O PREGADOR

O pregador

Fazia um calor infernal, típico da expressão: “Rio, quarenta graus”. Eram dez horas da manhã. O ônibus estava cheio, nenhum lugar vazio para sentar. Ele apareceu do nada no meio do ônibus. Vestia camisa social preta, gravata preta, calça social preta, sapatos de bico fino, carregava a tiracolo uma bolsa, e em uma das mãos uma Bíblia enorme.

Começou se apresentando de uma forma peculiar, abordando todos os passageiros do ônibus e convidando-os para uma palestra. E começou a recitar versículos e mais versículos. Os passageiros olhavam e nada falavam, alguns sentiram-se tocados pela preleção, principalmente naquele momento que ele falava que ao pregar a palavra do Senhor, ele se realizava, pois em seu passado/presente tinha estado naquele lugar, dando a entender que tinha estado interno em uma penitenciária. Soltava o verbo e os passageiros já sentiam-se agoniados, pois o ônibus já estava parado no engarrafamento por mais de meia hora, bem próximo da saída da Cidade de Deus. O homem continuou falando como um desvairado, as pessoas sentadas continuavam suas conversas como se nada estivesse acontecendo. Lenita estava quieta conversando com a irmã sobre trivialidades, quando seus ouvidos começaram a dar mais atenção ao que ele pregava, e ia citando versículos e mais salmos, etc. Recitava-os em voz alta, como se fosse um pastor pregando para suas ovelhas. Quando o engarrafamento acabou e o ônibus seguiu pela Linha Amarela, num instante os ouvidos biônicos de Lenita constataram que tudo que ele falava estava sendo ditado pelo colega que estava ao lado dele com vestes de funcionário de empresa de ônibus. Ao final, Lenita ouviu as palavras do companheiro do pregador: - Fala aí qualquer número de salmo e qualquer versículo, pois estes idiotas não entendem nada de Bíblia, como nós também. Ela ficou calada. O ônibus seguia pela Linha Amarela, o pregador já tinha feito amizade com duas senhoras e conversava com elas sobre o último jogo do Flamengo e tudo ia bem, repentinamente, o ônibus parou. Foi interpelada por um grupo de assaltantes, que passaram a sacolinha nos passageiros, fato mais degradante, Lenita viu de dentro da “pseudo” Bíblia saiu um revolver enorme que foi usado para ameaçar os passageiros assustados. Após a coleta, desceram rapidamente, o pregador, o companheiro vestido de funcionário de empresa de ônibus e os outros três que pararam o ônibus. Diante do acontecido os passageiros foram unânimes e em coro pedir ao motorista que não pegasse mais nenhum passageiro e fosse liberando os presentes nos pontos em que precisassem descer. Lenita desceu no ponto final cheia de raiva de si mesma, por não ter descido antes, também nem poderia, a Linha Amarela é uma linha expressa, com pouquíssimas paradas no trecho que ocorreu o assalto.

Já em outro ônibus o pregador continuava com sua missão, mostrando a enorme Bíbilia e ganhando a simpatia e a antipatia dos passageiros que como barata encurralada entre a parede e o chinelo não tinham outra opção a não ser ouvir a verborreia e depois contribuírem com a sacolinha.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 05/02/2012
Código do texto: T3481040
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