Um Sonho Dentro de Um Sonho
I
Prezados amigos e leitores: já lhes aconteceu sonhar que estão sonhando e, ao acordar, perceberem que despertaram não para a realidade da vida consciente e diurna, mas para um outro sonho que se fazia guardião e jazia oculto entre as sombras do primeiro?
É algo realmente estranho e assustador acordar de um sonho dentro de outro, para, em seguida, despertar de novo e de novo e de novo e perceber que tudo – mas será que tudo mesmo?! – não passara de fato de um sonho.
Antes de qualquer coisa é bom que eu me apresente aos colegas e amigos. O meu nome é Tânia. Tânia Edivânia para os íntimos, e nada - nada mesmo! - para os inimigos. Sou uma simpática e competente oficiala de justiça do Tribunal do Trabalho e minha área de atuação se estende por toda a região de Venda Nova.
Afora isto, sou mulher e mãe de dois filhos (uma belíssima menina e um garotão), ex-esposa, dona de casa razoável, nadadora profissional e mais um milhão de outras coisas no meu dia-a-dia. Vim aqui hoje para lhes contar os detalhes dessa misteriosa síndrome onírica que me persegue há quase uma década.
Me explico melhor: normalmente vou dormir às 22 horas. Em torno de duas horas depois, ali por volta da meia noite, é comum (segundo os médicos que me atendem), que eu entre no estágio do sono denominado REM (Movimento Rápido dos olhos), a fase na qual ocorrem os sonhos mais vívidos e reais. Durante esta fase os olhos movem-se muito rapidamente e a atividade cerebral se faz semelhante àquela das horas em que nos encontramos despertos.
No caso específico, porém, o que realmente diferencia o meu processo de sonhar da maioria das pessoas é que não raro eu sonho e que, ao acreditar que acordei, perceba que ainda estou sonhando, vivendo um outro sonho.
Como talvez já tenham percebido, a minha vida onírica é extremamente rica e constante. Neste último final de semana, por exemplo, ocorreu-me um fenômeno ainda mais esquisito e que pode representar uma melhora ou uma deterioração em relação aos sintomas presentes em minha síndrome. Como de costume, sonhei e, ao “acordar”, percebi estar vivendo um segundo sonho. Mas o detalhe neste caso é o seguinte: ao despertar deste segundo sonho, “acordei” absurdamente para a vivência de um terceiro sonho. Isto de fato jamais havia me acontecido e é por este motivo e para o aprimoramento e a evolução das ciências naturais e humanas que passo a registrar a partir deste momento tudo o que se sucedeu em meus devaneios oníricos na noite deste último dia 26 de abril de 2012.
II
A primeira imagem que guardo na lembrança é a de me achar fazendo compras num supermercado próximo de minha casa. Eu estava na seção de enlatados quando percebi a presença próxima de um dos meus vizinhos. Ele logo se aproximou e me interpelou:
- Bom dia, Dra. Tânia Edivânia! Faz quase trinta minutos que estou tocando a campainha do seu apartamento e só agora a sua passadeira fez-me a gentileza de abrir a porta e me informar que a senhora havia se dirigido até o supermercado. Preciso lhe pedir um importante favor, um favor importantíssimo: quero que proceda à imediata citação da minha ilustre pessoa e à conseqüente penhora dos bens que guarnecem a minha casa...
- Hã?! Como!? – perguntei tentando ao mesmo tempo compreender o que estava acontecendo e me desvencilhar das mãos daquele estranho vizinho que insistia em tocar no meu ombro com a ponta dos dedos.
Com algum esforço e persistência, consegui me afastar do sujeito e me retirar discretamente do supermercado. Somente na rua foi que percebi ter deixado no carrinho os produtos que viera comprar. Mas o fato é que tão logo pisei no passeio público, ouvi uma conhecida voz que me dizia o seguinte:
- Taninha, Taninha: estou te aguardando aqui faz um tempão, menina. Suplico que você se dirija de uma vez ao meu estabelecimento comercial e que proceda lá à penhora de tantos bens quantos bastem para fazer jus à execução na qual sou devedor...
Prezados leitores e amigos: devo comentar que aquele sujeito era nada mais e nada menos do que o seu Manuel português e o estabelecimento comercial de que ele estava a falar era um botequim da região. Eu havia tido um flerte e um “afair” com o tal do portuga num passado não muito distante e agora ele me vinha com essa.
Mas meu Deus – pensei – isso tudo está começando a me intrigar e assustar de verdade. Sei que estou sonhando, conclui. E para mim toda essaa viagem já havia realmente passado dos limites. Pois onde já se viu os próprios devedores – neste caso, o Manuel portuga e um dos meus vizinhos – buscarem por si mesmos o contato de uma oficiala de justiça e requererem a penhora dos próprios bens!? Acaso as pessoas agoram tomam algum tipo de chá da honestidade em meu sonho?
Mas aquilo ainda não era tudo. Na verdade não era nem a metade. Quando você pensa que chegou ao fundo do poço é que percebe que o poço é ainda mais profundo e que por detrás de cada monte se esconde sempre uma nova colina ou uma gigantesca montanha.
No momento exato em que estes pensamentos despregavam o meu cérebro aflito, meu telefone celular começou a tocar. E assim que o atendi a síndica do prédio aonde moro disse as seguintes palavras:
- Boa Tarde, Tânia. Hoje a noite e também durante todo o dia e a tarde de amanhã estarei ausente de minha residência. Farei uma pequena viagem à casa de meus pais e por isto peço desde já para que você proceda à citação do nosso condomínio por “hora certa”, se isto lhe convier e não representar nenhum incômodo para a Justiça. Um grande abraço e até breve – concluíra a síndica.
Quando aquela maluca desligou o aparelho eu já me achava completamente desesperada. Mas foi naquele exato momento que conclui de vez que só poderia estar sonhando mesmo e que tudo aquilo, portanto, decerto não passava das atividades eletrícas de um cérebro em estado REM. Então pude realmente saber que necessitava despertar com certa urgência daquele absurdo estado de torpor.
Neste instante – meus prezados – obtive do meu cérebro estressado um pensamento-luz: pensei que se me imaginasse atirando um copo de água em meu próprio rosto acabaria certamente despertando a mim mesma daquele louco pesadelo que insistia em não me abandonar. E assim o fiz.
O caso, porém, foi que tão logo a água fria bateu em meu rosto, comecei a perceber uma sensação de formigamento nos braços e nas pernas e aquilo acabou por me transportar e conduzir ainda mais longe na minha viagem. Amigos: eu me vi naquele momento “acordando” dentro de outro sonho.
É isto, pensei: aquilo tudo era apenas a vivência de um sonho dentro de um sonho. Mas então...
III
Mas então aquele líquido foi se espalhando ao meu redor, pelo meu rosto e por todo o meu corpo e eu começei a me sentir como se estivesse deitado dentro de uma banheira ou piscina. No momento seguinte, portanto – e os leitores poderão compreender isto perfeitamente, haja vista que a lógica e a veracidade dos sonhos jamais se aproxima ou se assemelha à realidade dos instantes em que nos achamos lúcidos e despertos - eu me vi de imediato na raia três de uma belíssima piscina olímpica, rodeada por uma platéia que batia palmas e gritava palavras de incentivo.
E eu me achei então dando braçadas e mais braçadas diante dos demais competidores. Num certo ponto, porém, nós já nos encontrávamos nos metros finais da prova e e eu continuava a bater braços e pernas com toda a força e agilidade de que dispunha e era capaz.
E naquele últimos metros, numa das ocasiões em que virara o rosto no intuito de apanhar uma golfada de ar que me enchesse os pulmões de oxigênio, pude perceber em cada um dos meus lados nada menos do que outras... meu Deus! Nada menos do que outras duas Tânias Edivânias.
Isto mesmo, colegas: havia uma sósia de mim na raia de número um e outra na de número três da piscina e eu me achava entre elas. Como podem imaginar, todas eram tão belas e competentes quanto euzinha mesma. Éramos então três Tânias Edivânias competindo na mesma prova e com o mesmíssimo objetivo.
Na cena seguinte, porém, nós três já estávamos fora da piscina, dispostas uma ao lado da outra, sendo que eu (e hoje eu me pergunto: mas eu quem, afinal?!) me encontrava numa posição mais elevada que as das demais Tânias Edivânias.
Percebi rapidamente o que aquilo significava: estávamos sobre o pódio, o local aonde cada uma de nós iria receber a sua respectiva medalha de campeã, primeiro, segundo e terceiro lugares respectivamente na prova de cem metros, nado de peito.
Devo comentar finalmente que pelo menos um motivo eu tinha para me sentir feliz naquele sonho maluco: éramos três Tânias Edivânias e, portanto, eu acabara me sagrando, pela primeira e única vez em toda a minha vida, tri-campeã numa mesma prova de natação. E isto de uma só vez – meus caros amigos – de uma só vez eu me tornara medalha de ouro, de prata e de bronze e cada um daqueles meus “eus” ouvira entre orgulhoso e contente a apresentação de três hinos nacionais brilhantemente interpretados em minha ou em nossas homenagens!
E foi nesse momento que finalmente eu consegui me despertar de uma vez por todas daquele sonho. E ouso afirmar que o sorriso que eu trazia nos lábios e no rosto certamente significava que eu acabara de experimentar as sensações de um belíssimo sonho.
Aliás, as sensações de um magnífico sonho espetacularmente vivido dentro de outro sonho...