AS AVOANTES PISTOLEIRAS

Era cedo da manhã. Há pouco o sol havia nascido. Depois de quebrada a barra, Seu João, na verdade Seu João Quebra Queixo, apelido que ganhara quando jovem, pois nunca havia dado um murro num “cabra” para ele não cair duro no chão, com o maxilar quebrado. Tapa nem se fala, bateu no pé do ouvido e o “ nego “ caia duro, depois de dar umas boas rodopiadas nos terreiros, como se chamava a frente das casas do sertão.

Bom, Seu João estava cansado só um pouquinho, depois de uma longa viagem a pé para Canindé, a fim de matar uma onça, a qual não matou por piedade. Mas não estava realmente muito cansado. Pensava no que iria fazer naquele final de semana de fins de setembro. Ah!. Lembrou-se.

- Vou preparar minha espingarda lazarina socadeira e dar uma caçada nas avoantes do açude Conceição. Chamou o Jacó, seu filho caçula, e gritou:

- Jacó, traz a lazarina, o chumbo, as buchas de sabiá, as espoletas e o bornal que nós vamos dar uma caçada acolá. Se tiver avoante morre.

Bom. Jacó era um menino franzino e magro nos seus 15 anos e fez o que o pai mandou e ainda perguntou:

- Vai levar rapadura, pai? A farinha e alguma carne assada?

- Manda tua mãe preparar, pois vamos andar uns 30 km e você é muito franzino e pode não agüentar o repuxo.

Foi dito e feito. Quando chegaram nas proximidades do açude era avoante por demais, também chamadas aves de arribação, porque só vêm da África para o Ceará no verão. São aves quase do tamanho de um pombo e da mesma espécie. Quando estavam a uns 1000 metros do açude Seu João estremeceu. O céu ficou nublado, parecia que ia chover,pois se formou uma nuvem escura de mais de uma légua ou 6000 metros quadrados.

- Vôte, vai ser uma caçada e tanto. Chegou ao açude e viu milhares e mais milhares de avoantes.

- Meu Deus, o que vou fazer! Pensou e disse: - Vou dar um tiro pra cima que elas vão se amendrontar. Sapecou fogo e gritou: - Vamos Jacó, elas estão paradas de asas para cima, parecendo bandido num filme de cowboy do Tom Mix. Foram pegando as aves e amarrando no cinto, em corda em volta dos peitos, colocando dentro do bornal, afinal onde puderam. Neste vai-e-vem Seu João não notou que as aves batendo as asas estavam levando o Jacó para o alto. O pobre menino já estava quase nas nuvens. Seu João se assombrou. - O menino vai morrer e gritou com o seu vozerão de trovão: - Vai quebrando as asas delas Jacó. Jacó foi quebrando asas e mais asas e foi baixando devagarzinho, como se tivesse um paraquedas. Quando quebrou a asa da última avoante Jacó estava pousando exatamente no quintal de sua casa. Somente a sabedoria de seu João para tamanha façanha. Ao chegar em casa uma hora depois, Jacó estava depenando a última ave. Seu João afirma que é verdade, foi em 1940.

Antonio Tavares de Lima
Enviado por Antonio Tavares de Lima em 16/02/2012
Reeditado em 09/04/2014
Código do texto: T3503317
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