SEU CHICO VIÚVA
Daquela feita, ao retornar ao sítio, Seu Chico Viúva ficou mordido da vida porque – longe, ainda a caminho – lhe bateram com a língua nos dentes que Elisa, a sua paciente e parideira mulher, agora andaria pulando cerca de égua velha. E, pior, já depois da virada do Cabo da Boa Esperança. Ora, mas era só a quizumba que faltava ao marido viajor. Até a boa e estóica Elisa já era mãe de mocinhas e marmanjões.
Botando fogo pelas ventas, que nem dragão mal-amado, o eterno andarilho cortou foi reto para a casa-grande do Camará, de onde talvez pudesse arrancar algumas verdades. Justiça lhe seja feita: além de andarilho, beberrão, sim: mas ‘papudinho’ Seu Chico Viúva nunca ficou.
– Não ligue importância, não, Chico! Esse zé-povinho daqui gosta muito de deitar falação na vida de Deus e do mundo. A sua esposa, pelo que vejo, é uma santa mulher que só sabe parir a filharada que você faz, ano após ano. E, depois, sem quê nem para quê, você se escafede, bate no oco do grameal, que nem se sabe para onde você vai. Tome tento, ô homem, e se aquiete aqui nos eitos dos roçados! O Camará precisa dos seus serviços.
Assim foi como ponderou meu pai, nesse longo discurso, quando o velho foi às falas com o seu único morador que nunca, em tempo algum, lhe pregou um alfinete numa barra de sabão.
Meio crendo e já não acreditando, lá grande coisa, na conversa de beira de caminho, fora por isto mesmo que Chico Viúva quis tirar a limpo o que ouvira na estrada. Assim, foi logo e diretamente inteirar-se com o dono dos porcos. Antes de se largar para o engenho velho de fogo morto, foi ter a prosa com o velho Olegário, que não era homem de petas ou potocas nem de acobertar safadagens de seu ninguém.
Chico Viúva era um andarinho nato que se aboletou no engenho velho, já de fogo morto, nas quebradas do Camará. De prole enorme, como família de preás, o seu pobre lar era assim de meninos fabricados pelo alcoólico mais alcoólatra e inveterado que meus olhos viram neste orbe.
Uma vez, sem exagero nenhum, creiam pela fé do Homem lá Cima, eu o mirei de proa a beber cachaça em uma cuia. Vocês conhecem cuia? Aquelas bandas da cabaça. Cabaça, não; na verdade, a lá dele, sem mentira alguma, era um coité dos grandes. E coité, alguém aqui sabe o que vem a ser? Pois estou a falar de uma verdade verdadeira. O homem tomou a birita na cuia do coité. Garrafa inteira, ‘sor.
O caso deu-se na mudança de um meu primo-irmão, quando este arribou para certa cidadezinha do Maciço de Baturité. Uma garrafa de pinga inteirinha, no coité, o homem virou no caldeirão do bucho. Foi. Vi Seu Chico Viúva passando para dentro nada menos que uma cuia de coité cheinha da água que passarinho não bebe. E ele ainda lambeu os beiços.
Ah, pois não!... Tem gente aí se rindo, pensando que estou com hipérboles de invencionice. Que nada! Quem assim estiver achando, caiu do cavalo. Vi mesmo e com estes dois olhos que a terra há de comer.
O velho meu pai sabia da cornagem em que Chico Viúva andava metido. Mas acender fogueira em casa de paredes de pólvora, ele ia? Não queria mais encrencas nem desgraça no Camará. Já anos atrás, ali fora palco de um crime de morte por conta da ciumeira doentia de outro morador sem futuro.
Aquele infeliz ruim e assassino da Luísa só sabia maltratá-la, pescar e caçar preás. Gajo preguiçoso. Até que, um dia, matou a desventurada, quando a indefesa mulher, em infausta manhã, ia pondo a única filhinha num fiango de rede.
Quer dizer, covarde e impiedoso, o gajo Raimundo Gato. Safado, pois meteu peixeira nas cruzes da esposa. Depois fingiu de suicidar-se, dando em si mesmo um tiro de raspão, nos queixos, mas só com buchas e pólvora na espingarda de pederneira, sem carrego adequado, cuja munição plúmbea lhe seria letal.
De volta ao caso de Seu Chico Viúva, ele caiu como um patinho e não fez arruaça. Finalmente, acho, acreditou na lábia de meu pai. E o velho Olegário botou as mãos para os céus, pois ainda estava verdinha a desgraça que abalou as pedras e a vegetação do Camará.
Em tempo: dirigindo-se ao engenho de fogo morto, ainda daquela vez, sem ligar importância à incógnita e mal-sabida cornagem, consoante meu pai lhe dera um conselho, Seu Chico Viúva ainda deixou bem feito o seu último rebento nas entranhas de D. Elisa. Salvo engano, nas minhas contas, aquele futuro parto me parece que seria o bruguelo de número treze.
Depois daí, o peregrino garanhão tomou distância e nunca mais dele se teve um pingo de notícia.
Fort., 30/01/2012.