Ilustração enviada pela Nete Brito
Cansado do trabalho na roça, o pai de Mariinha chegou a casa e avisou à esposa:
—Muié... Ieu vô vendê a formosa mais o bizerrin dela.
—Mais a Formosa é da Mariinha... Foi a madrinha dela qui deu de presente pa mode nóis comprá um relogin de ôro pr’ela.
—Mais é cum dinhero da venda qui nóis vai miorá de vida.
—Mais... E o leite dos minino piqueno?
Mariinha enxugou uma lágrima silenciosa ao ver o boiadeiro levar a vaca Formosa e seu filhote. Com o dinheiro, o pai foi até Belo Horizonte e voltou com uma mala daquelas grandes, recheada das mais diversas mercadorias. A menina nunca vira tanta coisa bonita. O pai trouxe da capital muita “roupa feita”, calçados, relógios, correntes, lenços de seda, brincos e anéis.
Aos domingos havia terço no povoado da Vargem Grande. O pai amarrava a mala no lombo do cavalo, indo negociar as novidades. Foi um sucesso! As moças ali da roça, acostumadas a usar combinações e anáguas de morim ou de sacas de algodão alvejado, feitas em casa, se encantaram com as anáguas rendadas de jérsei, “sutianos” de espuma que valorizavam os seios. Quase tudo foi vendido em menos de uma semana. Foi tal de gente querendo trocar galinhas e leitões pelas roupas da grande mala. O pai satisfeito, recebeu várias encomendas para a próxima viagem.
Assim, o mascate foi se firmando e todo final de mês viajava até a capital a fim de renovar os estoques. Vez em quando Mariinha ganhava um vestidinho novo, nunca sobrava um vestido vermelho, sua cor preferida. Só ficavam os beges e cinzas... Acho que por isso ela não gosta destas cores até hoje.
Numa das viagens, o pai lhe trouxe o tão sonhado reloginho. Era todo dourado. Parecia ouro legítimo. Daquela compra havia um lindo vestido vermelho com bordados coloridos e um par de sapatinhos de verniz, ambos lindos. Mariinha queria escondê-los para que ninguém comprasse. Se ficasse com eles ia matar as primas de inveja.
Os negócios iam bem, o pai havia comprado outra vaca parida. A mãe já sonhava ver a casinha de chão batido toda de cimento vermelho para poder encerar e lustrar.
Quando saíam com a mala, a mãe vendia o vestuário feminino e o pai vendia relógios, sapatos e roupas masculinas.
Um dia o tio Gênor apontou na estrada com sua filha Jacira. Esse tio avô morava na cidade de Tapira, nunca havia se casado, mas tinha uma filha que era a luz de seus olhos, fazia-lhe todas as vontades e sempre vinha visitar os parentes ali na roça. Não sei se é implicância de Mariinha, mas a Jacira tinha o nariz empinado e era muito luxenta. Ao chegar Tio Genôr sempre generoso, foi logo dizendo:
—Ieu sôbe qui o cumpadi tá mascatiano, intão vim comprá uns trenzim pa minha fia Jacira...
Foi a conta de Jacira botar o olhão grande na mala e já escolher o vestido vermelho e o sapato de verniz, comprou também meias, correntinhas, diademas. Ela ia escolhendo e o pai pagando sem reclamar, até que este perguntou:
—O cumpadi num tem relogim de minina-muié?
—Os relogim cabô tudo cumpadi Gênor, só mêis qui vem nóis traiz mais.
—A minha Jacirinha tava doida cum relogim de purso...
—Dessa veiz os relogim vendeu qui nem água, si num tivesse separado o da Mariinha ela tinha ficado sem.
Nessa hora, Mariinha bobona foi até o guarda louça e trouxe o seu reloginho dourado para mostrar ao tio. Aí, a Jacira olhou para o pai e disse:
—Paieeeê compra o relogim da Mariinha pra mim???
—A Mariinha quê vendê o relogim pro tio? —Depois o pai compra outro procê.
—Quero não ti Genôr, é presente da minha madrinha.
Jacira deu birra e os pais de Mariinha ficaram sem graça quando o tio perguntou:
—Dá o preço qui ieu pago satisfeito cumpadi, pago dobrado se fô priciso.
—O cumpadi paga deiz no relogim?
—Oia, si fô pa Jacirinha ficá filiz e se fô bão pru cumpadi ieu pago cinquenta.
Assim foi feito, o pai não tinha condições financeiras de recusar a oferta. Abriu o guarda louças onde Mariinha amoitara o relógio e vendeu-o ao compadre que foi logo abrindo a carteira recheada de notas e pagou tudo a vista.
Mariinha foi chorar na cama que é lugar quente. Olhou da janela, o tio e a prima pegaram a estrada levando o vestido vermelho o sapato de verniz e seu reloginho dourado. Jacira na garupa do pai olhou pra trás, mostrando a língua em sinal de Vitória. Poucas vezes na vida Mariinha se sentiu tão pequena e triste que nem nesse dia.
O pai de Mariinha deixou de ser mascate porque os parentes não aprovavam que a esposa e os filhos ficassem sozinhos na roça durante as viagens. Assim, dali algum tempo ele montou uma vendinha na beira de uma estrada na comunidade dos Leites. Mas é assunto para outro texto.
Nota: Acompanho os capítulos da história que o colega Dilermando Cardoso escreve: "SERTÃO MEU-GERAES" . Ontem quando fui até sua página, li no perfil que seu aniversário é dia 16 de fevereiro, portando hoje. Então dedico a ele esse causo. Feliz Aniversário Dilermando! Muita paz, saúde e alegria, juntamente com seus entes queridos!
—Muié... Ieu vô vendê a formosa mais o bizerrin dela.
—Mais a Formosa é da Mariinha... Foi a madrinha dela qui deu de presente pa mode nóis comprá um relogin de ôro pr’ela.
—Mais é cum dinhero da venda qui nóis vai miorá de vida.
—Mais... E o leite dos minino piqueno?
Mariinha enxugou uma lágrima silenciosa ao ver o boiadeiro levar a vaca Formosa e seu filhote. Com o dinheiro, o pai foi até Belo Horizonte e voltou com uma mala daquelas grandes, recheada das mais diversas mercadorias. A menina nunca vira tanta coisa bonita. O pai trouxe da capital muita “roupa feita”, calçados, relógios, correntes, lenços de seda, brincos e anéis.
Aos domingos havia terço no povoado da Vargem Grande. O pai amarrava a mala no lombo do cavalo, indo negociar as novidades. Foi um sucesso! As moças ali da roça, acostumadas a usar combinações e anáguas de morim ou de sacas de algodão alvejado, feitas em casa, se encantaram com as anáguas rendadas de jérsei, “sutianos” de espuma que valorizavam os seios. Quase tudo foi vendido em menos de uma semana. Foi tal de gente querendo trocar galinhas e leitões pelas roupas da grande mala. O pai satisfeito, recebeu várias encomendas para a próxima viagem.
Assim, o mascate foi se firmando e todo final de mês viajava até a capital a fim de renovar os estoques. Vez em quando Mariinha ganhava um vestidinho novo, nunca sobrava um vestido vermelho, sua cor preferida. Só ficavam os beges e cinzas... Acho que por isso ela não gosta destas cores até hoje.
Numa das viagens, o pai lhe trouxe o tão sonhado reloginho. Era todo dourado. Parecia ouro legítimo. Daquela compra havia um lindo vestido vermelho com bordados coloridos e um par de sapatinhos de verniz, ambos lindos. Mariinha queria escondê-los para que ninguém comprasse. Se ficasse com eles ia matar as primas de inveja.
Os negócios iam bem, o pai havia comprado outra vaca parida. A mãe já sonhava ver a casinha de chão batido toda de cimento vermelho para poder encerar e lustrar.
Quando saíam com a mala, a mãe vendia o vestuário feminino e o pai vendia relógios, sapatos e roupas masculinas.
Um dia o tio Gênor apontou na estrada com sua filha Jacira. Esse tio avô morava na cidade de Tapira, nunca havia se casado, mas tinha uma filha que era a luz de seus olhos, fazia-lhe todas as vontades e sempre vinha visitar os parentes ali na roça. Não sei se é implicância de Mariinha, mas a Jacira tinha o nariz empinado e era muito luxenta. Ao chegar Tio Genôr sempre generoso, foi logo dizendo:
—Ieu sôbe qui o cumpadi tá mascatiano, intão vim comprá uns trenzim pa minha fia Jacira...
Foi a conta de Jacira botar o olhão grande na mala e já escolher o vestido vermelho e o sapato de verniz, comprou também meias, correntinhas, diademas. Ela ia escolhendo e o pai pagando sem reclamar, até que este perguntou:
—O cumpadi num tem relogim de minina-muié?
—Os relogim cabô tudo cumpadi Gênor, só mêis qui vem nóis traiz mais.
—A minha Jacirinha tava doida cum relogim de purso...
—Dessa veiz os relogim vendeu qui nem água, si num tivesse separado o da Mariinha ela tinha ficado sem.
Nessa hora, Mariinha bobona foi até o guarda louça e trouxe o seu reloginho dourado para mostrar ao tio. Aí, a Jacira olhou para o pai e disse:
—Paieeeê compra o relogim da Mariinha pra mim???
—A Mariinha quê vendê o relogim pro tio? —Depois o pai compra outro procê.
—Quero não ti Genôr, é presente da minha madrinha.
Jacira deu birra e os pais de Mariinha ficaram sem graça quando o tio perguntou:
—Dá o preço qui ieu pago satisfeito cumpadi, pago dobrado se fô priciso.
—O cumpadi paga deiz no relogim?
—Oia, si fô pa Jacirinha ficá filiz e se fô bão pru cumpadi ieu pago cinquenta.
Assim foi feito, o pai não tinha condições financeiras de recusar a oferta. Abriu o guarda louças onde Mariinha amoitara o relógio e vendeu-o ao compadre que foi logo abrindo a carteira recheada de notas e pagou tudo a vista.
Mariinha foi chorar na cama que é lugar quente. Olhou da janela, o tio e a prima pegaram a estrada levando o vestido vermelho o sapato de verniz e seu reloginho dourado. Jacira na garupa do pai olhou pra trás, mostrando a língua em sinal de Vitória. Poucas vezes na vida Mariinha se sentiu tão pequena e triste que nem nesse dia.
O pai de Mariinha deixou de ser mascate porque os parentes não aprovavam que a esposa e os filhos ficassem sozinhos na roça durante as viagens. Assim, dali algum tempo ele montou uma vendinha na beira de uma estrada na comunidade dos Leites. Mas é assunto para outro texto.
Nota: Acompanho os capítulos da história que o colega Dilermando Cardoso escreve: "SERTÃO MEU-GERAES" . Ontem quando fui até sua página, li no perfil que seu aniversário é dia 16 de fevereiro, portando hoje. Então dedico a ele esse causo. Feliz Aniversário Dilermando! Muita paz, saúde e alegria, juntamente com seus entes queridos!
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