O menino que sonhou que tinha morrido

- Vamos meu filho. Hora de dormir. Recolha seus brinquedos, escove os dentes e vá para cama.

D. Alvira estava anciosa para fixar o novo espelho que comprara com edmilson, seu marido, pela manhã num bazar. O espelho tomaria metade da parede do corredor do apartamento onde moravam. – Foi uma bela pechincha. – satisfeita, pensava consigo.

D. Alvira era uma senhora de quarenta de dois anos, de bela compleição física e uma beleza que já fora estonteante no passado, conduziu seu filho de oito anos para o quarto, beijando-lhe a testa num ato de carinho e amor quando este deitou-se na cama.

- Boa noite meu menino. Tenha sonhos tão bonitos quanto você.

E deixando o quarto do pequeno Anselmo, encostou a porta e seguiu em busca do marido para colocarem o espelho.

O pequeno Anselmo não demora a cair no sono, um sono superficial e cansativo, o tipo de sono que parece cansar mais que revigorar.

Tivera um dia muito agitado, cheio de atividades de todos os tipos. Foi deitar exausto.

A manhã chega silenciosa, e com ela o calor do sol e as obrigações que um novo dia conduz. O pequeno Anselmo desperta do condoído sono. Passara a noite toda sonhando, sonhos que de tão real transfigurara-se numa tremenda realidade para o pequeno Anselmo. Logo ao cair no sono na noite anterior, fora conduzido a uma realidade tão próxima do real num sonho, que acordara pensando que seria a continuação do que tinha sonhado.

O pequeno Anselmo sonhou que tinha morrido, um sonho vívido, bastante real o que fizera o pequeno Anselmo acordar achando que estava morto. E agora? – Pensou o pequeno Anselmo. Levantou-se apreensivo, caminhou sonolento, mais cansado que antes de ir deitar-se, abriu a porta que dava para o corredor, viu o pai vindo da cozinha em direção ao banheiro pelo corredor e partiu numa corrida em direção a sala de estar, passando ao lado do pai pelo corredor enquanto olhava para o espelho, dando-lhe a impressão que transpassara o corpo do pai, fortalecendo ainda mais a idéia de que tinha morrido e que conseguiria transpassar as pessoas e ninguém o viria ou o sentiria. Edmilson estava com tanto sono que não percebera quando o pequeno Anselmo passou correndo ao seu lado no corredor.

Sentou-se no sofá da sala, ainda de roupa de baixo, com os olhos cheios de lágrimas. – E agora? Eu morri!

- Mas que esquisito. Posso sentir as coisas. – pensou o pequeno Anselmo enquanto apalpava o encosto de braço do sofá onde sentara com tremendo espanto.

Não demora até que idéias mirabolantes venham povoar a imaginação do pequeno Anselmo, que começara a achar até legal a idéia de estar morto.

Abriu a porta principal do apartamento, dirigiu-se até o elevador e desceu com a intenção de ir para a rua. Cruzou com o vizinho do terceiro andar que pela pressa não o vira passar, o que veio a reforçar a sua crendice que estava mesmo morto. Chegando a recepção do prédio onde morava, viu seu Joaquim, o porteiro de idade já avançada e muito ranzinza que sempre implicara com suas brincadeiras e de seus amigos quando iam para o pátio, chegando ao cúmulo de um certo dia estourar a bola com que estavam brincando só porque esta bateu em seu braço e ainda fazer um alvoroço com a sindica por causa disto, provocando o castigo de todos com uma semana sem puder descerem para jogar bola.

- Ah .. seu biriba! – Era assim que os meninos apelidaram o seu Joaquim.

- Vou dar-lhe uma cabeçada neste velho cabeçudo. – lembra-se então que iria transpassar seu Joaquim, afinal estava morto.

Mas decidira ir assim mesmo, só pela sensação da trela.

Andou até o começo do corredor do prédio, concentrou-se e numa corrida desvairada e veloz seguiu em direção de seu Biriba, com a cabeça baixa e firme. Seu Biriba estava de costas limpando um canteiro de flores mortas e não viu quando o pequeno Anselmo vinha desembestado na sua direção a toda velocidade. No instante antes do momento do impacto, seu Biriba se ergue e vira na direção do pequeno Anselmo que por sua vez transpassa seu Biriba e bate com bastante força na parede que separa a guarita da entrada do prédio, caindo de lado sobre um folha com uma foto e alguns dizeres. Atordoado, o pequeno Anselmo levanta-se apoiando as mãos no chão sobre a folha e vê que se trata de um convite de condolências aos amigos de seu biriba, este que viera, para grande espanto do pequeno Anselmo, a falecer na tarde do dia anterior.