Humor legal: Pequenas Causas, algumas confusões e consideráveis diversões
No ano 2000, enquanto servidora pública da (devagar e sempre) Morada Nova-CE, fui cedida de ofício ao Fórum Desembargador Agenor Monte Studart, onde atuei como mediadora no âmbito do recém criado Juizado Especial de Pequenas Causas.
Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais são órgãos da Justiça Ordinária, criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, nos Municípios, para conciliação, processo, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade (notadamente aquelas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo); o processo orienta-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, conciliação ou transação. O procedimento não exige presença de advogado; as partes – Reclamante e Reclamada – expõem fatos e motivos perante Mediador, o qual pondera e promove aconselhamento e encaminhamento para consecução do acordo formal, que se torna peça legal executável, se não cumprido total ou parcialmente.
Ainda que seja exigência legal a mediação ser exercida exclusivamente por profissional da área jurídica, à época eu não era – e continuo não sendo – bacharela em Direito (o que diz, e muito, da capacidade da própria Justiça cumprir suas normativas), mas ressalto que estudei e estudei a Lei Federal Nº 9.099/95 – LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS, no intuito de errar o mínimo possível e bem atender a clientela; informo ainda que não recebi qualquer treinamento por parte da instância judiciária. (Há uma máxima – não prolatada na Justiça, posto ali pouco se praticar protagonismo – que se adequa: “Como não sabia que era impossível, foi lá e fez!”)
Aprendi muito no trabalho e passei por situações desafiantes, vexatórias e engraçadas; na categoria das ridículas, a que mais me marcou foi a mediação do acordo entre um casal de locatários e o proprietário do imóvel, em audiência para resolver pendência relativa a saldo de caução.
O casal expôs: alugara a casa por R$30,00 mensais, com pagamento de caução; desocupara o imóvel, por exigência do dono, muito antes de se completar outro período de locação, e queria o saldo da caução, no valor de R$22,00. O locador alegou que pediu o imóvel em vista de o casal ser adepto de bebedeiras e orgias, que alugou o imóvel limpo e bem cuidado e o recebeu sujo e mal tratado, e que pagou R$ 10,00 pelos reparos e limpeza.
“Ainda sobram R$ 12,00”, lembrou uma ‘Reclamante’ – ao que o ‘Reclamado’ reclamou: “E a minha chateação e prejuízo, quem paga? Eu é que fiquei sem poder alugar a casa, enquanto providenciava consertar e limpar...”.
Aí entrei eu, a ‘Mediadora’: “Que tal uma divisão meio a meio do dinheiro restante? Assim, fica R$6,00 para cada um!”
As partes toparam. E o locador, que também era ‘dono e proprietário’ de uma bodegazinha, espertamente sugeriu que o casal usasse o crédito (R$6,00!) em mercadorias de seu digno estabelecimento comercial – acordo feito, idem.
Parece simples... Mas não foi fácil, não! O locador era um dos sujeitos mais mesquinhos da cidade, vivendo e comerciando à margem da Lei (retendo cartão de banco de aposentados e alugando barracos sem banheiro, por exemplo – e sem contrato); o 'casal' era composto de duas senhoras conhecidas pela capacidade de deseducação (no popular, ‘armar o maior barraco’ – coisa que fizeram à beça, no barraco que alugaram – e a isso eu chamei ‘justiça poética’).
E o fato é que, após quase meia hora de muita conversa, e, finalmente, o acordo feito, tive eu que lavrar um relato disso tudo, com nomes e valores e formas e prazos, datado e assinado por quem de direito.
Ainda bem que estudava Letras, à época. E sigo considerando: em Fóruns Judiciais e outros ambientes de serviço público, por vezes um profissional em Assistência Social faz falta.
Comediantes aparecem às pampas, no entanto.