“Lobo Preto”.
Hoje estou velho, beirando os noventa, fico restrito a um pequeno espaço, cama, rede, cadeira. Na cama, sou obrigado a deitar, por causa da nora que me obriga, só não consigo dormir, por causa da dor nas costas. Na rede tiro algum cochilo e vejo as pessoas que passam à frente da casa e a cadeira no quintal sob a parreira de uva, onde navego no meu passado, lembrando dos companheiros e das viagens. Dizer que tive amigos é muito complicado, então eu afirmo, sou bom amigo e tive muitos companheiros. Quando eu era um moço forte. Devia ter vinte ou vinte e cinco anos, fazia a vida de tropeiro. Eu vinha de viagem com uma tropa boa e parei numa aguada (tipo de lagoa pequena, ou riozinho, curicho). Fiz uma fogueira, para queimar uma lata e fazer um café. (queimar lata é fazer comida). Estava distraído, quando pulou em minha frente um lobo. Minha guaiaca com o revolver e faca estava a dois metros mais ou menos. Para pegá-los, o lobo me pegaria antes. Então com a calma que não tinha, conversei com ele. Com dentes enormes parecendo canivetes, não tava muito disposto a proziá, mas eu fui falando, falando, elogiando ele, parou de mostrar os dentes, desarrepiou os pelos e ganiu. O bicho estava com fome, rapidamente peguei um pão velho, que eu tinha no embornal e dei para ele. Era mais ou menos meio pão caseiro, que ele comeu, ou melhor, engoliu sem mastigar. Logo saiu a comida, eu comi um pouquinho e ele comeu o resto. Agora que estávamos mais calmos, percebi que o lobo não era lobo, parecia muito, mas não era. Acho que era um cão policial caseiro e domesticado, estava muito sujo, mas percebia-se que era bem cuidado. Após comermos, fiz minha cama ao lado do fogo, ele também dormiu ali. A partir daí não nos separamos mais. Eu que sempre viajava sozinho, agora tinha um companheiro. Era muito bravo, mas obediente, com certeza era um cão adestrado. Cortei um pedaço de couro e quando eu fazia minha cama, fazia a dele também. Os conhecidos falavam que era um lobo preto, e assim ficou lobo preto, por causa da comida ele engordou e seu pelo ficou muito bonito viçoso. Dava gosto andar com ele. Todo mundo já conhecia “lobo preto”. Mas dizem que alegria quando é demais, dura pouco. Estávamos acampados próximo de uma grande pedreira. Eu dormia sossegado, pois tinha um guardião a meu lado. De madrugadinha, saindo do meio das pedras uma enorme cobra. Uma Urutu, vinha em minha direção. Lobo preto, avançou e cortou-a em pedaços. Não tive tempo nem de pegar o revolver. Porém, nem seu vigor e rapidez, foi suficiente. A cobra também o feriu. Não desmanchei o acampamento, tentei inutilmente salvá-lo. Como não consegui e não conseguia vê-lo sofrendo, descarreguei meu revolver em sua cabeça. Seu olhar triste me persegue até hoje como perguntando. Por quê? Por quê? Esta, foi à maneira de pagar, alguém que salvou minha vida. Parei de viajar. Vendi tudo por qualquer preço, comprei este sitiozinho, comecei a plantar. Mas á tarde quando sento na varanda ficava pensando. Dá-me uma agonia, uma vontade de chorar. O único amigo que tive, que salvou minha vida, eu matei. Nunca mais tive bicho de estimação. Se você tiver algum, dê muito carinho não importa a espécie, ele será a única amizade verdadeira que você terá.
Oripê Machado.