O coletor
O trote marcado a passos largos. Respiração controlada e olhar focado. A pressa é inconfundível. Uniformizado, com pressa e inconfundível.
Já se passaram das nove horas da noite e ele continua correndo.
Pelo caminho em sua frente não menos que três quilômetros de asfalto em linha reta, depois, não se sabe.
Curioso, diminuo a velocidade e espero ele me alcançar.
Nada, nem olhou. Centrado, continua correndo.
Deve estar mesmo com pressa... Abaixo o volume do som.
- O fí! Quer uma carona?
Nada...
- Ô meu! Quer uma carona?
Espantado ele me olha e desconfiado, diminui a passada.
- Vai pra onde?
- Reto aí, perto do lago!
Mais confortável ele reage se aproximando e avisa com a cabeça baixa:
- To tudo sujo!
- Dá nada!
Afasto meu terno do banco e o coloco amassando – o entre os bancos.
- Cadê o caminhão? Pergunto curioso e um tanto perplexo por não compreender o sistema usado para o trabalho adotado. Acredito que há pelo menos um método mais fácil em vários sentidos que não use esse modelo arcaico de contribuição.
- Ta rodando, recolhendo.
- Quantos são?
- O quê, caminhão?
- É.
- Seis na cidade, aí vai alternando os dias nos bairros.
- Uhm.. Pode crê! E como funciona o sistema?
- Primeiro a gente passa juntando tudo e colocando na rua pra facilitar pro caminhão que vem depois e só recolhe.
- Agiliza, mas é foda, não é? Tem que correr pra caralho, com tempo marcado e tal...?
- Na verdade a gente combinô assim entre nós, daí todo mundo termina mais cedo.
- E tu tem que correr até aonde agora?
- Agora, pra casa. Nem vi meu filho ainda hoje. Falando nisso vou descer aqui, pode encostar.
Encosto o carro e ele desce, não olha pra trás, mas agradece.
- Brigadão, viu!
- Até mais, cara!
Depois de três quilômetros ele desceu. Aumento o som e o vejo virando a esquina, correndo.