O BAILE
Perplexo, mas sereno, Tsche Guri largou o serviço que estava realizando com o garfo, revolvendo o feno e, à moda da roça, limpou as mãos na calça, preparando-se para ir ao encontro da moça. Mais uma vez seu amigo teve razão. Admirava sua capacidade de antever com a razão analítica os passos dados em tal ou qual situação. Até o momento, tudo o que ele falara estava absolutamente correto, embora a qualquer hora fosse passível dos erros humanos. Mas, para isso, pensava o jovem, haveria a argumentação que, no momento adequado, seu questionamento resolveria.
Uma coisa de cada vez. Por hora teria que mostrar sua capacidade de falar adequada, ponderada e educadamente com a guria. Se ela veio da cidade para falar com ele é porque havia entre eles alguma coisa a ser resolvida e, dependendo do que se tratasse, caberia a ele entender e relevar o que sua irmã não entendeu ou conformar-se com uma situação adversa. Mas, em cada caso, era necessário que ponderasse e que ficasse calmo e sem medo de resolver esse problema. Já se considerava homem suficiente para falar com ela e indo ao seu encontro, saudou-a:
– Bom dia, Katty.
– Bom dia, guri. Tu tem um tempinho para a gente conversar?
– Sim, tenho. Estava revolvendo o feno, mas pode muito bem ficar para depois. Vamos sentar ali na sobra daquela árvore, no gramado?
Sentaram-se e ela começou:
– Lembra daquele dia quando tu veio conversar comigo lá na loja? Desculpa minha irmã. Ela é assim mesmo. Por ser mais velha, presume-se protetora da família e, pensando que tu me veio molestar novamente, ficou furiosa contigo. Eu me emocionei com o que disse e saí correndo para não chorar na tua frente.
– Oh! Então tu não chorou porque ficou brava comigo? Eu não sabia o que fazer, se corria atrás de ti ou o que...
– Pelo contrário. O peão que vi em ti naquela hora já não era aquele guri atrevido e sim um homem responsável...
– Naquele dia do desaforo, quando cheguei em casa meio triste comigo mesmo, comecei a pensar e concluí que não era assim que a gente fala com as prendas... e continuei com a cisma de que devia pedir perdão para ti. E se tu me perdoasse já estava louco de bom!
– Não ficou com raiva por causa do tapa?
– No começo, sim. Mas depois vi que devia de haver alguma coisa errada no jeito que perguntei. Sabe o que eu acho? É a idade em que a gente fica curioso de saber as coisas. Também, os velhos nada contam para que serve isso nem aquilo. Nem dizem por que guri e guria são diferentes!
– Agora te entendo! Tu, na tua inocência primária, não fizeste por mal aquilo. Mas te garanto que eu não sou a guria certa para ensinar isso que tu precisa saber. Quem sabe te apresento pessoas que te possam ajudar. O que acha?
– Quem, por exemplo? Eu não conheço ninguém? Só a ti que conheço.
– No momento não lembro, mas, na hora adequada vou lembrar.
– Certo. Somos amigos, então, novamente? – perguntou o jovem, olhando firme nos olhos da moça, estendendo-lhe a mão direita.
Ela, tomando entre as mãozinhas delicadas dela a mão que se estendia, disse simplesmente, e até, com alegria: – ... e companheiros de travessuras, como nos tempos de criança.
O rapaz agradeceu e lhe disse que sentia um peso a menos no coração. Continuaram a conversar sobre outros assuntos e sobre os gostos prediletos de cada um.
– Agora, que não sou mais aquele pirralho de antes, preocupo-me já com as coisas dos adultos. Eu vou nos bailes, mas tenho medo de convidar uma prenda porque não sei dançar. Eu vi algumas vezes que tu dança muito bem.
– Isso está na gente. É só perder o medo. É como aprender a nadar.
– Falando assim tu até me encoraja para pedir uma coisa para ti.
– E o que é essa coisa?
– Sabe o que é? Eu gosto de baile, mas não sei dançar. De que me adianta ir ao baile? E daí é que eu gostaria que tu me ensinasse... disse ele com medo de ofender a jovem novamente.
– Mas como tu quer que eu faça isso?
– Se tu não te ofende, eu te peço para ir comigo ao baile.
– Me avisa quando é o baile e, se eu não tiver outro compromisso, eu vou. Afinal, amigo é pra essas coisas, né?
– Eu te aviso... disse ele jubiloso.
Tsche Guri estava numa alegria daquelas de fazer as pessoas falar bobagem sem querer. Quando chegou na casa do Xiru, o homem ouviu de longe as gargalhadas do piá.
– Mas o que aconteceu contigo, tsche?
– Consegui... consegui!
– Mas o que conseguiste, meu guri?
– Que ela me ensine a dançar. O que mais poderia ser
– Então ela veio, como eu previ!... disse o Xiru de si para consigo.
Tsche Guri, como que lendo seu pensamento, respondeu ao que não ouviu
– Ela veio, fizemos as pazes e ela vai ao baile comigo para me ensinar a dançar.
– Verdade?... fingiu-se o Xiru surpreso. E o que mais combinaram?
– Que vamos ao baile dançar até eu aprender.
– E... depois?
– Não basta? Estou feliz porque ela não está mais triste comigo e que vai me ensinar... quem sabe... até a namorar e tratar com respeito e educação as gurias.
Perplexo, mas sereno, Tsche Guri largou o serviço que estava realizando com o garfo, revolvendo o feno e, à moda da roça, limpou as mãos na calça, preparando-se para ir ao encontro da moça. Mais uma vez seu amigo teve razão. Admirava sua capacidade de antever com a razão analítica os passos dados em tal ou qual situação. Até o momento, tudo o que ele falara estava absolutamente correto, embora a qualquer hora fosse passível dos erros humanos. Mas, para isso, pensava o jovem, haveria a argumentação que, no momento adequado, seu questionamento resolveria.
Uma coisa de cada vez. Por hora teria que mostrar sua capacidade de falar adequada, ponderada e educadamente com a guria. Se ela veio da cidade para falar com ele é porque havia entre eles alguma coisa a ser resolvida e, dependendo do que se tratasse, caberia a ele entender e relevar o que sua irmã não entendeu ou conformar-se com uma situação adversa. Mas, em cada caso, era necessário que ponderasse e que ficasse calmo e sem medo de resolver esse problema. Já se considerava homem suficiente para falar com ela e indo ao seu encontro, saudou-a:
– Bom dia, Katty.
– Bom dia, guri. Tu tem um tempinho para a gente conversar?
– Sim, tenho. Estava revolvendo o feno, mas pode muito bem ficar para depois. Vamos sentar ali na sobra daquela árvore, no gramado?
Sentaram-se e ela começou:
– Lembra daquele dia quando tu veio conversar comigo lá na loja? Desculpa minha irmã. Ela é assim mesmo. Por ser mais velha, presume-se protetora da família e, pensando que tu me veio molestar novamente, ficou furiosa contigo. Eu me emocionei com o que disse e saí correndo para não chorar na tua frente.
– Oh! Então tu não chorou porque ficou brava comigo? Eu não sabia o que fazer, se corria atrás de ti ou o que...
– Pelo contrário. O peão que vi em ti naquela hora já não era aquele guri atrevido e sim um homem responsável...
– Naquele dia do desaforo, quando cheguei em casa meio triste comigo mesmo, comecei a pensar e concluí que não era assim que a gente fala com as prendas... e continuei com a cisma de que devia pedir perdão para ti. E se tu me perdoasse já estava louco de bom!
– Não ficou com raiva por causa do tapa?
– No começo, sim. Mas depois vi que devia de haver alguma coisa errada no jeito que perguntei. Sabe o que eu acho? É a idade em que a gente fica curioso de saber as coisas. Também, os velhos nada contam para que serve isso nem aquilo. Nem dizem por que guri e guria são diferentes!
– Agora te entendo! Tu, na tua inocência primária, não fizeste por mal aquilo. Mas te garanto que eu não sou a guria certa para ensinar isso que tu precisa saber. Quem sabe te apresento pessoas que te possam ajudar. O que acha?
– Quem, por exemplo? Eu não conheço ninguém? Só a ti que conheço.
– No momento não lembro, mas, na hora adequada vou lembrar.
– Certo. Somos amigos, então, novamente? – perguntou o jovem, olhando firme nos olhos da moça, estendendo-lhe a mão direita.
Ela, tomando entre as mãozinhas delicadas dela a mão que se estendia, disse simplesmente, e até, com alegria: – ... e companheiros de travessuras, como nos tempos de criança.
O rapaz agradeceu e lhe disse que sentia um peso a menos no coração. Continuaram a conversar sobre outros assuntos e sobre os gostos prediletos de cada um.
– Agora, que não sou mais aquele pirralho de antes, preocupo-me já com as coisas dos adultos. Eu vou nos bailes, mas tenho medo de convidar uma prenda porque não sei dançar. Eu vi algumas vezes que tu dança muito bem.
– Isso está na gente. É só perder o medo. É como aprender a nadar.
– Falando assim tu até me encoraja para pedir uma coisa para ti.
– E o que é essa coisa?
– Sabe o que é? Eu gosto de baile, mas não sei dançar. De que me adianta ir ao baile? E daí é que eu gostaria que tu me ensinasse... disse ele com medo de ofender a jovem novamente.
– Mas como tu quer que eu faça isso?
– Se tu não te ofende, eu te peço para ir comigo ao baile.
– Me avisa quando é o baile e, se eu não tiver outro compromisso, eu vou. Afinal, amigo é pra essas coisas, né?
– Eu te aviso... disse ele jubiloso.
Tsche Guri estava numa alegria daquelas de fazer as pessoas falar bobagem sem querer. Quando chegou na casa do Xiru, o homem ouviu de longe as gargalhadas do piá.
– Mas o que aconteceu contigo, tsche?
– Consegui... consegui!
– Mas o que conseguiste, meu guri?
– Que ela me ensine a dançar. O que mais poderia ser
– Então ela veio, como eu previ!... disse o Xiru de si para consigo.
Tsche Guri, como que lendo seu pensamento, respondeu ao que não ouviu
– Ela veio, fizemos as pazes e ela vai ao baile comigo para me ensinar a dançar.
– Verdade?... fingiu-se o Xiru surpreso. E o que mais combinaram?
– Que vamos ao baile dançar até eu aprender.
– E... depois?
– Não basta? Estou feliz porque ela não está mais triste comigo e que vai me ensinar... quem sabe... até a namorar e tratar com respeito e educação as gurias.