O Burrico Tarado.

*Burro que se preza não corre desembestado como um qualquer cavalo, a não na vez de justa pressa, a servico do rei ou em caso de se ter razões.* O Burrinho Pedrês.Guimarães Rosa Foi lá pelos anos 60,lá pelos altos da serra de Cunha que a aventura aconteceu. Era estudante do Inst.Educ. de Guaratinguetá/SP e um amigo me convidou para uma empreitada.Era o Murilo,jovem educado,fala mansa,muito bonito.Dava gosto sair com ele.A meninada juntava a nossa volta e eu ficava meio abobalhado de tanta mulher. Êta meus 20 anos que não voltam mais,como canta Aznavour em *When I was young*. O pai do Murilo era fazendeiro,tez morena,olhar sério,mãos grossas e ásperas,mãos de quem dava duro no trabalho. Falava pouco.Tinha outros filhos:Dito,Dado,mais duas ou três meninas.Murilo me chamou e eu fui.Saímos cedo em direcão à Cunha,em direcão à fazenda,lá nos altos,que ele tocava com a mulher,Regina ou Lúcia,ou Lúcia Regina,não sei,só sei que era bonita e tinha seios grandes. A C-10 levantava poeira com um destino certo: a invernada. Lá o capim era sempre verdinho e havia umas cabecas de gado para engorda e tínhamos que trazê-las para a sede.Depois de um bom tempo,paramos a camioneta.Não havia mais estrada. Descemos e fomos até a casa de um meieiro da fazenda.Gente simples,assim como a casa. Ele,a mulher e dois bacuris risonhos,Nos foi oferecido café coado no pano,adocado com rapadura.Nunca mais me esqueci daquela gente e do sabor do café.Tínhamos horas de trabalho pela frente; assim comemos um pedaco de queijo com broa de milho.Nas serras a gente encontra de tudo. Até saci-pererê. Não acredita? Então fique lá pelo fundão da mata depois das 17 horas.É assovio prá todo lado.É o neguinho avisando que tem Homem chegando.Eles tem medo de Homem. O Homem é mau. Fomos colocar as selas nos animais para seguir viagem.Murilo lacou uma égua bonita,grandona,amarronzada,pelo bonito,com um filhote. A mim me foi dado um burrico,esperto que nem o capeta. Na hora em que fui apertar a barrigueira ele estufou,inchou feito baiacú.Eu apertava,ele estufava...cansei...O Murilo dava risadas,o mateiro também,enquanto as criancas se divertiam com o caipira da cidade. As consequências foram hilárias,quase trágicas.Feitos Chapeuzinho-Vermelho seguimos pela estrada afora,naquele mundão de Deus,sem viva alma,com vento constante e frio.Acredito que passava das 3 da tarde,pois a gente perde a nocão das horas nessas bandas.Falamos pouco durante a cavalgada. Naquelas paragens,o silêncio,a mata,apenas o som dos cascos faz a gente refletir e não gastar palavras. Chegamos à invernada junto com o por-do-sol. Lindo! O gado estava lá,bonito,sadio e disperso.*-Vamos juntar a boiada.*disse Murilo. Meu burrico até que dava pro gasto.-*Chicão,eu vou na frente e você toma conta da rabeira.Não deixe nenhuma cabeca desviar!* Lá fomos nós feito tropeiros da serra,tropeiros com muito orgulho. A lua,muito tímida,ameacava iluminar a noite que cobria tudo de negror.O som da boiada,à noite,é impressionante. Mais impressionante foi o que aconteceu. Íamos pelos grotões,pelos caminhos já trilhados há anos que os animais conheciam tão bem. De repente,o burrico dá um relincho e a égua,lá na frente,responde. Acho que ela estava no cio. O burrico dispara naquela escuridão. Êta barrigueira fruxa! Na primeira curva eu fui lancado para fora da sela,feito um saco.Rolei morro abaixo cheio de capim gordura.Não enxergava nada,só me cocava.-*Chicão,onde está você,seu filho...? -*Aqui embaixo.* *-Vamos embora*-disse Murilo. Subi o barranco taeando até encontrar a valeta da estrada.Fui indo,indo até tocar na traseira do burrico. TUM ! Levei um coice no peito e voltei lá prá baixo...doeu..*Poxa,Chicão,onde está você?* -*Este burrico doido,tarado por sua égua,me deu um coice e me jogou aqui embaixo de novo.Vou acertar as contas com este burrico e cortar o bilau dele.Ele está muito tarado!* Murilo apeiou;apertou a barrigueira do cão-danado e seguimos viagem. Ele relinchava,eu cocava..O gado chegou são e salvo.Nos aproximamos da sede lá pelas 10 horas da noite. A mulher na varanda com os bracos cruzados e cara enfezada. Fui dormir rápido,com coceira,com fome,com dor no peito e bronca do burrico. Dormi feliz!...Murilo não sei...tinha que domar uma onca brava.

Chico Chicão
Enviado por Chico Chicão em 29/01/2012
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