, uma preconceituosa mal amada, e de mal com a vida foi descartada qualquer possibilidade de o garoto freqüentar a escola, mas a professora tocada pela história do menino deu permissão para que continuasse na janela da escola assistindo suas aulas. Em pouco tempo todos os alunos foram conquistados por ele, e nunca mais faltou material e merenda escolar e todos queriam disputar sua amizade e dividir com ele seus deveres escolares. No final do ano, dia da prova final, a professora o colocou dentro da sala e ele pode fazer sua prova.
As correções eram feitas pela própria diretora, e uma prova com todas as questões certas, chamou sua atenção pela qualidade da caligrafia. Não havia assinatura. Ela procurou a professora exigindo uma explicação, sem alternativa a professora a conduziu até a estação ferroviária a procura do garoto... O encontraram á margem do riacho guinado um casal de espanhóis que fotografavam a paisagem ribeirinha habitada por uma diversidade de pássaros silvestres.
Embora nada comovesse o coração da diretora, ao presenciar o discurso de ecologia que o garoto passava aos visitantes estrangeiros, ela se comoveu, e as lagrimas fluíram dos teus olhos.
Então é este o tal do coiote? –Sim sou eu minha senhora? – Esta historia da garrafa que me contaram é verdadeira ou é apenas lenda inventada por um moleque travesso e esperto? – Olha minha senhora eu não tenho ninguém por mim a não ser aquele lá do alto que me educa á sua maneira, no entanto por ser diretora da escola e esposa do prefeito desta cidade a senhora não tem o direito de vir aqui me perturbar-, eu não tenho culpa de seu mau humor e muito menos de seus problemas!
-Ah tem sim seu moleque atrevido, você a partir de agora me deve respeito! Saiba seu pirralho se esta história de garrafa é verdadeira! Dê-me cá... Logo um abraço, sou sua avó! Toda esta amargura que carrego na alma, tem uma causa, a morte da tua mãe pelo desgosto em ser obrigada a lhe despachar num cestinho de vime nas águas deste ribeirão La bem próximo de sua nascente, forçado pelo bandido do teu pai, que a enganou com mil promessas, mas não passava de um marginal sem coração, e que felizmente pelo que vejo você nada puxou dele.