Querida, cheguei!
Querida , cheguei...
Manoel levantava-se sempre às cinco da manhã. Fazia seu pequeno ritual de barbear-se, tomar banho, perfumar-se, vestir-se simplesmente, e sair para dar um passeio com o cãozinho “poodle”. No caminho aproveitava para comprar o jornal e apanhar um pão francês bem fresquinho para a sua patroa, a Ermelinda.
Estava com setenta e poucos anos, e seu passeio matinal era o único exercício que fazia, apesar dos vários alertas do cardiologista para mudar seus hábitos de vida. Não dava ouvidos e fazia o que queria, pois se sentia jovem, forte e vigoroso, como se tivesse ainda com vinte anos. Fazia amor com sua fogosa senhora, até senti-la completamente satisfeita, a cama rangia como sempre, e ele sentia-se feliz.
Tinha uma vida muito estabilizada, uma cadeia de lojas de material de construção, muitos imóveis alugados e a sua paixão um automóvel importado muito luxuoso, avaliado em umas centenas de milhares de dólares. Uma vez ao ano, viajava com a patroa para a “terrinha”, ficava por lá por vinte ou trinta dias, visitava alguns parentes ainda vivos e voltava com as malas cheias de presentes para os amigos brasileiros, inclusive alguns compadres.
Tinha apenas uma filha a Lúcia de Fátima, que se casara aos dezessete anos com um rapaz brasileiro, que Manoel considerava vagabundo e que só queria tirar o dinheiro da família. Após dez anos de casamento, as previsões de Manoel se confirmaram, Lúcia voltou para casa, seca, deprimida e cheia de cicatrizes das pancadas que o ex-marido lhe dera. O rapaz era usuário de drogas e não gostava de trabalhar. A pobre Lúcia não chegou a ser mãe, Perdeu o único bebê que gerou no quinto mês de gravidez depois de apanhar uma surra do marido. Ela permaneceu com os pais durante dois anos. Após esse tempo enamorou-se de um pernambucano que também era divorciado e foi viver com ele. Teve apenas uma filha, a Rachel, que foi na infância a alegria de Manoel e Ermelinda. Agora Rachel, estava com vinte anos e estudava Medicina numa universidade particular em São Paulo.
Nos últimos anos Manoel tornara-se para Ermelinda um marido quase perfeito. Fazia tudo para merecer cada vez mais o reconhecimento da patroa, na esperança de compensá-la os difíceis primeiros anos de casamento. Chegaram ao Rio de Janeiro, recém-casados, passaram muitas necessidades, moravam numa quitinete na Tijuca, trabalhou duro e desesperadamente até comprar o primeiro imóvel.
Certa manhã de segunda-feira Manoel seguira o mesmo ritual, só que resolveu deixar o carrão em casa e foi de táxi para a loja de Copacabana, a sua preferida. Ficou por lá até as nove e meia e resolveu voltar mais cedo para casa. Ligou para Ermelinda, avisando que tinha esquecido um documento e estava de volta. Uma hora depois o telefone tocou novamente e Ermelinda atendeu. Era Manoel com uma voz fraca, de peito arfante, com dificuldade para respirar dizendo: “- Querida, cheguei!.” Ermelinda ainda ouviu o ruído de o celular cair ao chão e depois o barulho do transito na rua. Intuindo alguma coisa errada, começou a gritar: - Manoel, Manoel, meu Deus o que está acontecendo? Manoel você está aí?... Continuou ouvindo o transito e algumas vozes assustadas ao redor, depois de alguns segundos, uma mão apanhou o celular e uma voz masculina informou a Ermelinda; - Sou o motorista do táxi que apanhou um senhor gordo e baixinho em Copacabana. Nós estamos agora na rua... em frente ao número .... e continuou com alguns detalhes e acabou falando sozinho, enquanto Ermelinda abria e porta a e voava para a entrada do prédio onde morava. Quando ela encontrou Manoel e o motorista de táxi, os bombeiros já tinham sido chamados. O motorista de táxi tentava explicar que o pegara em uma esquina de Copacabana e que ele ao entrar no carro já reclamava de dor no peito. Ermelinda tentava compreender com a mente o que acontecia, enquanto seu coração desesperado quase saltava do peito de tanta dor. Ela ainda ouviria, por muitos meses, o eco das últimas palavras de Manoel ao celular: “Querida, cheguei!”