PARTEIRA DE CAMPANHA

* Este eu dedico à Mãe Zeca e à Vó Tunica

O que ora escrevo não foi uma peculiaridade do terceiro distrito de Canguçu, mas sim uma característica de grande parte do Brasil. Obviamente que falo da realidade que conheci e vivi, por isso me refiro à terra onde nasci.

Pois lá no terceiro de Canguçu, território que é margeado pelo Rio Camaquã, fazendo divisa com os municípios de Encruzilhada do Sul e Piratini, existiam as parteiras de campanha, pessoas dotadas de um conhecimento que nem mesmo elas sabiam como haviam adquirido, mas que prestavam relevantes serviços à localidade onde residiam e aos locais da redondeza.

Cada vez que uma mulher estava prestes a dar à luz, o marido tratava de deixar a parteira de sobreaviso, posto que a qualquer momento a mesma seria chamada para acompanhar o trabalho de parto e garantir a sobrevivência da mãe e da criança, isto se tudo desse certo e Deus ajudasse.

Era assim que acontecia!

Num determinado momento, dia ou noite, chuva ou sol, inverno ou verão, chegava o marido para levar a parteira até sua casa, onde sua mulher já estava apresentando as primeiras dores do parto. O transporte se dava a cavalo, de carroça ou sulque. As distâncias variavam muito, até porque a dimensão da região assim determinava.

Assim que chegava ao local, a parteira dava de mão numa medalha da Nossa Senhora do Bom Parto e dava para que a parturiente a colocasse na cabeceira da cama, pois a proteção da Santa era fundamental para que houvesse sucesso em todo aquele trabalho absolutamente "científico".

Logo em seguida vinham as ordens: os homens eram para se retirar do quarto, devia ter água quente e panos limpos em abundância o que era providenciado por uma alguma mulher da casa ou vizinha, já que às moças não era dado ver o trabalho de parto.

O pai, entre um mate e um palheiro, ficava na espreita de ouvir o choro do recém nascido, além de rezar feito um capelão.

Tudo dando certo, em torno de uma a duas horas berrava a criança, e ato contínuo a parteira gritava para o pai o sexo do ladino: "é ome", "é boludo", "seu fulano". "Nasceu em boa lua, vai dá trabaiadô!" Se fosse do sexo feminino, o anúncio se dava mais ou menos assim: "é moça, bonita e vai sê prendada e o jeito dos óinho diz que vai se casá com ome bom!"

Depois desse anúncio tão esperado, o outro era dado em segredo ao marido, cerca de vinte minutos depois, no ouvido do mesmo, já que era algo vexatório para as moças e para as crianças: "puis óia, a sua muié já dislivrou, tá tudo bem, graças a Deus e a Nossa Senhora do Bom Parto!" Isso significava que o trabalho estava consumado.

Depois, se fosse noite alta, chuva ou temporal, era arrumada uma cama para a parteira ficar por ali até clarear o dia ou se acalmar a chuva ou o temporal, não sem antes providenciar numa bela refeição para aquele verdadeiro anjo da guarda.

Ah, já ia me esquecendo, o umbigo do ladino era cortado por uma tesoura grande, daquelas pretas, normalmente marca "Corneta" ou "Quatro Ases".

Foi durante a década de 70 que esses seres abençoados foram desaparecendo pelo surgimento dos serviços públicos de saúde.