O fantasma do Cemitério Municipal
 
Nos tempos do meu bisavô paterno, o muro que circundava o Cemitério Municipal São Francisco de Paula era bem baixinho. Com pouco esforço era possível transpô-lo, tanto de fora para dentro, quanto de dentro para fora, salvo um barranco aqui ou ali.
 
Para se divertir, ou na falta do que fazer, um morador da região, conhecido do vô Felippe, resolvera brincar de assustar os transeuntes. Escondia-se atrás dos túmulos próximos ao muro da lateral direita, que dá para a atual Rua Des. Benvindo Valente, e quando vislumbrava a silhueta de alguém na rua escura, punha-se a gemer e resmungar palavras ininteligíveis. O vivente se assustava e, enquanto tinha pernas, corria.
 
A história se espalhava, alimentando o imaginário popular no bairro. Entretanto, por falta de caminhos alternativos, para muitos era impossível evitar o lado direito do cemitério. Era se arriscar ou já estar em casa antes de escurecer. Voltar cedo e não sair mais.
 
Uma noite, Felippe retornava para casa ladeando o muro, quando ouviu os tais gemidos e sussurros vindos do outro lado. Parou, apurou os ouvidos e ao sentir sob os pés um pedaço de galho de bom calibre que o acaso colocou ao seu alcance, não teve dúvidas. Mão esquerda sobre o muro baixo e porrete na mão direita, vupt para o interior da necrópole, no encalço do fantasma de mentira.
 
Ao ser surpreendido, o homem tenta se explicar:
 
- Felippe, sou eu, fulano...
 
- Não é você não, fulano. É um fantasma.
 
Decidido a dar uma lição no engraçadinho, o meu bisavô passou a descer-lhe o cacete sem dó nem piedade.
 
E foram os dois por entre os túmulos. Fantasma na frente, Felippe Hey atrás.
             
E dê-lhe paulada no lombo.
 
- Pare, homem. Sou eu, fulano. Já disse...
 
- Você?! Nada... É um fantasma...
 
Desde aquela noite, ninguém mais ousou ser fantasma no Cemitério Municipal. Nem mesmo os que lá dentro haviam encontrado a sua última morada e, portanto, reuniam condição e credencial para isso.


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N. do A. 1 – Na ilustração, A Entrada do Cemitério de Caspar David Friedrich (Alemanha, 1774-1840).
 
N. do A. 2 – O meu bisavô Philipp (Felippe) Hey era natural de Niederhosenbach, uma cidadezinha localizada no estado da Renânia-Palatinado, Alemanha, e imigrou para o Brasil em 1856, aos 17 anos, juntamente com seu pai Johann Nicolau Hey, sua madrasta e cinco irmãos. Morava no início da atual Rua Albino Silva, defronte à Praça Honorina Valente, onde estão instaladas as Capelas da Luz. Seu terreno abrangia parte desses logradouros e também da Avenida Des. Hugo Simas, da Rua Roberto Barrozo e dos fundos do Cemitério Municipal São Francisco de Paula. Ganhou a vida como empreiteiro, deixando inúmeras obras no centro e arredores de Curitiba e na Estrada da Graciosa.
João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 14/01/2012
Reeditado em 01/04/2021
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